Imprimir acórdão
Proc. n.º 687/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 - A., requereu pela Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa a providência de injunção relativamente a B., identificado nos autos, com vista à sua notificação para lhe pagar a quantia de € 2 412,20, alegando provir a dívida de financiamento para aquisições a crédito.
2 - Não tendo sido possível notificar o requerido, foram os autos distribuídos pelo Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa (1º Juízo). Por despacho de 23 de Abril de 2003, o Juiz deste Tribunal determinou o desentranhamento do requerimento inicial de injunção e o arquivamento dos autos, nos termos do art. 19º, n.os 2 e 3, do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º
269/98, de 1 de Setembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, sob a consideração, em síntese, de que a requerente não havia pago a taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias.
3 - Contra este despacho reagiu a requerente pedindo a sua reforma, suscitando, simultaneamente, a inconstitucionalidade da norma “do artigo 19º, n.º 3 do Regime aprovado pelo DL. n.º 269/98, de 1 de Setembro, na versão aprovada pelo DL. n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”. Sustentou, aí, a recorrente que o regime estatuído pelo referido DL. n.º 32/2003 não era aplicável temporalmente à situação dos autos em virtude do princípio geral da aplicação imediata da lei nova de cariz processual haver sido expressamente afastado pelo seu art. 9º e que a norma que obriga o autor ao pagamento de duas taxas de justiça ofende o princípio da igualdade processual das partes vertido no art.
13º da Constituição da República Portuguesa, dado que o réu apenas está obrigado a pagar uma taxa de justiça, sendo que a consequência da falta do seu pagamento
é a da sua notificação pela secretaria para pagar a taxa de justiça inicial e subsequente, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, não inferior a
1 UC, nem superior a 5UC.
4 - O pedido de reforma deste despacho foi totalmente indeferido, embora nada se dissesse sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada.
5 - Recorreu então a requerente para este Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma vertida no artigo
19º, n.º 3 do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
6 - Alegando sobre o objecto do recurso de constitucionalidade, assim sintetizou as razões da sua discordância com a decisão:
«[…]
1. O Principio da Igualdade estatuído no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
2. Decorre, nomeadamente, deste preceito que todos os cidadãos têm direito de acesso à justiça em iguais condições.
3. Este princípio deverá reflectir-se, não só na aplicação da lei, mas também na obrigação do legislador produzir normas que assegurem tal igual tratamento.
4. O art. 19º n.º 3 do Regime aprovado pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro, na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro, vem violar este principio.
5. Não só pelo facto de, por consequência deste preceito a Autora/Recorrente ver-se obrigada a liquidar duas taxas de justiça,
6. Como também pelo facto da consequência prevista para a falta de pagamento ser mais gravosa para a recorrente/autora, do que para o réu.
7. A recorrente/autora pagou taxa de justiça no momento da apresentação do requerimento de Injunção.
8. Sendo obrigada, de acordo com este preceito, ao pagamento de nova taxa de justiça quando o processo foi remetido a distribuição.
9. Isto porque este regime impõe o pagamento de custas por parte tanto da autora, como do réu, nos 10 dias após a distribuição do processo, nos casos em que o procedimento de Injunção prossiga como acção.
10. Facto este que não é constitucionalmente admissível à luz do Princípio da Igualdade, uma vez que este prevê que todos tenham acesso à justiça em condições idênticas.
11. Ora, como se pode facilmente verificar, esta Igualdade não se encontra respeitada.
12. A recorrente/autora vê-se obrigada a pagar duas Taxas de Justiça, para poder ter acesso aos tribunais e ver o seu direito reconhecido.
13. Por seu lado o Réu paga somente uma taxa de justiça.
14. Mas tal como foi referido não é só nesta dupla tributação que a recorrente/autora se vê descriminada em relação ao réu.
15. Esta situação é agravada quando a cominação para a falta de pagamento desta taxa por parte da recorrente/autora é o desentranhamento da petição inicial.
16. Não prevendo esta lei qualquer tipo de sanção para o réu caso este não proceda a esse pagamento.
17. Aplicando-se, assim, ao réu, o regime das regras estabelecidas para falta de pagamento de qualquer taxa de justiça.
18. Isto é, o previsto no artigo 28º do Código das Custas Judiciais: “na falta de junção do documento comprovativo do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente no prazo de 10 dias (...), a secretaria notificará o interessado para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.”
19. O Réu, não só paga um valor inferior ao que a recorrente/Autora é obrigada a pagar, como é beneficiado desigualitariamente ao nível da cominação.
20. Sendo-lhe dada uma segunda oportunidade para, mediante o pagamento de uma sanção, proceder tardiamente ao pagamento da taxa devida.
21. Oportunidade esta que está vedada à recorrente/autora.
22. A consequência imediata da falta de pagamento da taxa de justiça devida por parte da recorrente/autora é o desentranhamento.
23. A recorrente/Autora não tem oportunidade de pagar a referida taxa, ainda que acrescida de uma sanção, continuando assim a ter possibilidade de ver a sua pretensão inicial – a condenação do réu – alcançada.
24. A recorrente/autora vê-se assim, numa posição muitíssimo desfavorável em relação ao réu.
25. Desfavorecimento este que é imposto pelo preceito aqui em causa.
26. Causando um prejuízo que é constitucionalmente inadmissível.
27. A Constituição estabelece igualmente a obrigação que impende sobre os Tribunais de não aplicar normas que infrinjam preceitos constitucionais (cfr. Artigo 204º C.R.P).
28. Preceito que a requerente invocou no seu pedido de reforma de sentença, não devendo assim o ilustre julgador a quo aplicar uma norma que é inconstitucional, por violação do principio da igualdade.
29. Sendo clamorosa a postergação do preceito constitucional que impõe a igualdade das partes perante a lei e na concepção desta.
30. Devendo ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, o artigo n.º 19º n. 3 do Regime aprovado pelo DL 269/98 de 1 de Setembro na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro ser declarado inconstitucional.
31. Aplicando-se à autora/recorrente, o mesmo regime que se aplica ao réu, isto
é, podendo a recorrente/autora pagar, ainda que acrescido de uma sanção, a taxa a que se refere o n.º 2 do artigo 19 do regime aprovado pelo DL 269/98 de 1 de Setembro na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro.».
7 - Por seu lado, o Senhor Procurador-Geral Adjunto contra-alegou, sustentando a constitucionalidade da norma impugnada, concluindo do seguinte modo:
«1º - A norma constante do artigo 19º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º
269/98, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 32/03, de 17 de Fevereiro, ao impor ao requerente o ónus de pagamento da taxa de justiça inicial devida pela
“conversão” do procedimento de injunção frustrado em acção judicial e ao sancionar - com uma verdadeira extinção da instância - o não pagamento tempestivo pelo autor de tal taxa, não viola o princípio da igualdade das partes.
2º - Termos em que deve improceder o recurso».
B - Fundamentação e decisão
8 - A questão objecto do recurso de constitucionalidade foi muito recentemente apreciada e decidida em Plenário deste Tribunal Constitucional que concluiu, por unanimidade dos seus juizes, entre eles se contando os que integram esta Secção, que, no tocante à matéria da dupla tributação, “a obrigação impendente sobre o requerente da injunção e posteriormente autor da acção, de pagamento de duas taxas de justiça, nos termos da «conversão» daquela providência em acção, não resulta do normativo em análise, mas sim do preceituado no nº 2 do art. 19º” e, relativamente à norma constante do artigo
19º, n.º 3, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 32/03, de 17 de Fevereiro, pela sua não inconstitucionalidade
(Acórdão n.º 625/03, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
É essa jurisprudência que aqui se renova. Assim, pelos fundamentos de tal aresto, cuja cópia se juntará a estes autos, este Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2004 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos