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Processo n.º 495/03
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por decisão de 16 de Julho de 2002, o Chefe de Divisão da Delegação de Viação de --------------------- determinou que fosse aplicada a A. coima no valor de
€45,00, pela prática da contra-ordenação prevista e punida no artigo 50º do Código da Estrada. Inconformado, o arguido veio arguir “a nulidade de todo o processado” com fundamento na inconstitucionalidade das normas aplicadas, dizendo:
“(…)
3ª. Com efeito, os artigos 33º e 34º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, ou seja, o DL n.º 433/82, de 27 de Março, com as alterações do DL n.º
356/89, de 17.10/Revisto pelo DL n.º 224/95, de 14.9, que permitiram a atribuição de competências pelo Ministério da Administração Interna, em matéria de Contra-Ordenações estradais, à Direcção-Geral de Viação são inconstitucionais. Pois atribuem competências para a punição e para o processamento das Contra-Ordenações estradais, por entidade administrativa.
4ª. Os artigos 33º e 34º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas resultam de alterações ao mesmo diploma que foram efectuadas fora dos prazos legais por não terem sido respeitados os prazos concedidos pela Assembleia da República para as alterações solicitadas, entre as concessões das autorizações legislativas e as publicações das alterações legais e também por isso são inconstitucionais;
5ª. As disposições agora em crise é que permitiram a atribuição de competências pelo Ministério da Administração Interna, em matéria de Contra-Ordenações estradais, à Direcção-Geral de Viação, logo, todas as disposições do mesmo diploma são inconstitucionais, bem como todas as decisões condenatórias dela provenientes;
6ª. Consequentemente, várias foram as inconstitucionalidades verificadas, no caso em análise, pela violação dos artigos 2º, 3º, 8º, 12º, 13º, 16º, 18º, 20º,
26º e 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa;
7ª. O arguido não pode dar cumprimento à alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional uma vez que não foi notificado pessoalmente nem teve conhecimento desta por qualquer outro meio. Razão pela qual vem agora prevalecer-se dos direitos de defesa e audiência que são assegurados pelo acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
8ª. Deve, assim, ser declarada a nulidade de todo o processado com fundamento na inconstitucionalidade das normas do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas aplicadas pela Direcção-Geral de Viação, em conformidade com todas as razões supra explanadas.
9ª. Se assim não se entender, pela inconstitucionalidade das normas referidas, e
à cautela, deve todo o processado ser considerado nulo por força da violação do artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, do artigo 155º do Código das Estradas, por aplicação conjugada dos artigos 150º, n.º 1, do Código das Estradas, do artigo 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e do artigo 119º do Código de Processo Penal. Não deixando de ter em apreço ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Novembro de
1998, na Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo V, pág. 277, que considerou que a ‘omissão de notificação configura uma nulidade insanável que deverá ser oficiosamente reconhecida’.” Por decisão de 10 de Abril de 2003, o Tribunal Judicial da Comarca de
----------------- decidiu negar provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
«Nos termos do art. 204º da CRP vigente – “Apreciação da inconstitucionalidade”
– “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.” Existirá inconstitucionalidade na presente situação? Dispunha o art. 33º na redacção original:
“O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas competem às autoridades administrativas, ressalvadas as particularidades previstas no presente decreto-lei.” Dispõe actualmente o art. 33º face à redacção do DL 244/95, de 14-9:
“O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma.' Dispunha o art. 34º na redacção original:
“1 – A competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.
2 – No silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover.” O n.º 3 deste art. 34º foi aditado pelo DL 356/89, de 17-10:
“3 – Os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.” No fundo a questão em causa prende-se com a possibilidade de as entidades administrativas aplicarem, para além das coimas, a sanção acessória que ao caso, e perante a norma concreta, caiba. No caso dos autos e em discussão nos mesmos não há qualquer sanção acessória a aplicar, dado que a contra-ordenação em apreço é tida como leve. Nos termos do art. 133º do CE: “Legislação aplicável” – “1– As infracções às disposições deste Código e legislação complementar têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos gerais da lei penal. 2– As contra-ordenações são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adaptações constantes deste Código.” Nos termos do art. 137º do CE: “Classificação das contra-ordenações” – “1– As contra-ordenações previstas neste Código e legislação complementar classificam-se em leves, graves e muito graves. 2– São contra-ordenações leves as que não forem classificadas como graves ou muito graves.” Em lado algum a contra-ordenação a apreciar nestes autos é classificada como grave ou muito grave, pelo que é leve. Sendo leve não dá lugar a sanção acessória.
É o que resulta do art. 139º do CE: “Inibição de conduzir” – “1– As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir.” Ora, por força do art. 133º, n.º 2, as contra-ordenações são processadas nos termos da lei geral, lei geral essa que é o DL 433/82, de 27-10, e alterações subsequentes. Por força do art. 33º, “O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma.” E por força do art. 34º
“1 – A competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.
2 – No silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover.” O n.º 3 deste art. 34º foi aditado pelo DL 356/89, de 17-10:
“3 – Os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.”
É a própria lei que diz que no silêncio, que é o caso do CE, compete, no caso ao MAI, definir quem é competente. No caso, porque se trata de situação de contra-ordenação leve, é a DGV a competente. Não se verifica, assim, qualquer omissão ou ilegalidade, muito menos inconstitucionalidade nos termos que de seguida – porque o arguido interliga as situações – se referem. A argumentação de inconstitucionalidade, trazida à colação, refere-se à publicação dos referidos DL’s de alteração ao regime originário do RGCO para além do prazo fixado em LAL. Tendo em conta o tipo de diploma legal – Decreto-Lei – verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo. Nos termos do art. 165º, n.º 1, d), da CRP vigente – “Reserva relativa de competência legislativa” – “1– É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2– As leis de autorizaçâo legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3– As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada. 4– As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República. 5– As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.” Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais quais aquelas que genericamente o próprio corpo do art. da CRP fixa. Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade orgânica. O diploma que é o DL 356/89, de 17-10, surgiu por via da LAL 4/89, de 3-3.
(...) O diploma que é o DL 244/95, de 14-9, surgiu por via da LAL 13/95, de 5-5.
(...) Com a publicação em DR de ambos os DL’s, emitidos ao abrigo de LAL’s, para além do prazo de duração da LAL não se praticou qualquer inconstitucionalidade orgânica, dado que esses mesmos DL’s foram aprovados em CM em data anterior ao terminus do prazo concedido na respectiva LAL.
É este o raciocínio que se tem que fazer e que conduzirá à improcedência da questão suscitada incidentalmente.»
2.Desta decisão judicial foi interposto, pelo arguido, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, “na parte em que suscita a inconstitucionalidade dos artigos 33º e 34º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, ou seja, o DL n.º 433/82, de 27 de Março, com as alterações do DL n.º 356/89, de 17.10, revisto pelo DL n.º 224/95, de 14.09, que permitiram a atribuição de competências pelo Ministério da Administração Interna, em matéria de Contra-Ordenações Estradais, à Direcção Geral de Viação.”
3.O recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
“1ª Nos termos do n.º 1 do art. 277º da Constituição da República Portuguesa são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados;
2ª Todas as autorizações legislativas estão sujeitas aos limites temporais. Havendo a preterição desses limites temporais temos uma inconstitucionalidade orgânica
3ª Os decretos-leis DL 356/89, de 17-10, e o DL 244/95 foram publicados após o prazo concedido pelas Leis de Autorização Legislativas respectivas, pelo que são inconstitucionais:
4ª Ambos os decretos leis, o DL 356/89, de 17-10, e o DL 244/95, de 14-09, foram promulgados após o prazo concedido pelas Leis de Autorização Legislativas respectivas, pelo que foi preterido mais uma vez uma formalidade constitucional, que nos termos dos arts. 277º e segs. acarreta a inconstitucionalidade de ambos;
5ª O DL 356/89, de 17-10, uma vez aprovado em CM, só deu entrada na Presidência da República no dia 15-9, ou seja, depois de terminado o prazo da Lei de Autorização Legislativa;
6ª O mesmo sucedeu com DL n.º 224/95, de 14-09, pois após ter sido aprovado em CM só deu entrada na Presidência da República no dia 9-8, também depois de terminado o prazo da Lei de Autorização Legislativa;
7ª Mais uma vez foram preteridos os limites temporais, formalidades constitucionalmente estabelecidas, que nos termos dos arts. 277º e segs. acarreta a inconstitucionalidade de ambos;
8ª Havendo uma inconstitucionalidade no procedimento legislativo que deu origem a estes dois decretos-leis que permitiram a atribuição de competências pelo Ministério da Administração Interna, em matéria de Contra-Ordenações Estradais,
à Direcção-Geral de Viação, nos termos dos artigos 2º, 3º, 8º, 12º, 13º, 16º,
18º, 20º, 26º, 32º, n.º 10, 202º, 204º, 277º e 280º, n.º 1, alínea b), n.º 4 e n.º 6, da Constituição da República Portuguesa e art.º 70º, n.º [1], alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional essa inconstitucionalidade, no procedimento legislativo, acarreta a inconstitucionalidade dos arts. 33º e 34º do Regime das Contra-Ordenações e Coimas, ou seja, do DL n.º 433/82, de 27 de Março, com as alterações do DL n.º 356/89, de 17-10, revisto pelo DL n.º 224/95, de 14-09, que aqui se suscita. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.ª melhor e doutamente suprirão, entenderão pelo provimento do Recurso interposto, nos termos exarados, revogando-se o douto Despacho recorrido, substituindo-se por um outro que absolva o recorrente do pagamento da coima de € 180,00, da taxa de justiça fixada em […] 2UC, custas a seu cargo, bem como das respectivas custas incidentais no montante global de 8 UC.” Nas suas contra-alegações, o Ministério Público veio suscitar a questão prévia consistente no facto de o requerimento de recurso e as alegações virem subscritas por advogado-estagiário, “com preterição da regra do patrocínio obrigatório que vigora em processo constitucional, por força do estatuído no artigo 83º, n.º 1, da Lei n.º 28/82”, e pronunciar-se, quanto ao fundo, no sentido de que o recurso “é manifestamente improcedente, face à reiterada e unânime jurisprudência constitucional acerca da tempestividade do uso de autorizações legislativas – sempre tendo o Tribunal Constitucional considerado que o momento temporal relevante para dela aferir é o da aprovação em Conselho de Ministros do decreto-lei autorizado.”
4.Após notificação do recorrente para tal, este constituiu advogado, tendo o mesmo vindo ratificar todo o processado. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
5.O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Março, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e regulou o respectivo processo, com as alterações do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Setembro, e do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro. A única questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente nas suas alegações é a da inconstitucionalidade “no procedimento legislativo” dos citados Decretos-Leis n.ºs 356/89 e 244/95, com fundamento na caducidade das respectivas leis de autorização legislativa (respectivamente, as Leis n.ºs 4/89, de 3 de Março, e 13/95, de 5 de Maio), nos momentos da promulgação e da publicação daqueles decretos-leis. Na verdade, apesar de o recorrente invocar diversas normas constitucionais nas alegações, a sua violação decorria, segundo o seu discurso, dessa alegada
“inconstitucionalidade no procedimento legislativo”.
É, assim, esta a única questão que cabe apreciar no presente recurso de constitucionalidade.
6.Ora, como se salientou, por exemplo, no Acórdão n.º 249/2002, deste Tribunal
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
“desde, pelo menos, o Acórdão n.º 150/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1992), que o Tribunal Constitucional firmou jurisprudência no sentido de que ‘o momento a ter em consideração, para se aferir se a autorização legislativa foi usada em tempo, é o da aprovação em Conselho de Ministros’ – Acórdão n.º 387/93, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Outubro de 1993 (cfr., também, a mais dos indicados no Acórdão recorrido, o Acórdão n.º 324/93, publicado no Diário da República, II Série, de
2 de Outubro de 1993).” Naquele Acórdão n.º 387/93, por exemplo, disse-se:
«(…)
4. O problema ligado com a questão de saber qual o momento relevante para se aferir, relativamente a um diploma governamental, da tempestividade do uso de uma autorização legislativa tendo em atenção as diferentes fases do processo de produção legislativa, tem sido objecto de variadas posições doutrinais e de algumas posições jurisprudenciais, mesmo perante o primitivo texto da Constituição segundo o qual – cfr. artigo 122º, n.º 4 – era juridicamente inexistente o acto legislativo não objecto de publicidade.
4.1. É assim que, a propósito, se citam Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1977, 150, VI, Jorge Miranda, A Constituição de 1976, n.º 29, Funções, Órgãos e Actos do Estado, 1986, 281, nota 1, e no estudo intitulado
“Autorizações Legislativas” na Revista de Direito Público, ano I, n.º 2, 18, nota 46, Isaltino Morais, Ferreira de Almeida e Pinto Leite, Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada, 331, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª edição, 1978, 336, e 2ª edição,
2º Vol., 205, António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, 252 e segs., e Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 2ª edição,
305 e 356, 4ª edição, 635, e 5ª edição, 865, Pareceres da Comissão Constitucional números 23/80 e 4/81, em Pareceres da Comissão Constitucional,
13º e 14º volumes, págs. 99 e segs. e 205 e segs., respectivamente, Acórdãos 4,
5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 165, 212, 293, 401 e 402, publicados nos Apêndices ao Diário da República de 6 de Junho de 1977, 25 de Outubro de
1977, 16 de Abril de 1981 e 22 de Dezembro de 1981, e Acórdãos do Tribunal Constitucional números 37/84, 59/84, 60/84 e 80/84, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º volume, págs. 69 e segs., 309 e segs e 317 e segs., e 4º volume, págs. 217 e segs., 400/89 e 150/92, no Diário da República, 2ª Série, de
14 de Setembro de 1989 e 28 de Julho de 1992. Nos citados pareceres da Comissão Constitucional números 23/80 e 4/81 (e a partir do também citado Acórdão n.º 212) e nos referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional números 37/84, 59/84, 60/84 e 400/89, ficou expressa a ideia de que não implicava inconstitucionalidade orgânica a circunstância de um decreto-lei emitido ao abrigo de uma autorização legislativa ter sido publicado em data posterior ao termo do prazo ali concedido, pois que o acto de publicação não poderia ser visto como um elemento constitutivo necessário à aferição da existência jurídica do diploma.
4.2. Mas, se o requisito da publicação é, face aos ensinamentos extraíveis daqueles arestos e das considerações e da doutrina em que se suportaram, arredado como elemento de validade de um diploma, questão diferente é a de saber qual o item, de entre os demais que constituem o processo de produção legislativo – e para os efeitos que agora relevam, isto é, para se apurar se um decreto-lei foi emitido dentro do prazo autorizado pela Assembleia da República
– a que se deverá atender. A este respeito, o Tribunal Constitucional, por intermédio da sua 2ª Secção, tomou já posição no aludido Acórdão n.º 150/92, posição essa que agora se reitera e segundo a qual o momento a ter em consideração, para se aferir se a autorização legislativa foi usada em tempo, é o da aprovação em Conselho de Ministros. Disse-se, então e além do mais, no referido Acórdão:
“Por um lado, não constituindo a promulgação um acto da competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria. Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão de prova em contrário). Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo da autorização legislativa «existe» para o efeito de se considerar respeitado esse prazo, como «existe» qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional para efeitos de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas”.» Mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
146/96 (in Diário da República, de 7 de Maio de 1996) 928/96, 461/99, e o citado Acórdão n.º 249/2002 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Não se encontram na argumentação dos recorrentes fundamentos novos que justifiquem a alteração da posição assumida nestes arestos, podendo remeter-se para a sua fundamentação.
7.Ora esta solução conduz a uma conclusão de não inconstitucionalidade das normas em questão. Com efeito, considerando que as autorizações legislativas conferidas pelas Leis n.ºs 4/89, de 3 de Março, e 13/95, de 5 de Maio, tinham, respectivamente, a duração de 180 e de 90 dias (v., respectivamente, os artigos 4º e 5º daquelas Leis), e que os Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Setembro, e 244/95, de 14 de Setembro, foram aprovados em Conselho de Ministros, respectivamente, em 31 de Agosto de 1989 e 27 de Julho de 1995, não restam dúvidas de que a intervenção do Governo ocorreu dentro do prazo que lhe foi fixado, não interferindo no exercício da sua competência delegada o acto subsequente de promulgação, da responsabilidade de outro órgão de soberania, ou da publicação daqueles decretos-leis em Diário da República. Há, assim, que negar provimento ao presente recurso. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004 Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos