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Proc. n.º 258/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório
1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 70º, n.º 1 , al. b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (designada doravante por LTC), do despacho do Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto (4º Juízo Cível) que lhe indeferiu o pedido de redução da penhora do seu vencimento
[então, de € 404,30] para € 56,02 em vez dos € 134,68 que fundara no facto de, por virtude da extensão da penhora, ficar a dispor de um montante de vencimento inferior ao salário mínimo nacional [de € 348,01 para o ano de 2002].
2 - Concluindo as suas alegações de recurso neste Tribunal, o recorrente requer que seja declarado que a norma do art. 824º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até um terço dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado cujo valor não alcance o salário mínimo nacional, é inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana constante das disposições conjugadas dos arts. 1º e 59º, n.º 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, e, na prolação desta interpretação, declarada a inconstitucionalidade da penhora de parte dos rendimentos do executado, que, por força da penhora tornem os remanescentes rendimentos, de que o executado passa a poder dispor, inferiores ao salário mínimo nacional.
3 - O recorrido B., não contra-alegou.
4 - Pelo despacho do ora relator, de 21/10/2003, constante de fls. 32 e ss. dos autos, foi suscitada a questão prévia de não conhecimento do recurso nos termos que, de seguida, se transcrevem:
«a) Como decorre do despacho sob recurso transcrito a fls. 74 e 75
[queria dizer-se 22 e 23 destes autos, pois aquela numeração dirá respeito ao processo donde o recurso subiu em separado], este estribou-se em duas rationes decidendi ou fundamentos completamente autónomos. O primeiro foi o de que o requerente “não carreou para os autos qualquer elemento [de prova] que permitisse [ao juiz] aferir das suas condições económicas”, de modo a possibilitar ao juiz a fixação da penhora do seu vencimento entre 1/3 e 1/6, nos termos do art. 824º, n.º 2, do CPC, não dizendo sequer que o vencimento que diz receber “seja o único rendimento do agregado familiar em que se achará inserido nem tão pouco refere quaisquer despesas”, pelo que “desgarrado de qualquer outro elemento nada diz [ao juiz] acerca da sua situação económica”, pelo que “necessariamente tem de claudicar a sua pretensão”.
A outra ratio decidendi, aduzida, aliás, em termos que se poderão ver como ajustados aos de um simples obiter dictum [e diz-se isto porque ela é dada a título de esclarecimento - “esclareça-se” - e é construída sobre o pressuposto hipotético de o único rendimento do requerente ser o invocado], foi a de que, mesmo dando por certo que o único rendimento do executado fosse o seu ordenado, o senhor juiz não aderia à “tese de que a penhora não pode incidir sobre a parte que faz com que o remanescente do executado seja inferior ao salário mínimo nacional”, pois sempre haveria que relevar as concretas condições económicas em que o executado vivesse, pelo que se poderia penhorar vencimento que deixasse livre menos do que o salário mínimo nacional, e em cujo entendimento o recorrente vê uma interpretação/aplicação do art. 824º, n.os 1 e
2 do CPC em sentido contrário ao decorrente do disposto nos arts. 1º e 59º, n.º
2, alínea a) da Constituição da República, na linha do entendimento sufragado no Acórdão n.º 177/2002 deste Tribunal Constitucional. b) Ora, dado o exposto, verifica-se que qualquer que seja a pronúncia que este Tribunal venha a fazer sobre a constitucionalidade da segunda ratio decidendi, neste recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, sempre permanecerá incólume o juízo feito sobre o primeiro fundamento da decisão de indeferimento da pretensão de redução da penhora e por via dessa manutenção do decidido. Sendo assim a decisão do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
é inteiramente inútil, já que não poderá conduzir à reforma do decidido e à possibilidade de obtenção de uma decisão de sentido diferente da prolatada. O interesse processual é um pressuposto da acção/recurso cuja inexistência obsta ao seu conhecimento.».
5 - Ouvido o recorrente sobre a questão prévia nos termos dos arts. 3º e 704º, n.º1 do CPC (ex vi do art. 69º da LTC), veio o mesmo requerer o prosseguimento do recurso, sustentando, em síntese, que a “premissa” do juízo decisório efectuado pelo Meritíssimo Juiz de 1ª Instância, consubstanciada na asserção de que o requerente «não carreou para os autos qualquer elemento [de prova] que permitisse [ao juiz] aferir das suas condições económicas [...] é incorrecta» porquanto «[...] consta dos documentos juntos aos autos pelo requerente, a fls.
70, a decisão administrativa, transitada em julgado, através da qual é atestada a condição económica do requerente» e, «por outro lado, conjugando o teor dessa decisão administrativa, transitada em julgado, com o teor do documento de fls.
48 junto aos autos, e devidamente invocado pelo requerente, cristalinamente se conclui que [...] ora recorrente recebe exclusivamente de rendimento mensal o produto do seu trabalho ou seja, o vencimento de Euros 404,03».
B – Fundamentação
6 - Resulta claro que o recorrente não conseguiu afastar a procedência dos fundamentos aduzidos na suscitação da questão prévia, acima expostos. Na verdade, o que o recorrente sustenta na sua resposta é que este Tribunal Constitucional afaste, por eivado de erro de julgamento, o juízo feito pela 1ª instância no sentido de que o requerente “não carreou para os autos qualquer elemento [de prova] que permitisse [ao juiz] aferir das suas condições económicas”, reexaminando o julgamento da matéria de facto feito por aquela instância, ou dito de outro modo, que sindique o julgamento efectuado relativamente à premissa de facto sobre a qual assentou a decisão recorrida. Ora, esta matéria está arredada da competência do Tribunal Constitucional, dado que lhe cabe apenas, no tipo de recurso aqui em causa [da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC], conhecer da inconstitucionalidade de normas que tenham constituído ratio decidendi da decisão recorrida (cf., ainda, o n.º 1 do art.º
75º-A da LTC). Mesmo que se defenda que o caso julgado administrativo, também designado por caso resolvido, tem efeitos jurídicos equivalentes ao do caso julgado judicial e que dele resultaria a ilegalidade [por erro de direito] do juízo probatório feito pelo senhor juiz da 1ª instância, como parece pressupor o recorrente ao apelar para a sua existência, ainda assim não poderia este Tribunal Constitucional sindicar a correcção do referido pressuposto decisório - o de que o requerente não havia carreado para os autos qualquer elemento [de prova] que permitisse [ao juiz] aferir das suas condições económicas.
É, pois, de acolher a conclusão tirada pelo despacho em que se suscitou a questão prévia.
C - Decisão
7 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UC.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos