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Processo n.º 493/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e outros, notificados da conta de custas da acção executiva por eles proposta contra B., no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, reclamaram da mesma, nos termos dos artigos 60º e seguintes do Código das Custas Judiciais, alegando para tanto que:
“1º Conforme decisão proferida nestes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer a presente execução, quer os embargos que dela são apenso ficaram isentos de taxa de justiça, nos termos do art.º 73º, n.º 7, da Lei 3-B/2000 de 4 de Abril;
(...)
4º E porque o Tribunal omitiu o arbitramento de procuradoria, esta foi calculada pelo máximo, isto é, sobre metade da taxa de justiça que seria devida (art.º 41º do C.C.J.), no montante de ESC: 6.527.020$00 a cada uma das partes;
5º O montante de procuradoria assim determinado é particularmente injusto por colocar as partes neste processo numa situação desigual, face a todas as outras partes que beneficiaram da isenção de taxa de justiça ao abrigo do art.º 73º da Lei 3-B/2000;
6º Efectivamente, este e outros Tribunais não têm vindo a fixar às partes quaisquer verbas a título de procuradoria às partes que beneficiem de isenção de taxa de justiça ao abrigo daquele normativo (art.º 73º da Lei 3-B/2000), procedendo dessa forma por ser esse o sentido inequívoco da circular de Maio de 2000 do Ministério da Justiça que recomendou que nos processos isentos de taxa não fossem cobradas das partes as verbas relativas a ‘encargos’, como é o caso da procuradoria e sem que tal entendimento tivesse suscitado a oposição das entidades suas beneficiárias (CPAS ou SSMJ);
7º Sendo assim, não é equitativo tratar as partes nestes autos de forma diferente e mais gravosa do que aquela que mereceram outras partes em igualdade de condições
– é, ou seria, iníquo.”
Por decisão de 17 de Maio de 2001, o Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras decidiu indeferir as reclamações, “por se encontrar esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal”.
2.Inconformados com esta decisão de indeferimento da reclamação da conta de custas, os exequentes recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando na forma de conclusões que:
“1. Vem o presente recurso de agravo interposto da decisão que indeferiu a reclamação da conta de custas e, consequentemente, a reforma da mesma.
2. A execução e respectivos encargos àquela apensos ficaram isentos de taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 73º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril. Contudo, na elaboração da conta, foram calculados e exigidos aos ora recorrentes os encargos correspondentes à parte indisponível da procuradoria.
3. O artigo 73º da Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2000 consagrou diversos incentivos, de natureza económica, excepcionais e transitórios para incentivar as partes a pôr termo aos processos e, dessa forma, atingir o descongestionamento das pendências judiciais.
4. Atendendo à ratio legis da citada norma e às regras hermenêuticas consagradas no artigo 9º do Código Civil, o desiderato assumido pelo legislador é mais amplo do que o consagrado na lei, estando contido no seu espírito que a isenção concedida, além da taxa de justiça, abrange também os encargos – em consonância com a interpretação ‘autêntica’ que decorre da aplicação do Ofício-circular n.º
22, de 19/09/2000, da Direcção Geral dos Serviços Judiciários.
5. A exigência dos encargos (procuradoria) é manifestamente injusta, por colocar as partes neste processo numa situação desigual face a todas as outras partes que têm beneficiado da isenção da taxa de justiça e dos encargos, ao abrigo da interpretação do referido normativo (n.º 7 do artigo 73º da Lei n.º 3-B/2000) dada pelo aludido Ofício-circular.
6. Uma interpretação literal do preceito legal referido – que imponha às partes o pagamento de encargos –, como faz a decisão recorrida, é violadora dos princípios constitucionais da igualdade e da equidade consagrados nos artigos
13º e 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
7. A decisão recorrida não fixou, em alternativa, a procuradoria no mínimo legal, quando o deveria ter feito, atenta a reduzida actividade das partes e do tribunal bem como a manifesta simplicidade da causa.
8. A decisão recorrida aplicou erradamente o n.º 2 do artigo 41º do Código das Custas Judiciais, quando deveria ter aplicado os critérios consignados no n.º 1 do mesmo preceito legal.”
Por acórdão de 11 de Dezembro de 2001, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
“Em relação à fixação da procuradoria, não se verifica qualquer nulidade da sentença quando a mesma não é fixada. A própria lei prevê oficiosamente o suprimento dessa situação determinando que nestes casos a mesma é igual a metade da taxa de justiça (n.º 2 do artigo 41º do Código das Custas Judiciais). Mas se os agravantes pretendiam atacar esta questão deviam tê-lo feito através de recurso do acórdão do Tribunal da Relação, não deixando que o mesmo transitasse em julgado, e não através da reclamação da conta que se limitou a executar o que fora já decidido (artigo 53º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais). No que respeita à ausência da interpretação ‘autêntica’ dada pelo Ofício-circular n.º 22, de 19/09/2000, da D.G.S.J. ao n.º 7 do art.º 73º da Lei n.º 3-B/2000 no sentido da isenção aí referida abranger também os encargos, também os agravantes deviam ter recorrido da decisão que julgou de forma diferente sobre esta questão nestes autos (Acórdão do Tribunal da Relação, fls.
585 a 588 do IV volume). Não é agora o momento próprio para pôr em crise a decisão que, na perspectiva dos agravantes, devia ter tido em conta aquela interpretação ‘autêntica’. Mas sempre se dirá que não estava o Tribunal da Relação obrigado a seguir a interpretação ‘autêntica’ da D.G.S.J., de 19.2.2000.”
3.Notificados deste acórdão, os recorrentes vieram interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a
“inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 73º da Lei [3-]B/2000, de 4 de Abril com a interpretação dada pelo acórdão recorrido da Relação de Lisboa e Ofício-circular n.º 22, de 19 de Setembro, da Direcção Geral dos Serviços Judiciários, segundo a qual os Senhores Magistrados teriam o poder arbitrário de isentar umas partes do pagamento, não só da taxa de justiça, como também dos encargos, por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.” Concluindo as suas alegações, os recorrentes vieram dizer que:
“(...)
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a decisão de 1ª instância, qualificou como ‘oportuna e sábia’ a interpretação do n.º 7 do art.º 73º da Lei n.º 3-B/2000, dada pela circular da D.G.S.J., segundo a qual os senhores Magistrados podem arbitrariamente mandar tributar em encargos uns processos e outros não: ou seja, o Acórdão da Relação de Lisboa deu como boa e fez sua a interpretação daquela norma, tal como foi feita pela D.G.S.J., norma esta que, com este sentido, os recorrentes reputam de inconstitucional.
4. O Supremo Tribunal de Justiça omitiu pronúncia sobre esta questão, mas só após a prolação do respectivo Acórdão ficaram esgotadas, para os recorrentes, as instâncias de recurso.
5. Acresce que a inconstitucionalidade do n.º 7 do art. 73º da Lei n.º 3-B/2000, com o sentido de atribuir aos senhores Magistrados o poder arbitrário de tributarem ou isentarem as partes de encargos de conta, é questão nova no sentido e para os efeitos do primeiro segmento do n.º 4 do art.º 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro.
(...)
13. É jurisprudência assente do Tribunal Constitucional que o princípio da igualdade ‘...proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, distinções discriminatórias de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva ou racional. Em suma, traduz-se na ideia geral da proibição de arbítrio’ – Ac Tribunal Constitucional de 06/06/90 acessível em
www.dgsi.pt (n.º convencional 90-186-2).
14. Assim, ‘existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição de arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade’ – neste sentido vide J. J. Canotilho, Direito Constitucional, Livraria Almedina, 5ª Edição –
1992, p. 577.” Notificado para responder às alegações apresentadas pelos recorrentes, o Ministério Público no Tribunal Constitucional veio suscitar a questão prévia do conhecimento do objecto do presente recurso, nos seguintes termos:
“A aludida decisão da 1ª instância foi proferida na sequência da reclamação da conta de custas, em que os recorrentes sustentaram o entendimento de que tendo ficado isentos do pagamento da taxa de justiça, também o deveriam ficar dos restantes encargos. Como aí bem se refere, o poder jurisdicional encontrava-se, nessa matéria, esgotado, sendo por isso totalmente inviável a pretensão dos então reclamantes e ora recorrentes (cfr., fls. 288 a 289). Na própria decisão ora em recurso se toma idêntica posição, ao chamar-se à colação o que havia sido anteriormente decidido pelo mesmo Tribunal da Relação, sendo que o contador se limitou a proceder à elaboração da conta de harmonia com o julgado em última instância, ou seja, [com] ter sido expressamente afastada a isenção do pagamento de custas, para além da taxa de justiça (cfr. fls. 333 e
334). Está-se, assim, perante uma matéria onde se tinha formado já caso julgado, não sendo a reclamação da conta de custas, nem as subsequentes reacções, pela via de sucessivos recursos, às decisões que sobre ela se pronunciaram, o meio próprio, tempestivo e adequado para se obter o fim visado pelos recorrentes. Com efeito, na reclamação da conta de custas só podem estar em causa as operações materiais e contabilísticas, que executam uma decisão judicial prévia, e não já esta. Neste sentido e com a consequência de não se conhecer a questão de constitucionalidade suscitada, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional conforme resulta do Acórdão n.º 195/99, de 23 de Março, publicado no Diário da República, II Série, n.º 258, de 5 de Novembro de 1999, bem como dos Acórdãos n.ºs 676/99, de 21 de Dezembro, e 360/00, de 5 de Julho (cfr. Secção de Jurisprudência – ‘sítio’ do Tribunal Constitucional, na Internet). Não deverá, assim, conhecer-se do objecto do recurso, pese mesmo embora o facto de na decisão recorrida, a final (cf., fls. 335), a interpretação ‘autêntica’ da DGSJ, de 19 de Fevereiro de 2000, relativo à norma do artigo 73º, n.º 7 da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que os recorrentes pretendiam ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.” E concluiu:
“A reclamação da conta de custas não é o meio adequado para pôr em causa decisão judicial prévia, ao abrigo da qual aquela foi elaborada.
1. Tendo deixado transitar em julgado decisão que se pronunciou quanto a custas, é extemporâneo o recurso sobre a constitucionalidade da norma, ao abrigo da qual tal decisão terá sido produzida.
2. Não poderá, assim, tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso, interposto nos termos do disposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pelo que o mesmo deverá improceder.” Notificados para responder à questão suscitada pelo Ministério Público, vieram os recorrentes defender que:
“a) só após tomarem conhecimento da conta onde foram calculados e exigidos encargos que correspondiam à parte indisponível da procuradoria, os Recorrentes se poderiam pronunciar, o que fizeram tempestivamente e por meio adequado – o da reclamação da conta de custas; b) a reclamação da conta de custas é o mecanismo de reacção por via do qual se reage contra o modo como a conta foi elaborada, quando se verifiquem erros técnicos, contabilísticos ou a violação das disposições legais aplicáveis, que é o caso em apreço no presente recurso; c) na elaboração da conta de custas foram violadas normas legais, designadamente o n.º 7 do artigo 73º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, tendo por isso mesmo suscitado a questão de inconstitucionalidade da mesma, com a interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa e Ofício Circular n.º 22, de 19 de Setembro, da Direcção Geral dos Serviços Judiciários; d) foi à luz destas normas legais (...) que [se] atribuiu aos Senhores Magistrados o poder arbitrário de tributarem ou isentarem as partes de encargos, na elaboração da conta de custas, o que, em seu entender, colide escandalosamente com o princípio da igualdade ínsito no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.O Ministério Público veio suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso, por os recorrentes terem deixado transitar em julgado a decisão condenatória em custas, não sendo já a reclamação contra a conta – mecanismo utilizado pelos recorrentes – o meio adequado para pôr em causa a decisão judicial prévia, pelo que o presente recurso não teria utilidade. Importa analisar os argumentos opostos a esta questão pelos recorrentes. No acórdão de 5 de Dezembro de 2000, do Tribunal da Relação de Lisboa, tirado em recurso do despacho que indeferiu o acordo entre as partes sobre o valor tributário da causa no termo de transacção que visou pôr termo aos embargos de executado, e a propósito de um requerimento apresentado em 19 de Junho de 2000 pelos aí recorrentes – requerimento, este, que pretendia ver apreciada “a questão ora suscitada pela superveniência do citado artigo 73º, n.º 7, da Lei n.º 3-B/2000 de 4 de Abril, no sentido de não ser devida qualquer importância a título de taxa de justiça e ficando, consequentemente, extinta a instância devido à inutilidade superveniente, baixando, nesse caso, os autos com tal indicação” –, escreveu-se:
“...os recorrentes têm jus a que mais taxa de justiça lhes não seja exigida, pois perfazem a situação conspectuada no art. 73º (preâmbulo e n.º 7) da citada Lei. Quando, porém, nesse requerimento se vise abranger também os encargos (...) diz-se que é um intento inviável, pois estes (encargos da conta judicial) estão totalmente fora da letra da lei e espírito da referida norma jurídica.” Em resposta, vieram os recorrentes desistir do recurso e considerar que de tal decisão
“cristalinamente resulta que esse Venerando Tribunal reconhece não ser devida taxa de justiça pelo processado, salvo quanto às taxas já pagas e não restituíveis e aos encargos da conta, tudo nos termos do artigo 73º, preâmbulo e n.º 7, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril.
(...) a sua pretensão e o efeito útil do presente recurso não vai além de tal reconhecimento” (fls. 591) E a recorrida também o corroborou:
“1. Da referida decisão resulta o entendimento que V. Exas. reconhecem expressamente não ser devida taxa de justiça pelo processado, com excepção das taxas já liquidadas e não restituíveis e aos encargos da conta, nos termos do disposto no art. 73º da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril. Ora,
2. O recurso pendente e em questão não pretende ultrapassar tal entendimento”
(f. 592) Com base nessa decisão – e na referida anuência de todos os interessados – veio a ser proferido o despacho de 28 de Fevereiro de 2001 do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, que remeteu os autos à conta “em conformidade com o decidido em tal matéria no Apenso de embargos”. Logo por aqui se demonstra, pois, que, muito embora os ora recorrentes só tenham tido conhecimento da conta após esta lhes ter sido notificada, tinham anteriormente tomado conhecimento do modo como esta seria elaborada – e não só não o impugnaram, como expressamente concordaram com ele. Não procede, pois, o primeiro argumento esgrimido pelos recorrentes, contra a procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
5.Defendem também os recorrentes que a reclamação da conta prevista no artigo
60º do Código das Custas Judiciais visa igualmente reagir contra a violação das disposições legais. Porém, como se salienta na doutrina (assim Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais anotado, 4ª ed., Almedina, Coimbra, pp. 307-308), neste artigo, o “n.º
1 prevê a reforma (...) do acto de contagem que se não conforme com a lei, designadamente com o conteúdo da decisão judicial, que se deve limitar a executar”, e “feita a conta de harmonia com a sentença ou com o despacho, o juiz não pode mandar modificá-la, visto que isso implicaria alteração do caso julgado, certo que o erro, se o houver, proveio de decisão e não de conta.” Este tem, também, sido o entendimento do Tribunal Constitucional, quer face ao anterior Código das Custas Judiciais (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º
195/99, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Novembro de 1999), quer face ao actual (veja-se o acórdão n.º 360/00, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Como se escreveu no primeiro aresto citado:
“No momento da elaboração da conta de custas só pode estar em causa o respectivo modo de execução, afigurando-se natural que a decisão que decida das custas já não possa ser impugnada.
(...) Depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, quando se procede à elaboração da respectiva conta, não se pode utilizar um mecanismo destinado à correcção de aspectos técnicos da feitura da conta pelo funcionário contador, para impugnar a decisão judicial que condena em custas.” Improcede, pois, também o segundo argumento oposto à questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
6.O terceiro argumento dos recorrentes é igualmente improcedente, já que, ainda que se pudesse divisar violação de qualquer norma legal – questão que se deixa em aberto –, não poderia agora a sua invocação aproveitar aos recorrentes, pois que não compete ao Tribunal Constitucional aferir do modo como os outros tribunais aplicam direito infra-constitucional, com independência da apreciação da questão de constitucionalidade de uma norma cuja apreciação lhe é submetida. Aliás, sendo a regra geral a de que os “processos estão sujeitos a custas, salvo se forem isentos por lei” (n.º 2 do artigo 1º do Código das Custas Judiciais), e de que as custas “compreendem a taxa de justiça e os encargos” (n.º 1 do mesmo artigo), e sendo certo que o legislador da Lei n.º 3-B/2000 só se referiu à isenção da taxa de justiça, não se divisa sequer base para afirmar que a circunstância de tais encargos serem devidos viola norma legal. Poderiam eles ter sido fixados em valor inferior, mas, não o tendo sido, foi aplicada a norma supletiva do n.º 2 do artigo 41º do Código das Custas Judiciais (que, ainda que pudesse ser tida como fonte da desigualdade, não foi impugnada no presente recurso).
7.Finalmente, improcede também o último argumento dos recorrentes, pois a norma impugnada – a do n.º 7 do artigo 73º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril – não atribui aos magistrados poder de tributar ou isentar as partes de encargos na elaboração da conta de custas. Independentemente da questão de saber se tal definição do sentido impugnado da norma não seria desde logo insuficiente para se poder conhecer do recurso – já que tal sentido não encontra expressão no preceito normativo impugnado –, é certo que esse sentido interpretativo não corresponde minimamente ao aplicado na decisão recorrida. O que nesta se fez foi confirmar a orientação interpretativa firmada anteriormente no processo, a propósito da relevância superveniente daquela norma da Lei do Orçamento do Estado (Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril), segundo a qual a referência do legislador a uma isenção de taxa de justiça em casos como o dos autos não implicava uma isenção de encargos, justamente porque não era uma isenção de custas (eventuais dúvidas de constitucionalidade que o citado Ofício-circular n.º 22 pudesse suscitar ao, com eficácia externa, interpretar aquele acto legislativo, são irrelevantes, pois ele nem foi impugnado, nem foi aplicado, nem haveria interesse dos recorrentes em impugná-lo, pois o que pretendiam era, antes, que lhes fosse aplicável).
8.Por fim, refira-se ainda não poder dizer-se que, mesmo na tese dos recorrentes, é a (única) norma impugnada que “colide escandalosamente com o princípio da legalidade”. Na verdade, a tese dos recorrentes é a de que a desigualdade resultou de ter havido situações em que se procedeu à elaboração da conta em determinados termos, e outras em que tal não ocorreu. Mas tal só pode ser imputado a uma actuação administrativa sustentada num ofício-circular, e não à norma impugnada. Conclui-se, pois, que – como já entendido pelas instâncias – sobre a questão em apreço, após o trânsito em julgado da decisão de condenação em custas, e no quadro de uma reclamação da conta de custas, não pode haver reapreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e condenar os recorrentes em custas, com 10 (dez) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos