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Proc. n.º 785/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente o A., foi proferida a seguinte decisão sumária.
'1 - A. recorre para este Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 327 e segs., dizendo no respectivo requerimento:
'... vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 69º e segs. da lei citada, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é o n.º 12º do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro.
Mais se refere, em cumprimento do n.º 2 do artigo 75º-A da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, que os princípios constitucionais que se consideram violados são o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP e o princípio da justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62º da CRP.
O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma citada na reclamação da perícia aduzida ao abrigo do art.º 587º/2 do Código de Processo Civil citado.
...........................................................................................................'
O recurso foi admitido no tribunal 'a quo' o que, nos termos do artigo 76º n.º 3 da LTC, não vincula este Tribunal.
Cumpre decidir.
2 - Um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo
70º n.º 1 alínea b) da LTC é o da suscitação, pelo recorrente, da questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado (artigo 72º n.º 2 da LTC).
No caso, o recorrente não suscitou, nas alegações de recurso que interpôs para a Relação de Guimarães, a questão da constitucionalidade da norma
ínsita no artigo 26º n.º 12 do Código das Expropriações, só o tendo feito, como expressamente se declara no requerimento de interposição do presente recurso, na reclamação da perícia efectuada em 1ª instância.
Face ao disposto no citado artigo 72º n.º 2 da LTC, é manifesto que a suscitação da questão de constitucionalidade na reclamação da perícia não satisfaz o ónus processual que ali se estabelece - ela não ocorreu perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Tal não impõe, sempre e em todas as circunstâncias, uma decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Com efeito, em jurisprudência firmada, o Tribunal Constitucional tem decidido que o recorrente fica desonerado do cumprimento daquele ónus quando lhe não for exigível a 'antecipação' da aplicação da norma (ou interpretação normativa) em causa na decisão recorrida por ela se configurar como decisão surpresa.
Impõe-se, assim, apurar se a aplicação da norma do artigo 26º n.º 12 do Código das Expropriações surge, no acórdão recorrido, em termos imprevisíveis, de tal modo que se não tornasse exigível que o recorrente tivesse suscitado, perante a Relação, a questão da inconstitucionalidade daquela norma.
Para tanto, importa salientar o seguinte:
Na sentença produzida em 1ª instância, uma das questões centrais a decidir, foi a de saber como qualificar a parcela e expropriar - como solo apto para construção ou como solo apto para outros fins - daí derivando a determinação dos critérios de avaliação (artigos 26º e 27º do Código das Expropriações, respectivamente, consoante os casos).
Defendiam, então, os expropriados que todo o solo expropriado deveria ser qualificado como apto para construção, sendo de salientar que, também então, o expropriante sustentava que o solo a expropriar deveria ser avaliado nos termos do artigo 27º do referido Código, ou seja, como solo apto para outros fins, fundamentalmente por se tratar de área que, de acordo com o PDM em vigor, se encontrava incluída na RAN - Reserva Agrícola Nacional, suscitando, ainda, na reclamação dos laudos de peritagem dos peritos designados pelo tribunal e pelos expropriados, a questão da constitucionalidade da norma do artigo 26º n.º 12 do Código das Expropriações, norma essa expressamente citada naqueles laudos como regra de avaliação das parcelas a expropriar.
A sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Braga foi, quanto à qualificação do solo, favorável ao expropriante, uma vez que considerou toda a parcela a expropriar como solo apto para outros fins.
Mas assim sendo, entende-se que, no recurso interposto pelo expropriante para a Relação de Guimarães, na parte que aquele considerou desfavorável, não teria, para os efeitos em causa, que suscitar a questão da inconstitucionalidade de uma norma que se reportava a um critério de avaliação de solo apto para construção. A qualificação como solo apto para outros fins era, como se disse, favorável ao expropriante, pelo que se lhe não exigiria a suscitação de uma questão que pressupunha a qualificação como solo apto para construção.
Sucede, porém, que os expropriados recorreram igualmente para a Relação, impugnando fundamentalmente a qualificação do solo feita na sentença então impugnada, defendendo que se impunha considerar a área a expropriar como solo apto para a construção.
E o expropriante, ora recorrente, não contra-alegou, podendo fazê-lo.
Ora, confrontado com as alegações dos expropriados e sendo plausível que a Relação pudesse alterar a qualificação do solo e, consequentemente, aplicasse os critérios de avaliação estabelecidos no artigo 26º do Código das Expropriações - neles avultando o estabelecido no n.º 12 do mesmo preceito legal
- impunha-se ao recorrente (então apelado) que, em contra-alegações, colocasse ao tribunal de recurso a questão da constitucionalidade da norma contida naqueles artigo e número.
Neste contexto, não pode considerar-se o julgado, ora recorrido, como decisão surpresa.
Não se mostra, assim, verificado o aludido pressuposto processual.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
Notificado desta decisão vem o recorrente dela reclamar, alegando, em síntese:
a) Que suscitou a questão de constitucionalidade da norma do artigo
26º n.º 12 do Código das Expropriações perante o Tribunal da Relação de Guimarães, que proferiu a decisão recorrida no recurso para o Tribunal Constitucional, ao referir, na conclusão III das alegações para aquele Tribunal que 'No processo sub judice concordamos inteiramente com a classificação do solo como 'para outros fins' pelas razões já explanadas aquando das alegações aduzidas na 1ª Instância';
b) Que, não tendo produzido alegações ao abrigo do artigo 64º do Código das Expropriações, facilmente se concluía que a remissão era para a reclamação da perícia, sendo para isso que se pretendeu alertar quando, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, se afirmou que a questão de constitucionalidade fora suscitada na reclamação da perícia aduzida ao abrigo do artigo 587º n.º 2 do CPC.
c) Mesmo que assim se não entenda deve ser reformada a condenação em custas, uma vez que o recorrente goza de isenção de custas ao abrigo do disposto no artigo 7º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho.
Responderam os recorridos sustentando que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
2 - Como resulta da decisão reclamada supra transcrita o não conhecimento do objecto do recurso fundou-se no facto de o recorrente não ter suscitado, perante o tribunal recorrido, a questão de constitucionalidade da norma ínsita no artigo 26º n.º 12 do Código das Expropriações, não podendo, ainda, considerar-se a aplicação desta norma como decisão surpresa, para efeitos de exonerar o recorrente do ónus estabelecido no artigo 72º n.º 2 da LTC.
A reclamação assenta exclusivamente na alegação de que, em contrário do decidido, o reclamante suscitou a questão de constitucionalidade perante a Relação, ao afirmar a sua concordância com a classificação do solo como 'para outros fins' 'pelas razões já explanadas aquando das alegações aduzidas na 1ª instância'.
É certo que o reclamante fez a referida afirmação nas alegações de recurso para a Relação, o que não foi tomado em conta na decisão sumária, muito particularmente pelo facto de no requerimento de interposição de recurso se ter indicado que a suscitação da questão de constitucionalidade ocorrera na reclamação da perícia aduzida ao abrigo do artigo 587º n.º 2 do CPC, o que, manifestamente, não significava que a questão tivesse sido colocada ao Tribunal da Relação de Guimarães.
E, sem que isto constitua argumento decisivo para o comprovar, a verdade é o acórdão recorrido não contém qualquer pronúncia sobre a citada questão de constitucionalidade.
De todo o modo, entende-se que, nem mesmo tendo em conta a referida remissão feita nas alegações de recurso para a relação, se deve ter por cumprido o ónus estabelecido no artigo 72º n.º 2 da LTC.
É que ao afirmar a sua concordância com a classificação do solo
'para outros fins' pelas razões já explanadas 'aquando das alegações em 1ª instância', não poderia o Tribunal da Relação de Guimarães entender que o recorrente se reportava ao que por ele fora dito na reclamação da perícia.
'Alegações' são a peça processual onde recorrente e recorrido expõem as razões que sustentam a impugnação ou concordância de uma decisão, em sede de recurso.
E a verdade é que o reclamante produzira verdadeiras alegações em 1ª instância quando recorreu (aqui sim um recurso) da decisão arbitral nos termos do artigo 52º do Código das Expropriações, não tendo aí colocado qualquer questão de constitucionalidade.
Por outro lado, a reclamação da perícia nos termos do artigo 587º do CPC - onde a questão de constitucionalidade foi suscitada - destina-se exclusivamente à resolução de deficiências, obscuridades ou contradições do relatório pericial, pedindo, então, as partes, aos peritos, os esclarecimentos ou aditamentos pertinentes - e foi o que, no caso, o recorrente fez - não podendo considerar-se essa reclamação como as 'alegações em 1ª instância' para que ele remetera no recurso interposto para a relação.
O que significa, mesmo neste enfoque da questão, que o recorrente não cumpriu o ónus estabelecido pelo artigo 72º n.º 2 da LTC.
3 - No que concerne à isenção de custas, tem razão o reclamante, dado o estabelecido no artigo 7º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 237/99, pelo que é de revogar a decisão sumária na parte em que condenou o recorrente em custas
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se :
a) indeferir a reclamação quanto ao não conhecimento do objecto do recurso e b) revogar a decisão sumária na parte em que condenou o recorrente em custas.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida