Imprimir acórdão
Proc. n.º 737/03
2.ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 - A., identificado nos autos, reclama para a conferência, nos termos do n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada por LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, de não conhecimento do recurso.
2 - Fundamentando essa reclamação, diz, no requerimento respectivo, o seguinte:
«I - Entende o Digníssimo Relator que o recurso apresentado neste tribunal deverá ser considerado improcedente, No entanto, e salvo melhor opinião não concorda o Recorrente com douta posição, senão vejamos: II - os requisitos enunciados foram cumpridos, ou seja, o Recorrente em sede de primeira instância invocou nulidades, na Relação de Guimarães o Arguido suscitou a violação do art. 208º da C.R.P., estando aqui claramente a suscitar a questão da inconstitucionalidade da decisão aí proferida, mas a admitirmos, o que só se formula por mera hipótese académica, que não é directamente invocada a norma violada, já em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça são aí arguidas inconstitucionalidades, conforme melhor se alcança das alegações aí enunciadas. III - Quanto ao outro requisito enunciado basta transcrever o douto despacho de indeferimento no tocante ao facto do Recorrente nunca equacionar, ou tivesse uma antevisão ou prognose, que em sede da Relação não viessem a considerar-se os factos alegados nessa instância, mas neste ponto ainda cumpre salientar outra situação que resulta do facto da conduta do defensor limitar o exercício dos direitos liberdades e garantias do Arguido, ou seja, um erro técnico poderia impedir o Arguido de ver os seus direitos salvaguardados. IV - Por último, mas não menos relevante resulta do facto do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se claramente sobre o objecto de recurso, porque caso tal não fosse essa intenção nem tão pouco se pronunciaria limitando-se a quanto à questão da rejeição do recurso».
3 - O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal respondeu dizendo que a reclamação é manifestamente improcedente e que a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão impugnada no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do recurso para o Tribunal Constitucional.
4 - A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
«1. A., melhor identificado nos autos, foi condenado pelo Tribunal Judicial de Fafe, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, pela prática de um crime previsto e punível pelo art.º 164º, n.º 1 do Código Penal (doravante designado por CP), na pena de seis anos de prisão e na indemnização à ofendida do montante de 3 000 000$00.
2. Afirmando-se inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, sustentando, na respectiva motivação de recurso, em síntese, que o acórdão condenatório estava inquinado das nulidades previstas nos art.os 120º, n.º 2, alínea d), 379º, alínea a) e 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal ( de ora em diante designado por CPP), bem como dos “vícios previstos nos art.os 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 374º, n.º 2 e 379º do CPP, por erros notórios na apreciação da prova, contradições insanáveis na fundamentação, bem como insuficiência na fundamentação do acórdão” e que o mesmo havia “[foi] violado o disposto no artigo 205º da Constituição da República”.
3. Por acórdão de 6 de Janeiro de 2003 (por lapso manifesto escreveu-se 2002), este Tribunal da Relação julgou improcedentes todos os fundamentos alegados pelo recorrente e julgou improcedente o recurso.
4. Após pedido de aclaração deste acórdão, formulado pelo arguido, fundado em falta de pronúncia sobre um recurso, por si interposto, e que havia sido admitido para subir conjuntamente com aquele que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, mas sobre cujo objecto [relativo à arguição de nulidades do inquérito, dos actos de instrução praticados no processo com ressalva apenas de alguns e da omissão de produção de prova], que foi indeferido
[por acórdão de 24 de Fevereiro de 2003], o mesmo arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (doravante indicado por STJ) daquele acórdão da Relação de 6 de Janeiro de 2003, colocando-lhe as questões emergentes das seguintes conclusões que coroam a sua motivação de recurso:
«Posto que a lei restrinja a cognição do tribunal a matéria de facto - tal como sucede no caso dos autos, e em recursos interpostos para o STJ (v.d. art.º 430º do CPP) - o recurso pode versar o reexame da matéria de facto, nos casos e situações da previsão do art.º 410º, n.os 2 e 3 do CPP ou seja “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum...” e respeite às seguintes situações “... a) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) contradição insanável da fundamentação; c) erro notório na apreciação da prova...; o recurso pode ter ainda como fundamento ... a inobservância de requisito cominado com nulidade que não deva considerar-se sanada”.
No caso “sub judice” constata-se a existência de erros notórios na apreciação da prova, bem como de contradições insanáveis na fundamentação, que resultam do próprio texto da decisão recorrida e das regras da comum experiência, tal como se constata a inexistência ou pelo menos a insuficiência da fundamentação do acórdão, nos termos do disposto no art.º 374º, n.º 2 do CPP, o que neste último caso, acarreta a nulidade do mesmo nos termos da previsão do art.º 379º do mesmo diploma - e o que tudo constitui, subsidiariamente atentos os diferentes efeitos, fundamento do presente recurso.
Os supra referidos vícios da decisão - erro notório da apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação, na medida em que resultantes do texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugadas com as regras comuns da experiência, constituem fundamento de anulação do julgamento e implicam o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos art.os 410º, n.º 2, alíneas a), b), e c) e 433º do CPP.
Para além do mais,
A decisão recorrida não contém, no que concerne às declarações, da assistente, dos peritos médicos, relatórios médicos e auto de perícia médico-legal e das demais testemunhas em que se estribou, os motivos de facto decisivos que concorreram para a formação da sua convicção, não contendo desse modo, o substracto racional e lógico que utilizou, determinante para o facto de ter valorado todas as provas em que refere ter apoiado para a decisão, bem como considerou como provada uma violação sem determinar-se o modo como o recorrente operou, nomeadamente, se tirou as calças, uma vez que não pode considerar-se que as calças foram rasgadas face às declarações da própria assistente.
A ausência destes motivos de facto, impedem o reexame crítico, quer pelos sujeitos processuais, quer por este tribunal de recurso, enquanto seus destinatários, do tal processo racional e lógico em que supostamente terá formado a sua convicção através das provas que vêm indicadas - o que faz inquinar o acórdão recorrido do vício da nulidade prevista no art.º 379º, n.º 2 do mesmo diploma legal, dispositivo este que violou».
5. O acórdão do STJ, de 24 de Setembro de 2003, decidiu “rejeitar o recurso, porquanto, além de manifestamente improcedente, é inadmissível (art.º 420º, n.º
1, e 414º, n.º 2, do CPP)”. O aresto começou por equacionar e resolver a questão prévia da intempestividade do recurso que fora suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no STJ, concluindo pelo seu desatendimento. Depois, tendo passado à análise dos fundamentos do recurso, teceu as seguintes considerações:
«Uma apreciação já levada a efeito por tal Tribunal [está a referir-se ao referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães] e não merecedora de qualquer observação ou crítica, havendo mesmo a exarar-se que o acórdão ora posto em crise, e questionado, tendo em equação a matéria de facto dada como verificada e sua manifesta suficiência, não suscita qualquer reparo no processo lógico do seu desenvolvimento, da sua coerência intrínseca e com as regras de experiência comum, sendo manifesto e inquestionável que a relação fez uma correcta aplicação do direito, não sendo a sua decisão passível de qualquer censura. O que, aliás, refira-se nem sequer é verdadeiramente posto em causa pelo recorrente, que se limita aliás a reeditar o seu inconformismo perante a decisão de 1ª instância, acabando praticamente por não dirigir directa e expressamente qualquer censura ao acórdão da Relação. Pelo que, como flui de tudo o acima exposto e das motivações apresentadas e suas conclusões, tal recurso seria de todo em todo de rejeitar por manifesta e clara improcedência, no quadro do disposto no art.º 420º, n.º 1 do CPP».
E virando de tema, abordando agora a questão da inadmissibilidade objectiva do recurso para o STJ, continua o mesmo acórdão a discretear pelo seguinte modo:
«Simplesmente ... o mesmo recurso, tanto quanto resulta dos autos, nem sequer se apresentará como admissível nos termos do disposto no art.º 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, dado se estar perante um acórdão condenatório proferido em recurso pela Relação de Guimarães, e de um acórdão condenatório que confirmou decisão da
1ª instância, e em processo crime a que não seria aplicável pena de prisão superior a 8 anos. Na verdade, atendo-nos aos autos, forçoso é concluir que a pena de 6 anos de prisão aplicada na 1ª instância foi de todo em todo confirmada na Relação, para onde só o arguido recorrera, sendo que, tendo só ele recorrido, o tecto da prisão aplicável está definitivamente fixado nos 6 anos, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus (art.º 409º do CPP). O que não deixa, natural e consequentemente, de configurar ma situação enquadrável na alínea f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP, com todos os reflexos em termos de inadmissibilidade do recurso. Como aliás, refira-se, vem sendo jurisprudência maioritária e recente deste Supremo Tribunal de Justiça (vide Ac. STJ de 27.3.2003 - proc. 870/03 - 5ª), anotando-se ser “insusceptível de recurso, por força do que dispõe o art.º 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, o acórdão da Relação confirmativo do da 1ª instância, se a pena aplicável é a de prisão não superior a 8 anos, já que, sendo a impugnação subscrita pelo arguido, o princípio da reformatio in pejus impede que se ultrapasse o limite máximo (...) que foi fixado na decisão condenatória (Ac. STJ de 12.3.2003 - proc. 4528/02 - 3ª). Assim, e considerando tudo o exposto, entende-se não ser de conhecer do recurso, porquanto, além de ser manifestamente improcedente, nem sequer é admissível
(art.º 400º, n.º 1, f) e 414º, n.º 2, CPP)”.
6. Deste acórdão interpôs o arguido recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade para este Tribunal Constitucional através do requerimento junto aos autos, no qual, pertinentemente às questões aqui a considerar, alega o seguinte:
«Não se conformando com o douto acórdão proferido nos presentes autos vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, porquanto: a) nos termos do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional a norma constante do art.º 40º do DL. n.º 11/98, de 24/01, é inconstitucional porque viola os princípios da universalidade, da igualdade (art.os 12º e 13º da CRP), e art.º
32º, n.º 1 da CRP; b) nos termos do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional a norma constante do art.º 412º, n.º 5 do CPP é inconstitucional porque viola o disposto nos art.os 13º e 32º, n.º 1 da CRP; c) viola o disposto no art.º 208º, n.º 1 d) viola o disposto no art.º 32º, n.os 1 e 3 da CRP com a recusa ao Arguido da consulta dos autos (art.º 86º, n.º 1 do CPP).
As inconstitucionalidades foram suscitadas em sede de recurso para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça».
7. O recurso foi admitido por despacho do Senhor Juiz Conselheiro Relator do STJ.
8. Como resulta, porém, do disposto no art.º 76º, n.º 3 da LTC, a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Constitucional. Sendo assim, cumpre apreciar se o recurso satisfaz os requisitos exigidos para se poder tomar conhecimento do seu objecto. Dos termos verbais do requerimento de interposição do recurso, da menção nele feita ao art.º 70º da LTC, do facto de pretender a apreciação da constitucionalidade das normas de direito infra-constitucional nele identificadas e, finalmente, da sua alegação de que “as inconstitucionalidades foram suscitadas em sede de recurso para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça”, assim visando dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 75º-A da LTC, é evidente o propósito do recorrente de querer exercer o direito de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a coberto do disposto no art.º 70º, n.º1, alínea b), da LTC. Anote-se, aqui, que essa foi, também, aliás, a interpretação que foi feita do mesmo requerimento pelo Senhor Conselheiro Relator do STJ que admitiu o recurso (cfr. despacho de fls. 907). E aqui faculta-se, de facto, o recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. De acordo com esta disposição - que mais não faz do que reproduzir a normatividade constante do art.º 280º, n.º 1, alínea b) da CRP - , constituem requisitos ou pressupostos processuais específicos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que a decisão sob impugnação constitucional tenha efectivamente aplicado como sua real ratio decidendi as normas cuja apreciação de constitucionalidade se pretende ver apreciada (cfr., entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal n.os 674/99, 155/2000, 157/2000 e 232/2002, publicados no Diário da República II Série, respectivamente, de 25 de Fevereiro de 2000, 9 de Outubro de 2000, 9 de Outubro de 2000 e 15 de Julho de 2002) e que a sua inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000). A exigência daquele pressuposto justifica-se pela natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e pela própria natureza da função jurisdicional. Na verdade, só tem sentido que a jurisdição constitucional conheça da (in)conformidade constitucional dos preceitos de direito infraconstitucional quando a sua pronúncia sobre essa matéria seja susceptível de alterar a decisão recorrida e isso só será juridicamente possível quando a decisão da causa tenha derivado da efectiva aplicação desses preceitos. No que concerne ao outro requisito, ele encontra a sua razão de ser na circunstância da nossa Constituição ter optado por um sistema jurisdicional de controlo difuso da constitucionalidade das normas (cfr. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.), ao estabelecer (art.º 204º da CRP) que “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados” e pela conveniência em que a questão de constitucionalidade posta à consideração do órgão de fiscalização concentrada de constitucionalidade - o Tribunal Constitucional - tenha sido, quando funcionalmente possível [pelo que estarão fora da sujeição a tal ónus aqueles casos em que o interessado não teve a possibilidade de suscitar a questão em virtude de não lhe ter sido dada qualquer oportunidade para intervir no processo, ou, tendo intervindo a questão só pôde colocar-se perante um circunstancialismo ocorrido já após a sua última intervenção processual, ou, finalmente, ao interessado não foi exigível que antevisse a aplicação da norma ao caso concreto por se tratar de uma utilização de todo “insólita” e
“imprevisível”, cuja antevisão ou prognose prévia não seria razoável e adequado exigir ao interessado], apreciada e decidida pelo tribunal de cuja decisão se recorre, como é próprio dos recurso do tipo de reexame, como é o deste. Ora, no caso sub judicio nenhum destes pressupostos se verifica. Na verdade, resulta claro do que acima se relatou que a decisão do STJ, de que se recorre, se traduziu na rejeição do recurso para ele interposto e que esta se baseou no facto de aí se haver entendido que a decisão da Relação perante ele impugnada não era susceptível de recurso por se configurar a hipótese desenhada no art.º
400º, n.º 1, alínea f), do CPP e que, consequentemente, se verificava a situação de rejeição do recurso hipotizada nos art.os 420º, n.º 1 e 414º, n.º 2, do CPP. Tal entendimento encontra-se bem expressado, quer na fórmula decisória, quer nos fundamentos do acórdão imediatamente aduzidos antes dela e que acima se deixaram transcritos. Sendo assim, as normas efectivamente aplicadas, no acórdão recorrido, foram tão só as dos art.os 400º, n.º 1, alínea f), 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, do CPP. Por isso, apenas elas poderiam ter sido objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. E é claro que só se o recorrente tivesse colocado essa questão haveria que resolver a dúvida sobre se se verificaria o último daqueles casos em que o recorrente se tem por dispensado do ónus de suscitação antecipada da inconstitucionalidade, dado ser evidente não ter o mesmo levantado essa questão no recurso para o STJ. Só que, como se vê do seu requerimento de interposição de recurso, o que ele questiona sub specie constitucionis são outras normas, quais sejam as constantes dos art.os 40º do DL. n.º 11/98, de 24 de Janeiro, e 412º, n.º 5 e 86º, n.º 1 do CPP. Poder-se-á, todavia, objectar que o acórdão recorrido também se pronunciou quanto ao fundo da causa, ou seja, sobre o objecto do recurso tal qual o recorrente o havia desenhado nas conclusões da sua motivação para o STJ e que essas normas, por dizerem respeito a situações jurídicas acontecidas no processo, teriam sido implicitamente aplicadas por ele. Mas uma tal visão das coisas não corresponde à realidade. É evidente que o discurso do acórdão impugnado aborda a matéria colocada pelo recorrente nas conclusões da sua motivação e chega a concluir pela sua improcedência. Só que fá-lo a título de obter dictum ou como argumento ad ostentationem: como considerações tendentes a demonstrar que, mesmo conhecendo do fundo da causa, nem assim o recorrente teria razão. Mas, ao decidir do recurso, o acórdão ‘esquece’ esses argumentos e queda-se pela rejeição do recurso com base apenas nas normas acima indicadas. Mas mesmo que se admitisse que essas normas teriam sido aplicadas de modo implícito pelo acórdão do STJ, sempre se teria de concluir pela não verificação do pressuposto processual da adequada suscitação da sua inconstitucionalidade. Na verdade, em ponto algum das conclusões da sua motivação do recurso para o STJ, que acima se transcreveram, se vê rasto de qualquer discurso cujo significado seja o de questionar e confrontar a (in)conformidade dessas normas com quaisquer preceitos ou princípios constitucionais. Estará aí a razão pela qual o acórdão do STJ nem uma palavra dedique a esse tema. E é evidente que relativamente a tais normas nunca se poderia ter o recorrente por dispensado do
ónus de suscitação da sua inconstitucionalidade, dado o thema decidendum que colocou à censura do STJ ter que ver com a dimensão normativa que o recorrente entende estar nelas corporizada, pelo que seria de lhe exigir sempre a antevisão de que outra poderia ser a acepção que o Supremo lhes poderia atribuir e, dentro desta perspectiva, também a antecipar o juízo da sua hipotética inconstitucionalidade. Temos de concluir, assim, que não se verificam os referidos pressupostos processuais do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto no art.º 70º, n.º1, al. b), da LTC.
9. Destarte, atento tudo o exposto, decido não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UC.».
B – Fundamentação
5 - Como se evidencia claramente pela respectiva confrontação, as razões em que o reclamante assenta a sua reclamação em nada abalam, sob o ponto de vista da sua relevância jurídica, os fundamentos da decisão impugnada. Na verdade, o reclamante nada aduz de juridicamente pertinente que possa demonstrar
padecer de erro de julgamento o juízo feito pelo relator quanto à falta dos pressupostos do recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para este Tribunal Constitucional.
Alega o reclamante que “os requisitos enunciados [referindo-se, evidentemente, aos tidos como não verificados na decisão sumária] foram cumpridos” porque o recorrente “em sede de primeira instância invocou nulidades, na Relação de Guimarães suscitou a violação do art.º 208º da CRP, estando aqui claramente a suscitar a questão da inconstitucionalidade da decisão aí proferida” e “em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça são aí arguidas inconstitucionalidades”.
O reclamante parece esquecer que o recurso de inconstitucionalidade que interpôs é do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e que este recurso apenas pode ter por objecto, como longamente se expôs na decisão sumária, normas jurídicas que tenham sido aplicadas pelo acórdão recorrido como ratio decidendi da decisão por ele prolatada e cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Nesta perspectiva, é indiferente para o exame da verificação destes pressupostos do recurso que o reclamante haja “invocado nulidades na 1.ª instância” e “suscitado na Relação de Guimarães a inconstitucionalidade da decisão por ela proferida”. Independentemente da irrelevância sob o ponto de vista do processo judicial constitucional que a alegação feita nessas duas instâncias pudesse merecer [cabendo notar, perfunctoriamente, apenas que suscitar nulidades não coincide necessariamente com suscitar a inconstitucionalidade normativa e que o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não sindica a constitucionalidade das decisões judiciais, enquanto reportada à violação por estas directamente da Constituição], basta notar que sob recurso está, tão só, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça e não a proferida por esses tribunais. A alegação de inconstitucionalidade feita nas instâncias apenas seria susceptível de ganhar relevo para o efeitos do cumprimento do pressuposto do esgotamento dos recursos ordinário exigido pelo n.º 2 do art. 70º da LTC, mas cuja questão aqui não se coloca.
No que tange à “arguição das inconstitucionalidades” feita em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e ao ónus da sua suscitação, já a decisão sumária disse o suficiente, sem que se tenha mostrado que os fundamentos expendidos, na abordagem da matéria, não são juridicamente procedentes. Disse-se, aí, em síntese - e é de manter - que a ratio decidendi da decisão do Supremo não reside nas normas cuja inconstitucionalidade o recorrente questionou no requerimento de interposição do recurso e que, mesmo a admitir-se que elas tivessem constituído ratio decidendi, sempre teria faltado o cumprimento do ónus da adequada suscitação de que não poderia o recorrente ter-se por dispensado na situação concreta por o “thema decidendum que colocou à censura do STJ ter que ver com a dimensão normativa que o recorrente entende estar nelas corporizada, pelo que seria de lhe exigir sempre a antevisão de que outra poderia ser a acepção que o Supremo lhes poderia atribuir e, dentro desta perspectiva, também a antecipar o juízo da sua hipotética inconstitucionalidade”.
C – Decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, decide este Tribunal Constitucional indeferir a reclamação, mantendo-se a decisão jurisdicional impugnada.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos