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Processo n.º 627/02
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional,
I. Relatório
1.Por sentença de 21 de Junho de 2001, a cuja leitura ambos assistiram, A. e sua mulher, B. foram condenados no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, na sequência de participação criminal apresentada em 14 de Abril de 1994, por C., por crimes de ofensas à integridade física simples, previstos e punidos pelo artigo 142º, n.º 1 do Código Penal de 1982, cometidos na pessoa da queixosa e de D., em pena de multa e em indemnização civil, após, por despacho de 25 de Maio de 2000, ter sido declarado amnistiado o crime de injúrias de que também eram acusados. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 13 de Março de 2002, veio a considerá-lo
“manifestamente intempestivo”, não o admitindo. Notificados do aresto, os arguidos vieram invocar, perante o mesmo Tribunal da Relação, que
“interpretar o disposto no art. 411º do C.P.P. no sentido de que o prazo para a interposição do recurso da sentença conta-se a partir da data do seu depósito na secretaria e não da data da sua notificação ao mandatário constituído que não esteve presente na leitura da sentença, viola a Lei Constitucional, nomeadamente o disposto no artigo 32º da C.R.P..” E pediram a declaração da nulidade da decisão na parte em que não admitia o recurso ou a reparação oficiosa do erro. Por acórdão de 19 de Junho de 2002, tal requerimento foi indeferido.
2.Os arguidos apresentaram então o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para “ver apreciada a inconstitucionalidade [d]a norma do artigo 411º do Código de Processo Penal”, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, logo juntando as respectivas alegações. Admitido o recurso e proferido despacho de alegações, estas foram repetidas por parte dos recorrentes, concluindo assim:
“1) Nos presentes autos os arguidos, ora recorrentes tinham e têm advogado constituído;
2) Na data da leitura de sentença o advogado constituído não pôde estar presente, pelo que;
3) Foi nomeado aos arguidos um defensor;
4) A sentença foi depositada em 21 de Junho de 2001;
5) O advogado constituído foi notificado da sentença proferida em 20 de Setembro de 2001;
6) O recurso em apreço foi interposto por requerimento apresentado em 08 de Outubro de 2001 (data de registo) tendo os recorrente pago a multa por praticar o acto no primeira dia útil para além do terminus do prazo legal;
7) O Tribunal ‘a quo’ invocando o disposto no n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal considerou extemporânea a interposição do recurso. Ora,
8) A notificação da sentença é obrigatoriamente feita ao arguido bem como ao advogado e;
9) Nesse caso o prazo para a prática do acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar (n.º 7 do artigo 113º do C.P.P.);
10) Assim interpretar e aplicar o disposto no n.º 1 do artigo 411º do C.P.P. no sentido de que quando o advogado constituído não está presente na leitura da sentença e é notificado dessa sentença que o prazo de interposição de recurso se conta não a partir da notificação da sentença ao advogado constituído, mas antes, do respectivo depósito na secretaria, mostra-se ela afectada de inconstitucionalidade material;
11) Na verdade, interpretar e aplicar com esse alcance tal norma é violar o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o n.º 1 de tal preceito constitucional, na medida em que não assegura aos arguidos as garantias de defesa no que respeita ao recurso da decisão contra os mesmo proferida. Nestes termos, deve tal norma ser julgada inconstitucional quando interpretada e aplicada em termos de se não admitir que o prazo de interposição de recurso se conta a partir da notificação da sentença ao advogado constituído, nos casos em que o mesmo não está presente na leitura da sentença, fazendo-se assim JUSTIÇA.” Por parte dos recorridos não foram produzidas alegações. Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.É a seguinte a redacção da norma impugnada do Código de Processo Penal:
“Artigo 411º
(Interposição e notificação do recurso)
1 – O prazo para interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2 – O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na acta.
3 – O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso. Se o recurso for interposto por declaração na acta, a motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da interposição.
4 – No requerimento de interposição de recurso restrito a matéria de direito, ou até ao exame a que se refere o artigo 417.º, o recorrente pode requerer que, havendo lugar a alegações, elas sejam produzidas por escrito.
5 – O requerimento de interposição ou a motivação são notificados aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso, após o despacho a que se refere o artigo 414.º, n.º 1, devendo ser entregue o número de cópias necessário.
6 – O requerimento de interposição de recurso que afecte o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados
àquele quando esta lhe for notificada, nos termos dos artigos 333.º, n.º 4, e
334.º, n.º 8.” Como resulta do que se descreveu, está, porém, em causa apenas o n.º 1 deste artigo 411º, que prevê o prazo para interposição do recurso. Nesta redacção, resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a conformidade constitucional desta norma já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, tal como na redacção anterior o tinha sido quanto à mesma genérica questão que é agora trazida a este Tribunal, ou seja, a da conformidade constitucional do momento a partir do qual se deve contar o prazo de interposição de recurso: se o da notificação postal da sentença, se o do seu depósito na secretaria. Mas em nenhum dos casos a questão foi apreciada com os exactos contornos que agora assume.
Assim, no Acórdão n.º 109/99 (publicado no Diário da República [DR], II Série, de 15 de Junho de 1999) discutiu-se se (face à anterior redacção do n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal) importaria “um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido” o início do prazo de recurso da sentença a partir do seu depósito na secretaria quando o arguido não esteve presente (justificadamente) na audiência de leitura da sentença, estando aí presente o seu mandatário. E concluiu-se que não:
“De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair process.” Já no Acórdão n.º 87/03 (este já perante a actual redacção), concluiu-se ser
“inconstitucional, por violação do disposto nos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20º, e do n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, a norma constante do n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o prazo para interpor recurso da sentença proferida em conferência, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 4 do artigo 419º do mesmo diploma legal, deve ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor foi dado prévio conhecimento desse acto judicial”. Isto, uma vez que
“as exigências formais e procedimentais que integram a mecânica própria dos recursos hão-de compatibilizar-se, nomeadamente em sede processual criminal, com as coordenadas constitucionais que a essa matriz respeitam, não sendo de sufragar – como se escreveu no Acórdão n.º 66/2001, ainda inédito – uma interpretação normativa assente em rigidez formal que, desrazoavelmente, postergue o direito de acesso à justiça e aos tribunais e as garantias constitucionais consagradas para o processo criminal”, E sendo certo que
“nem o recorrente nem o seu defensor tinham sequer conhecimento da data de realização da conferência que não lhes foi comunicada”.
4.Se bem que nenhuma das situações já apreciadas reproduza a dos presentes autos
– em que os arguidos, e não o defensor, estiveram presentes na audiência de leitura da sentença, tendo-lhes sido nomeado um defensor para o acto –, o critério de solução do presente problema há-de ser o mesmo que foi fixado no Acórdão n.º 61/88 (publicado no DR, II Série, de 8 de Setembro de 1988), e invocado no primeiro acórdão atrás citado:
“A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas no n.º 2 do artigo 32º – será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.” Importa, pois, perguntar se, no caso dos autos, terá havido tal encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
5.Entende-se que a resposta é negativa. Na verdade, de acordo com a interpretação da norma em causa que está em apreciação, não só os arguidos tomam conhecimento da decisão que lhes é notificada – o que se passou no caso, declarando dela ter ficado cientes (fls.
568 v.) –, como quaisquer dúvidas imediatas lhes poderiam ter sido esclarecidas pelo advogado nomeado para o acto – e para o exame da sentença, imediatamente depositada, dispuseram ainda os arguidos e o seu mandatário constituído, de um prazo de quinze dias. Valem, pois, aqui os argumentos que acima se transcreveram do Acórdão n.º
109/99: estando o arguido presente na audiência em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, e sendo aí assistido por um defensor, pode aí, directamente ou através do esclarecimento prestado por este, ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia da sentença pode ainda, nos dias posteriores – e tem o ónus, que não se afigura excessivo – de entrar em contacto com o mandatário constituído, por forma a este vir a conhecer a decisão, a repensar, reflectir, ponderar e decidir sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim, mesmo a circunstância de a decisão de interpor recurso poder depender mais do defensor constituído do que de uma ponderação pessoal do arguido não é, pois, obstáculo a que este, ao qual é comunicada a sentença, decida, conjuntamente com aquele, se deve ser interposto o respectivo recurso, em inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. Isto, sendo certo, aliás, que, enquanto no caso do citado aresto o legislador previa um prazo de apenas dez dias para a ponderada decisão de interpor, ou não, recurso, aqui o legislador alargou o prazo em mais cinco dias – para quinze dias
–, o que reforça a possibilidade de “tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitação e sem estar pressionado por qualquer urgência”. Neste contexto, e como este Tribunal tem notado a propósito de situações parecidas, qualquer insuficiência de conhecimento da decisão (neste caso, por parte do mandatário constituído) só poderá dever-se a “grosseira negligência” ou
“total desinteresse” do arguido (perante o qual a sentença foi lida) ou do seu mandatário – ou a uma impossibilidade deste que compete àquele superar –, não havendo razão para, nesta matéria de prazo de recurso, se questionarem, do ponto de vista constitucional, as referidas opções do legislador. A norma em questão não é, pois, de considerar inconstitucional, e, em consequência, o presente recurso não merece provimento.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, quando os arguidos e um defensor nomeado estão presentes à leitura de sentença, mas o advogado constituído falta e é posteriormente notificado dela, o prazo de interposição de recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria; b) Por conseguinte, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita; c) Condenar os recorrentes em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça. d) Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos