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Processo 731/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Em 18 de Dezembro de 2003 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A., melhor identificado nos autos, com o seguinte teor:
«1. Por sentença datada de 21 de Janeiro de 2003, proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, foi indeferido o pedido, apresentado por A., de suspensão de eficácia do acto administrativo, proferido em 12 de Novembro de 2002, pelo Inspector-Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(Direcção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo), consubstanciado na ordem para abandonar voluntariamente o território português, no prazo de 20 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 100º do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 1/2001, de 10 de Janeiro, dado se encontrar em situação irregular em território nacional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 99º do citado diploma legal. Lê-se nessa decisão, no que ora interessa:
«Nos termos do artigo 76°, n.° 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos a suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos: a) A execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público; c) Do processo não resultam fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso. Tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente e devem ser invocados com factos concretos e não com meras abstracções ou conclusões [Acórdãos do STA de 9-6-92 e de 3-5-94, in Acs. Douts. 379, pág. 723, e 403, pág. 759]. Começando pelos dois requisitos de natureza negativa, considera-se que o interesse público relevante há-de ser um interesse público concreto e não o interesse público que subjaz a toda a actividade administrativa, e de um dano de intensidade tal que ponha em causa situações jurídicas materiais fundamentais, relevantes para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros
[Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 11-7-96, proferido no âmbito do Recurso n° 40.493]. E no que tange ao terceiro requisito, trata-se, não de apreciar os vícios de que enferme presumivelmente o acto em causa, pois que tal seria já conhecer de mérito [Vd. o Acórdão do STA, de 31-7-75, in Acs. Douts. 169, pág. 519], mas a legalidade da própria interposição do recurso [tempestividade, legitimidade do recorrente e da entidade recorrida, recorribilidade do acto, etc.], como forma de se garantir minimamente que o recurso à suspensão não constitua obstáculo injustificado da acção administrativa. Não há, assim, ao contrário do que parece pretender o requerente, que discutir nesta sede a [i]legalidade do acto suspendendo. No que diz respeito em particular ao primeiro requisito, tem-se fixado tradicionalmente na jurisprudência o entendimento de que prejuízo de difícil reparação é o que se verifica quando o dano decorrente da imediata execução do acto [o que pressupõe um nexo de causalidade adequada] não seja susceptível de avaliação económica [Acórdão do STA de 8-6-78, no BMJ n° 302, pág. 299], ou esta seja excepcionalmente difícil [Acórdão do STA de 4-7-85, Acs. Douts. xxv,
(1986), págs. 670-1]. Em caso de danos não patrimoniais, tal sucede quando se trate de danos com gravidade tal que justifique a tutela do direito [cfr. o disposto no artigo
496º, n.° 1, do Código Civil]. Como vem referido, pertinentemente, pelo Ministério Público, os prejuízos que o requerente invoca como resultando da imediata execução do despacho suspendendo – que consubstancia uma ordem de abandono voluntário do território nacional, por permanência ilegal nele, e por isso, ao contrário do que defende a entidade requerida, directamente lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do requerente, donde contenciosamente recorrível, “ex vi” artigo 268°, n° 4, da CRP – não podem relevar em sede do requisito da mencionada alínea a), uma vez que, pelo menos em face do que aqui foi alegado pelo requerente, os mesmos não resultam directa e adequadamente do acto suspendendo, mas sim do facto de o requerente se encontrar em situação de permanência irregular em território nacional. Foi esse – e não outro, nomeadamente a ordem de abandono voluntário do território nacional – o facto determinante dos prejuízos que o requerente invoca, como seja a impossibilidade de continuar a prestar a sua actividade à firma B., em cumprimento do contrato de trabalho celebrado, caso venha a ser expulso do território nacional. Por conseguinte, não decorrem, pois, da execução do acto suspendendo sequer os danos invocados pelo requerente. Daí ter de se concluir pela não verificação do requisito da alínea a) do artigo
76º, n.º 1, da LPTA. Donde, e em conclusão, sendo os requisitos de verificação cumulativa, como já se disse, tal basta para ter de ser indeferida a pretensão do requerente.»
2. O demandante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo alegando que:
«(...)
14º A Administração Pública com a sua actuação suscitou no requerente uma confiança num direito que lhe está agora a ser negado.
15º O acto em causa vem pois modificar essa situação de facto e de direito preexistente, com todas as consequências nefastas que daí decorrem.
16º Como tal, e porque estão preenchidos todos os requisitos previstos no art.º
76º do Dec. Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, não resulta daqui ilegalidade na interposição do recurso contencioso de anulação.
17º Tal entendimento violaria o princípio do acesso à justiça, já que a suspensão da eficácia do acto representa a única garantia ao alcance do requerente para evitar que os efeitos já produzidos se tornem ainda mais perniciosos. O tribunal a quo indeferiu o pedido de suspensão da executoriedade do acto administrativo por considerar, antes de tudo, que não advém ao recorrente prejuízo considerável com a ordem de abandono do País que a notificação consubstancia. A prevalecer a tese constante da douta decisão recorrida teríamos instalada uma autêntica selva em Portugal, legitimando-se a notificação para a saída do País de todos os trabalhadores estrangeiros que foram contratados para trabalhar por entidades portuguesas que não cumpriram as disposições legais atinentes ao trabalho de estrangeiros. Há um manifesto equívoco na douta decisão recorrida quando refere, na pág. 3, in fine “uma ordem de abandono voluntário do território nacional, por permanência ilegal nele”.
(...) A causa dos prejuízos que o requerente invoca não está numa ilegalidade de que ele próprio seria o responsável, que o impede de continuar a prestar a sua actividade à empresa que o empregou.
É que o direito ao trabalho goza de protecção constitucional e prevalece sobre a questão administrativa inerente à existência ou inexistência de visto. A Lei n.º 20/98, de 12/5, que regula o trabalho dos estrangeiros em Portugal, impõe à entidade patronal o depósito do contrato de trabalho, punindo com coimas o incumprimento dos normativos referidos no seu art.º 7º.
É, porém, inquestionável, à luz desse diploma e do art.º 15º, n.º 1, da Constituição da República, que tem aplicação imediata e prevalente à luz do art.º 18º da mesma lei fundamental, que o incumprimento daqueles normativos pela entidade patronal não pode prejudicar os direitos constituídos de que sejam titulares os trabalhadores estrangeiros contratados por entidades portuguesas. Sustentar o contrário seria, para além de uma violação frontal do art.º 15º da Constituição, regularizar essa pouca vergonha que consiste em permitir que se celebrem contratos de trabalho com trabalhadores estrangeiros que, depois, os próprios serviços públicos destroem, por via de notificações que mais não servem do que para manter o fluxo migratório de que aproveitam as organizações mafiosas que se dedicam à canalização de novos emigrantes para Portugal.
É por demais óbvio que ordenar a um trabalhador estrangeiro, vinculado a uma empresa portuguesa por contrato de trabalho, que abandone o País lhe causa um prejuízo irreparável.» Não foram apresentadas contra-alegações. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo juntou parecer no sentido de ser revogada a sentença do Tribunal a quo e deferido o pedido de suspensão da eficácia do acto, porquanto:
“(...) os factos alegados na petição e, nomeadamente, os supra referidos, bem como os documentos que junta, são suficientemente demonstrativos dessa existência [de prejuízos de difícil reparação, a que alude o artigo 76º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos]. Efectivamente, como demonstra documentalmente, o requerente está vinculado por contrato de trabalho a prazo renovável, a uma empresa portuguesa, pelo que, se a ordem de expulsão for imediatamente executada, não só será detido, nos termos do art.º 109º do diploma citado, como também será submetido a um processo de expulsão que culminará com a sua saída definitiva do país. Tal acarretará, na verdade, como consequência necessária, a perda do emprego e demais regalias que invoca, que hoje detém, com as inerentes e notórias consequências, que são do conhecimento geral, pelo que, se a ordem de abandono voluntário vier a ser considerada ilegal terá que começar tudo de novo e procurar novo emprego, o que, dada a conjuntura em que se vive, não será fácil. Ora os prejuízos sofridos por um cidadão na situação do requerente são manifestos, do conhecimento geral e de muito difícil reparação, já que não são quantificáveis.
(...) Também não existe manifesta ilegalidade na interposição do recurso. Nestes termos, verifica-se a existência dos três requisitos necessários ao deferimento do pedido, constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 76º da LPTA.” Por acórdão de 8 de Maio de 2003, o Tribunal Central Administrativo decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o indeferimento do pedido de suspensão da eficácia do acto em apreciação, com os seguintes fundamentos:
«Para que se mostre preenchido o requisito em análise [alínea a) do n.º 1 do art. 76º da LPTA] é necessário que dos factos alegados e dos elementos probatórios resultantes dos autos, se possa concluir:
- pela verificação provável de determinados prejuízos;
- pela existência de uma relação de causalidade adequada entre a execução do acto e os prejuízos invocados;
- pela impossibilidade ou dificuldade de reparação dos prejuízos. Segundo a sentença, os prejuízos invocados pelo requerente resultam do facto de se encontrar em situação de permanência irregular em território nacional. Porém, entendemos que entre o acto exequendo e os prejuízos invocados não existe nexo de causa e efeito. Na verdade, tal como se refere no douto Ac. do TCA, n.º 12315/03, de 08 do corrente, num caso semelhante, “só a execução que determine a expulsão do requerente é que, em definitivo, lhe causará os prejuízos que agora o requerente já invoca.” Só a expulsão do território nacional obstará a que o requerente continue a cumprir o contrato de trabalho iniciado, em 16-09-2002, válido por um ano. Portanto, se os prejuízos alegados pelo agravante estão relacionados com a expulsão e se esta não é consequência necessária do acto suspendendo – como de facto não é –, então não se mostra preenchido o 2º elemento integrador do requisito da alínea a) do n.º 1 do art.º 76º, da LPTA – causalidade adequada entre a execução do acto e os prejuízos invocados –, o que, para além de implicar a prejudicialidade do conhecimento do 3º elemento integrador – impossibilidade ou dificuldade de reparação dos prejuízos –, implica, também, logicamente, a inverificação do próprio requisito. E se da execução do acto suspendendo não é possível estabelecer uma relação de causalidade adequada entre este e os prejuízos invocados, então também não se vê
– nem o agravante demonstra – como é que a interpretação vertida na sentença recorrida poderia ter violado os preceitos constitucionais invocados nas conclusões das alegações.»
3. O demandante apresentou, então, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. De um ponto de vista da justiça material, é de repudiar a decisão do douto acórdão, porquanto no caso concreto, sempre se oporão ao recorrente as cominações lesivas do não cumprimento da notificação, sem que, reflexamente, lhe seja dada hipótese de defesa, quanto à legalidade formal e substancial daquele acto.
2. O Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, no seu art.º 109º prevê a detenção do estrangeiro que não abandone o território nacional no prazo que lhe tiver sido fixado.
3. No caso concreto, há intenção manifestada pela Administração de, através de acto de poder unilateral, expulsar o recorrente do território.
4. Os invocados prejuízos advêm para o recorrente da ordem de abandono do país, pois sem essa ordem, ainda que estivesse ilegal, o requerente não teria que efectuar essa saída.
5. Existe relação de causalidade adequada entre o não cumprimento da notificação em referência e a detenção para expulsão efectiva do território.
6. Entender que este acto não tem qualquer relação de causa e efeito com a expulsão, e por esse motivo, não pode ser alvo de suspensão de eficácia, é entender que as autoridades algemam e detêm cidadãos com o fim de serem notificados de actos que não valem coisa alguma, o que não se concede.
7 . A lei basta-se com a probabilidade de verificação do prejuízo, não exige a verificação definitiva do prejuízo. A probabilidade de verificação do prejuízo existe no caso concreto.
8. Pelo que, foi violado o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 76° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
9. Indeferir a suspensão da eficácia do presente acto é negar, de modo imediato e reflexo, a garantia de tutela jurisdicional efectiva ao recorrente no caso vertente.
10. A tutela jurisdicional efectiva consegue-se no caso concreto, permitindo-se ao recorrente a impugnação dos actos tendentes à sua expulsão do território, por lesivos dos seus direitos, ou seja, quer esta notificação, quer aquele
(eventual) procedimento de expulsão.
11. Uma defesa adequada quanto a esta notificação só se consegue deferindo-se a suspensão da eficácia requerida.
12. Garantir ao recorrente apenas defesa quanto ao procedimento de expulsão corresponderia, no caso vertente, a uma “tutela jurisdicional amputada” em violação do disposto nos arts. 268° e 20º da Constituição da República Portuguesa.
13. IN CASU, INDEFERIR A SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO SUSPENDENDO, É EXIGIR QUE O RECORRENTE SEJA DETIDO, E, EVENTUALMENTE, PRESO PREVENTIVAMENTE, COMO CONDITIO SINE QUA NON PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA QUE CONTESTE OS MOTIVOS DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.
14. Não permitir uma adequada defesa do seu direito ao trabalho ofende a garantia de segurança no emprego prevista no art.º 53° da Constituição da República Portuguesa, e as regalias inerentes previstas no art.º 59º da Constituição.
15. A decisão recorrida interpreta de maneira desconforme ao espírito da Constituição o art.º 76° da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, violando frontalmente o disposto no art. 3° da Lei Fundamental.
16. A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 2° e 23° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” Em 30 de Julho de 2003, o relator no Supremo Tribunal Administrativo proferiu despacho nos seguintes termos:
“(...)
1. A. recorre para o STA do acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido a fls. 145/150. O processo iniciou-se no Tribunal Administrativo de Círculo, que, por sentença de fls. 58 e ss., indeferiu o pedido de suspensão de eficácia, sendo o TCA chamado a intervir em segundo grau de jurisdição.
2. Assim, visto o disposto nos arts. 103º, n.º 1, al. a), LPTA e 26º, n.º 1, al. e), do ETAF, afigura-se que o presente recurso jurisdicional não é admissível.
3. Ouçam-se as partes sobre esta questão, nos termos do art. 704º, n.º 1, do C. P. Civil”
4. No seguimento do despacho supra referido, o ora recorrente veio logo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo da al. b) do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional”, alegando que:
“(...) a aplicação do disposto no art.º 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no caso concreto, é inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão sob recurso. A interpretação dada àquele preceito no acórdão em referência ofende os arts.
3º, 13º, 15º, 16º, 53º e 59º da Constituição da República Portuguesa. O recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade no requerimento de suspensão de eficácia do acto para o Tribunal Administrativo de Círculo, no recurso jurisdicional que apresentou no Tribunal Central Administrativo e no recurso que apresentou no Supremo Tribunal Administrativo.” A entidade demandada veio, por sua vez, dizer o seguinte:
“(...)
5º Acontece, porém, que este recurso [referindo-se ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo] não é legalmente admissível, de acordo com o previsto na alínea a) do art.º 103º da LPTA que expressis verbis enuncia: ‘1. Salvo por oposição de acórdãos, não é admissível recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo que decidam: a) em segundo grau de jurisdição(...)’.
6º Como regra, urge considerar que a lei obstaculiza a admissão de recurso de acórdãos do Tribunal Central Administrativo que decidam em segundo grau de jurisdição (como é o caso), só se admitindo, excepcionalmente, esse recurso se fundado em oposição de julgados, o que, manifestamente, não sucede na situação vertente.
7º O próprio artigo 26º, n.º 1, a), do ETAF é claro ao preceituar que é da competência da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer ‘dos recursos de acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo proferidos em 1º grau de jurisdição’.
8º Nestes termos, perfilhamos o entendimento, ao abrigo das disposições legais supra citadas, que não se pode conhecer do objecto do recurso, não devendo o mesmo ser admitido, com todas as legais consequências.” Por despachos de 18 de Agosto de 2003, o relator no Supremo Tribunal Administrativo não admitiu os recursos interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“A decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Superior (art. 687º, n.º
4, do C.P.C.). Ao relator cabe admitir ou negar admissão a recursos jurisdicionais (arts. 111º, n.º 1, c), e 9º, n.º 1, j), da LPTA). De acordo com o disposto no art. 103º, n.º 1, a), da LPTA, salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso de acórdãos do T.C.A. que decidam em 2º grau de jurisdição. Face ao exposto, não admito o recurso interposto para este STA, a fls. 56.
(...) O requerente veio recorrer para o Tribunal Constitucional do despacho de fls., que não identifica mas que diz ter-lhe sido notificado, de modo que tudo leva a supor que tal despacho terá sido o de fls 193 e 193 v.. Sucede, contudo, que esse despacho nada decide limitando-se a suscitar a audição das partes sobre uma questão que urgia decidir, a da admissibilidade de um recurso interposto para este Tribunal. A urgência dessa consulta seria naturalmente o despacho da admissão/ não admissão só agora proferido. Não encerrando aquele acto judicial qualquer decisão, também não é passível de recurso (art.ºs 676º, n.º 1, e 679º do C.P.C.). Assim, não admito o recurso interposto.”
5. Notificado deste despacho, o recorrente veio repetir o requerimento de recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por considerar “que a aplicação do disposto no art.º 76º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no caso concreto, é inconstitucional, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão sob recurso”, ofendendo os “arts. 3º, 13º, 15º, 16º, 18º, 53º e 59º” da Constituição. O relator no Supremo Tribunal Administrativo proferiu então despacho, em 3 de Setembro de 2003, com o seguinte teor:
“Nos termos do disposto no art. 111º, n.º 2, da LPTA, do despacho do relator, a fls. 204, caberia reclamação para a conferência. Nos termos do disposto no art. 688º, n.º 5, do CPC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional terá que ser havido como a referida reclamação para a conferência. Notifique, sendo a entidade requerida ainda [notificada] para, sobre a questão, dizer o que oferece, nos termos do art. 700º, n.º 3, do CPC.” O recorrente veio, então, dirigir um requerimento ao Tribunal nos seguintes termos:
“1. Por lapso de que se penitencia, o recorrente não especificou inicialmente, de modo inteligível, a sua pretensão.
2. Assim, o recorrente pretendia e pretende, com o requerimento que deu entrada no dia 1 de Setembro de 2003, interpor recurso da decisão de fundo, proferida pelo Tribunal Central Administrativo, para o Tribunal Constitucional, aceitando a decisão proferida sobre a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal Administrativo.
3. Esgotados os recursos previstos na Lei, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo legitimidade e estando em tempo para tal.
4. Destarte requer a Vª Exª que, rectificado o lapso, ao abrigo do princípio da economia processual, aceite o citado requerimento nos termos supra expostos seguindo-se os ulteriores.” A entidade requerida pronunciou-se nos seguintes termos:
«(...)
13º Entendemos não ser o recurso admissível, nos termos do n.º 2 do artigo 76º da Lei n.º 28/82, de 15-11 – Lei do Tribunal Constitucional –, por manifesta falta de fundamentação. De facto,
14º A norma do artigo 76º da LPTA e a interpretação aplicada pelo Tribunal Central Administrativo têm, na óptica do respectivo acórdão, plena aplicação, por se tratar da apreciação dos factos a subsumir aos requisitos legais que justificam o deferimento da suspensão de eficácia requerida pelo recorrente,
15º Não violando a mesma qualquer das normas constitucionais pretensamente violadas pelo citado acórdão.
16º O alegado “prejuízo” que o interessado se atribui subjectivamente não resultará da notificação em causa,
17º Mas sim do seu procedimento ilegal,
18º Nomeadamente a entrada e permanência irregular em território nacional (TN) e
19º Não declarando a sua entrada em TN nos termos legais (artigo 26º do Decreto-Lei n.º 244/98),
20º Para além de aqui permanecer para além do prazo de validade do visto aposto no seu passaporte e que havia expirado em 11.3.2002,
21º Visto esse obtido de forma fraudulenta, com a finalidade de “VOYAGE D’AFFAIRES” quando afinal o que pretendia era exercer uma actividade profissional, sem estar munido do necessário “visto de trabalho” (artigo 36º e segs. do Dec.- Lei n.º 244/98),
22º E ainda por o contrato de trabalho que juntou ao processo n.º
362/DRLVTA/2002 não se encontrar devidamente visado pelo IDICT/Inspecção-Geral do Trabalho.
23º Pretendendo permanecer e trabalhar em Portugal ao arrepio de todas as normas legais criadas para regular a situação dos estrangeiros e de que o recorrente faz “tábua rasa”.
24º Assim, não haverá nexo de causalidade entre a notificação efectuada nos termos do artigo 100º do Decreto-Lei n.º 244/98 e o “prejuízo” invocado pelo recorrente.
25º Deste modo, não se vê qualquer razão para suscitar a pretensa inconstitucionalidade da norma aplicada. Porquanto
26º Quanto aos artigos 3º e 13º da CRP, só é possível aplicar o princípio da igualdade a cidadãos em igualdade de circunstâncias, não se podendo comparar as situações de cidadãos nacionais ou estrangeiros em situação regular com estrangeiros em situação ilegal, como é o caso do requerente (artigo 136º do Decreto-Lei n.º 244/98).
27º Quanto ao artigo 15º, parece-nos por demais evidente que esta norma só se pode referir e aplicar a estrangeiros que se encontrem em Portugal em situação regular e não aos que aqui se encontrem em situação ilegal. Assim, a citada norma não foi violada.
28º Quanto ao artigo 16º e pelo que atrás se disse, não se vê e nem se entende em que medida possa esta norma ter sido violada uma vez que não foi ofendido qualquer direito legalmente protegido do recorrente nem violado qualquer preceito da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
29º Quanto ao artigo 18º, entendemos não ter sido violada qualquer norma aplicável ao caso sub judice. Pelo que, também esta norma não foi violada.
30º Finalmente, quanto aos artigos 53º e 59º da CRP, também estas normas não podem considerar-se ofendidas uma vez que o recorrente não é detentor de um posto de trabalho devidamente legalizado, porquanto ele foi obtido de forma irregular, como referido nos artigos 16º a 24º supra, da presente resposta.” O representante do Ministério Público no Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido da não admissibilidade do recurso, “nos termos do n.º 2 do art.º 76º da Lei n.º 28/82, de 15-11 (...) por manifesta falta de fundamentação, não se mostrando violada qualquer norma constitucional.” Em 2 de Outubro de 2003, o relator no Supremo Tribunal Administrativo proferiu o seguinte despacho:
“Melhor apreciando o requerimento de fls. 208 [segundo requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade] e em revisão do meu despacho de fls. 210, vejo que o mesmo pode e deve ser considerado como de interposição de recurso de constitucionalidade do acórdão do TCA de fls. 145 e segs., cuja tempestividade decorre do art. 75º/2 da LTC. Apreciando-se: Admite-se o recurso interposto de constitucionalidade, subindo e sendo processado nos autos onde sobe imediatamente, com eficácia suspensiva”. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
6. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não vincula este Tribunal (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), pelo que, entendendo-se que não é de conhecer do recurso, é caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma.
7. Com efeito, o presente recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo
70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, sendo necessário, como requisitos específicos para se poder conhecer de tal recurso, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade dessa norma, ou dimensão normativa, tenha sido suscitada durante o processo. Este último requisito, como se tem vindo a decidir em numerosos arestos (entre os quais se refere, a título de exemplo, o acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República [DR], II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido meramente formal (que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer dessa questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (cfr. também, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, DR, II série, de 10 de Janeiro de 1995 e ainda o acórdão n.º 155/95, DR, II série, de
20 de Junho de 1995). Designadamente, já não é momento adequado para a suscitação da questão de constitucionalidade o do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, por se encontrar, então, já esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido. Este momento já não é, pois, adequado para se poder suscitar tempestivamente uma questão de constitucionalidade, excepto em situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que não tenha havido oportunidade processual de o fazer antes (v.g. Acórdãos n.ºs 61/92, 499/97 e
120/02, publicados no DR, II série, respectivamente de 18 de Agosto de 1992, 21 de Outubro de 1997 e 15 de Maio de 2002). Acresce que no direito constitucional português vigente apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada, em via de recurso
(cfr., por exemplo, Acórdão n.º 18/96, publicado no DR, II série, de 15 de Maio de 1996), com exclusão dos actos de outra natureza (políticos, administrativos ou judiciais em si mesmos).
8. Ora, no caso dos autos, a questão de constitucionalidade de normas – mormente a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA) dada pelo tribunal a quo, quanto à relação de causalidade entre o acto recorrido e os prejuízos – não foi suscitada durante o processo, perante o tribunal a quo, de forma clara e perceptível, por forma a poder tomar-se conhecimento do recurso intentado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – cfr. o artigo 72º, n.º 2, do mesmo diploma. Na verdade, a norma que o recorrente pretendeu submeter à apreciação do Tribunal Constitucional – a do artigo 76º da LPTA, “com a interpretação que lhe foi dada pelo acórdão sob recurso” (sem que o recorrente a enuncie com mais precisão), isto é, com a interpretação segundo a qual a ordem de abandono do território nacional não é causa dos prejuízos relevante para a suspensão de eficácia, mas antes a eventual expulsão do recorrente, que não é consequência necessária daquela – foi aplicada logo na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na 1ª instância, e, depois, novamente, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo, para fundamentar a rejeição do recurso. Recorde-se que, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b) n.º 1 do artigo 70.º só pode ser interposto pela “parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, o que implica que essa suscitação se faça de forma clara e perceptível. Como se pode ler, por exemplo, no Acórdão n.º 199/88 (publicado no DR, II Série, de 28 de Março de 1989),
“ (...) este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental.” (itálico aditado) E no Acórdão n.º 367/94 (in DR, II Série, de 7 de Setembro de 1994) disse-se:
“Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça.
(...) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.” Com o mesmo sentido, pode ler-se, posteriormente, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II Série, de 21 de Junho de 1995):
“(...) impunha-se que os reclamantes tivessem indicado – o que não fizeram – o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que eles têm por violador da Constituição. De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.” Ora, nas alegações produzidas perante o Tribunal Central Administrativo, a fls.
95 e segs. dos autos (e recorde-se que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo não veio a ser admitido), o recorrente, apesar de diversas referências a normas e princípios constitucionais, não suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 76º da LPTA, na interpretação em causa
– que veio a ser confirmada pelo Tribunal Central Administrativo –, isto é, na interpretação segundo a qual o acto em questão não é a causa dos prejuízos exigidos para a suspensão de eficácia. O recorrente não cumpriu este ónus perante o Tribunal Central Administrativo, apesar de a norma em causa ter já sido aplicada pela 1ª instância, com a referida interpretação. O que, aliás, explica que o Tribunal Central Administrativo, na decisão ora recorrida, não tenha tratado a questão da conformidade constitucional da interpretação referida, relativa à causalidade entre o acto e os prejuízos relevantes, mas tenha, antes, afastado logo a questão, dizendo que, “se da execução do acto suspendendo não é possível estabelecer uma relação de causalidade adequada entre este e os prejuízos invocados”, então não se vê como poderia existir inconstitucionalidade na “interpretação vertida na sentença recorrida”. Não tendo, pois, o ónus de suscitação da inconstitucionalidade da norma (no caso, de uma determinada interpretação normativa) sido cumprido pelo recorrente, apesar de nada obstar a que o tivesse feito em momento adequado (cfr., ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 439/91 e 1124/96, publicados no DR, II série, de
24 de Abril de 1992, e de 6 de Fevereiro de 1997), não pode agora tomar-se conhecimento do presente recurso.»
2.Notificado desta decisão, o recorrente veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), com os seguintes fundamentos:
«1. Entendeu o Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Relator não se poder conhecer do objecto do presente recurso com o fundamento de que o recorrente não cumpriu o
ónus de suscitar a inconstitucionalidade da norma, rectior, de uma sua interpretação normativa.
2. Porém, não pode o recorrente conformar-se com a douta decisão proferida.
3. É verdade que o recorrente suscitou perante o Tribunal Central Administrativo a questão da inconstitucionalidade dos preceitos jurídicos em causa.
4. Sendo, de outro lado, verdade que, quer o Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Central Administrativo, fizeram interpretação inconstitucional do preceito posto em crise.
5. Com efeito, tendo em conta que a interpretação jurídica “Em termos estritos e próprios, e a implicar um problema específico no quadro do pensamento jurídico,
é o acto metodológico de determinação do sentido jurídico normativo de uma fonte jurídica em ordem a obter dela um critério jurídico (um critério normativo de direito) no âmbito de uma problemática realização do direito e enquanto momento normativo-metodológico dessa mesma realização”
“A norma só vem a ser verdadeiramente interpretativamente determinada através da concreta resolução dos problemas jurídicos que nela se fundamente ou que a invoque como seu critério”. Castanheira Neves, Digesta, “Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e outros”, 2º volume, Coimbra Editora, 1995, pág. 338.
6. Salvo melhor opinião, negando uma concepção positivista do direito e erigindo o caso concreto como o prius metodológico na busca das concretas soluções dos casos decidendos – in casu, normativo-constitucionalmente apreciandos – a aplicação de normas a factos consubstancia o conceito de interpretação normativa.
7. Porém, decidiu-se na douta decisão sumária que o recorrente não invocou, de modo processualmente adequado, uma inconstitucionalidade normativa do preceito em referência que se pudesse pôr em crise.
8. Neste particular, aderimos in totum à fundamentação da douta decisão sumária a fls. 15, na parte em que é dito que “nas alegações produzidas perante o Tribunal Administrativo de Círculo, a fls. 85 e sgs. dos autos (e recorde-se que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo não veio a ser admitido), o recorrente, apesar de diversas referências a princípios constitucionais, não suscitou a inconstitucionalidade da norma do art. 76º da LPTA.”
9. Com efeito, o recorrente pôs em crise, nas alegações produzidas perante o Tribunal Administrativo de Círculo, de um ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, determinados aspectos da decisão em causa, porém, compulsados os autos, analisando com atenção o teor da decisão que agora lhe foi notificada, constata que não o terá feito com acerto, em ordem a permitir que os Venerandos Conselheiros do Tribunal Constitucional sobre ela ora se debrucem.
10. Não obstante, e à luz do dever de patrocínio sempre se dirá que, não obstante o nosso sistema judicial não admitir o chamado recurso de amparo, as doutas decisões postas crise comportam em si mesmas resultados inconstitucionais, porquanto in casu, indeferir a suspensão da eficácia do acto suspendendo, é exigir que o recorrente seja detido e, eventualmente, preso preventivamente, como conditio sine qua non para apresentação de defesa que conteste os motivos da autoridade administrativa – cfr. o disposto no art. 119º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto.
11. Posto isto, feita a introdução, avancemos para o cerne da reclamação:
12. Entre parênteses, na passagem transcrita da douta decisão sumária, encontra-se um facto não despiciendo e que, salvo melhor opinião, e sempre com o mui douto e sábio suprimento de V.ªs Ex.ªs, impõe a revogação da douta decisão recorrida.
13. Na verdade, é jurisprudência corrente que, e aqui, mais uma vez acompanhamos a douta decisão recorrida, o recurso previsto na alínea b) n.º 1 do artigo 70º só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, o que implica que essa suscitação se faça de forma clara e perceptível.
14. Avocamos neste particular, na argumentação ora expendida, que é entendimento pacífico, unânime e que vem sendo sucessivamente reiterado que tal suscitação de inconstitucionalidades normativas constitui um verdadeiro ónus imposto às partes.
15. Sendo certo que tal ónus deve ser entendido em termos funcionais, em termos tais que o juiz da causa, mesmo de um tribunal superior esteja em condições de da constitucionalidade conhecer .
16. Ónus jurídico, em sentido técnico, é o comportamento praticado em proveito próprio de que depende o exercício de um direito - cfr. Acórdão n.º 681/95 deste Tribunal, de 5 de Dezembro.
17. No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente suscitou de forma adequada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 76º da LPTA na interpretação segundo a qual a ordem de abandono do território nacional não é causa dos prejuízos relevante para a suspensão de eficácia, mas antes a eventual expulsão do recorrente do país.
18. E conforme se verifica pela análise das alegações apresentadas no Supremo Tribunal Administrativo aí foi cumprido o ónus que lhe cabia, sendo certo que esse ónus pode/deve ser cumprido até ao fim do processo – como é outrossim, jurisprudência corrente deste douto Tribunal.
19. Porém, posteriormente, por decisão do Exm.º Senhor Juiz Relator daquele Tribunal superior, veio o recurso a não ser admitido com os doutos fundamentos que do despacho de não admissão constam.
20. De tal modo que in casu o ónus do recorrente foi cumprido, sendo certo que, interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo, e, tendo o mesmo sido admitido por este Tribunal Superior, suscitou, cumprindo o
ónus que lhe cabia, a inconstitucionalidade da norma na interpretação levada a efeito no douto acórdão recorrido.
21. Termos em que, sempre se dirá que a douta decisão de não admissão de recurso, após o recorrente ter cumprido o ónus que lhe cabia, pode reconduzir-se, mutatis mutandis, ao conceito de decisão surpresa assumido pela douta jurisprudência deste tribunal.
22. Com especificidades, claro está, que se traduzem no facto de in casu não ser a decisão surpresa que é objecto de recurso, mas é a decisão surpresa que preclude o direito de sindicar perante o Tribunal Constitucional as inconstitucionalidades suscitadas.
23. Não sendo, de outro lado, despiciendo que ao recorrente caiba, outrossim o
ónus de esgotar todos os recursos que ao caso caibam, o que fez, interpondo e alegando em sede do recurso que foi admitido.
24. Destarte, por decisão inesperada – de outro modo não teria tal recurso sido interposto, não teria sido admitido pelo Tribunal Central Administrativo e não teria o recorrente apresentado alegações – e superveniente, tal ónus, que foi formalmente cumprido, veio a ser inutilizado – mas foi cumprido.
25. Termos em que, com o mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, procedendo os argumentos aduzidos, deve a douta reclamação proceder, revogando-se a douta decisão recorrida, aceitando-se conhecer do objecto do recurso interposto, seguindo-se os ulteriores termos até à decisão da inconstitucionalidade suscitada.» Notificado da reclamação deduzida, o recorrido respondeu nos seguintes termos:
«1º A ora reclamante interpôs junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa pedido de suspensão de eficácia do despacho de 12 de Novembro de 2002 consubstanciado na notificação para abandono voluntário do território nacional de acordo com o disposto no art. 100º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro.
2º O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa entendeu não suspender a eficácia da referida notificação, por não se encontrar preenchido o requisito previsto na alínea a) do art. 76º da LPTA.
3º O Tribunal Central Administrativo chamado a intervir em segundo grau de jurisdição negou provimento ao recurso, confirmando a sentença proferida na primeira instância, atento o facto de entre o acto exequendo e os prejuízos invocados não existir nexo de causa e efeito, condição indispensável para o preenchimento da 2ª parte do requisito da alínea a) do art. 76º da LPTA.
4º O que para além de implicar a prejudicialidade do 3º elemento integrador
(impossibilidade ou dificuldade de reparação dos prejuízos), implica também e logicamente a inverificação do próprio requisito, não se perspectivando como a interpretação vertida na sentença recorrida poderia ter violado os preceitos constitucionais invocados.
5º Não se conformando com o conteúdo do acórdão, o ora reclamante veio daquele interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que não foi admitido uma vez que “de acordo com o disposto no art. 103º, n.º 1, a), da LPTA, salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso de acórdãos do TCA que decidam em
2º grau de jurisdição”.
6º O ora reclamante veio por requerimento informar que por lapso não especificou, de modo inteligível, a sua pretensão, que era “interpor recurso da decisão de fundo, proferida pelo Tribunal Central Administrativo, para o Tribunal Constitucional, aceitando a decisão proferida sobre a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal Administrativo”.
7º Contudo, o Tribunal Constitucional, decidiu não tomar conhecimento do recurso, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.° 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por “o ónus de suscitação da inconstitucionalidade da norma (no caso de uma determinada interpretação normativa (do art. 76º da LPTA) não ter sido cumprido pelo ora reclamante “apesar de nada obstar a que o tivesse feito em momento adequado”.
8º Efectivamente, a alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que “apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
9º De acordo com o n.º 6 do art. 280º da CRP o recurso de constitucionalidade não tem por objecto a decisão judicial em si mesma, mas apenas a parte em que ela não aplicou uma norma por motivos de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma alegadamente inconstitucional.
10º O recurso é sempre restrito a uma questão de constitucionalidade, ou seja, tem por objecto normas de direito infraconstitucional (ou a sua interpretação) e nunca a própria decisão judicial enquanto subsume (aplica) aos factos o direito.
11º Porquanto o nosso sistema de fiscalização não conhece o recurso de actos concretos de violação de direitos fundamentais (recurso de amparo).
12º Acontece que o ora reclamante não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 76º da LPTA durante o processo, perante o Tribunal a quo, por forma a identificar “qual o sentido ou a dimensão normativa
(...) do preceito que se tem por violador da lei fundamental”.
13º O ora reclamante não cumpriu este ónus nas alegações produzidas quer perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, quer perante o Tribunal Central Administrativo, malgrado as referências a normas e princípios constitucionais.
14º Não tendo, pois, suscitado a inconstitucionalidade do art. 76º da LPTA na interpretação segundo a qual o acto suspendendo não é causa dos prejuízos exigidos para a procedência do pedido de suspensão de eficácia, o que inviabiliza in toto o conhecimento do recurso.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.Consultando o teor da presente reclamação, verifica-se que ela não logra abalar os fundamentos em que se baseou a decisão sumária transcrita. Na verdade, a norma do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, na interpretação segundo a qual o acto em questão não é a causa dos prejuízos exigidos para a suspensão de eficácia, fora aplicada logo na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na 1ª instância (e, depois, novamente, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo), para fundamentar a rejeição do recurso, sem, porém, que o recorrente tenha invocado a sua inconstitucionalidade. Aliás, o reclamante reconhece que não suscitou, perante o Tribunal Administrativo de Círculo, a inconstitucionalidade da norma que pretendeu impugnar no recurso de constitucionalidade, salientando, porém, que as decisões que impugnou “comportam em si mesmas resultados inconstitucionais”. Como se sabe, e se afirmou na decisão sumária reclamada, o objecto do recurso de constitucionalidade no direito português não pode, porém, ser apreciação da conformidade com a Constituição da decisão judicial em si mesma, mas apenas de normas, ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso, que o recorrente haja suscitado a questão da inconstitucionalidade normativa perante o tribunal a quo. Ora, o reclamante reconhece que “não o terá feito com acerto”.
4.O reclamante invoca também que suscitou a inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, o que bastaria para ter cumprido o ónus que lhe cabia (“até ao fim do processo”), sendo, porém, que o recurso veio a não ser admitido, parecendo pressupor que tal não admissão teria constituído uma decisão-surpresa. Como é jurisprudência constante deste Tribunal, não pode entender-se o requisito da suscitação da inconstitucionalidade “durante o processo” num sentido formal, mas num sentido funcional, tal que essa “invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita”. E, deste modo, “porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade” (cfr. o Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República, de 6 de Setembro de 1994, e já, entre tantos outros, os acórdãos n.ºs 94/88 e 90/85, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988 e de 11 de Julho de 1985). Ora, no caso dos autos, a questão de constitucionalidade de normas foi apenas suscitada num recurso que não foi admitido – como se salientou na decisão reclamada – e que, além disso, não tem cabimento legal: tal recurso não foi admitido porque “de acordo com o disposto no art. 103º, n.º 1, a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso de acórdãos do Tribunal Central Administrativo que decidam em
2º grau de jurisdição”, não podendo considerar-se tal não admissão objectivamente surpreendente ou inesperada (e antes correspondendo à aplicação das normas legais que regulam o processo em causa). Como é evidente, tal suscitação da questão de constitucionalidade normativa num recurso não admitido, e que não encontra previsão legal, não pode bastar para preencher o requisito em causa, que visa que o tribunal recorrido seja confrontado com essa questão, de forma que o Tribunal Constitucional, em via de recurso, possa reexaminar ou reapreciar uma decisão sobre a constitucionalidade da norma. A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 10 de Fevereiro de 2004
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos