Imprimir acórdão
Processo n.º 537/02 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Beleza (Bravo Serra)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Pelo Acórdão n.º 329/2003, proferido nos presentes autos, foi concedido provimento ao recurso, interposto pela Câmara Municipal de Sintra, do acórdão do Tribunal Central Administrativo de fls. 651, que declarara “com força obrigatória geral a ilegalidade das normas regulamentares do Capítulo IX, artºs
42º a 46º da Tabela de Licenças e Taxas emitida e aprovada pela Assembleia Municipal do Município de Sintra por deliberação de 5.Fevereiro.1988, vigente até 1998, (...) por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artºs. 18º n.º 2 e 266º n.º 2 CRP, na dimensão do princípio da proibição do excesso, da necessidade e adequação”. Pelo referido Acórdão n.º 329/2003, o Tribunal Constitucional, após verificar que as normas em apreciação eram, na realidade, as “normas regulamentares do Capítulo IX, artigos 42º a 46º, da Tabela de Taxas e Licenças emitida e aprovada pela Assembleia Municipal de Sintra por deliberação de 20 de Outubro de 1989”, julgou no sentido da não inconstitucionalidade.
Inconformada, A., recorrida, veio recorrer “para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo do art. 79º-D, n.º 1, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na parte em que o citado aresto não julgou inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Licenças e Taxas do Município de Sintra, aprovada em 20 de Outubro de 1989, dado que a mesma norma já foi objecto de um julgamento de inconstitucionalidade pelo Acórdão n.º 515/2000, da 1ª Secção deste Tribunal, tal como aliás vem expressamente reconhecido no acórdão de que se recorre”.
2. O recurso foi admitido, embora “circunscrito à norma ínsita no n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovado em 20 de Outubro de 1989. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que A. concluiu da seguinte forma:
“1.ª O presente recurso vem interposto do Acórdão n.º 329/2003, de 7 de Julho de
2003, proferido pela 3ª Secção deste Venerando Tribunal, na parte em que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 5 do art. 42º da Tabela de Licenças e Taxas do Município de Sintra, aprovada pela Assembleia Municipal em
20 de Outubro de 1989.
2.ª O Acórdão ora recorrido encontra-se em oposição com o anteriormente decidido por este mesmo tribunal no Acórdão n.º 515/00, proferido pela 1ª Secção, em 29 de Novembro de 2000, o qual julgou inconstitucional a norma do n.º 5 do art. 42º do Edital Camarário n.º 230/89, de 6 de Novembro de 1989, que aprovou a Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra, por violação do art. 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), versão da Lei n.º 1/89, de 8 de Julho.
3.ª Enquanto ‘os impostos são prestações pecuniárias, coactivas, unilaterais e definitivas, sem carácter de sanção, exigidas a detentores de capacidade contributiva por entes que exercem funções públicas, com vista à realização destas’, nas taxas ‘à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos especialmente dirigida ao respectivo obrigado, actividade esta que se há-de concretizar na prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares’ (José Casalta Nabais).
4.ª A análise do art. 42º da Tabela de Taxas e Licenças de 1989 não deixa dúvidas de que as pretensas taxas cobradas pela Câmara Municipal de Sintra ao abrigo desse normativo são exigidas, apenas e só, como contrapartida pela utilização do domínio público municipal e não pela prestação de qualquer serviço autárquico.
5.ª Foi este, de resto, também o entendimento deste Venerando Tribunal no Acórdão fundamento, de acordo com o qual, ‘através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou de funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública’ (cfr. p. 1464 do Acórdão fundamento).
6.ª Aliás, se assim não fosse ficava sem se perceber qual seria então a justificação para a existência, no artigo 42º da Tabela, de taxas com montantes diferentes. Com efeitos, a serem prestados, pela Autarquia, os serviços mencionados no Acórdão recorrido, eles seriam, naturalmente, idênticos, independentemente das bombas estarem instaladas (total ou parcialmente) na via pública ou em propriedade particular, pelo que os montantes das taxas teriam de ser os mesmos.
7.ª Acresce que, ao contrário do que se diz no Acórdão recorrido, não faz qualquer sentido cobrar uma mesma taxa pela ocupação do domínio público e pela prestação de serviços autárquicos e as razões são óbvias. Com efeito, a ser assim, seria impossível ao particular determinar se o montante da taxa era adequado, justificado e proporcional em sentido estrito à prestação por parte da Câmara, uma vez que ficaria sem saber onde é que começava a taxa por ocupação do domínio público e onde é que acabava a taxa pela prestação do serviço público, e vice-versa.
8.ª Deste modo, fundando-se a referida taxa na ocupação do domínio público municipal, resulta à evidência que no caso de bombas de carburantes líquidos instaladas inteiramente em propriedade particular com abastecimento no interior da propriedade a taxa prevista no n.º 5 do art. 42º da Tabela de Taxas e Licenças não é contrapartida de nada.
9.ª Mas, ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, a verdade é que existe um motivo decisivo para que não proceda o raciocínio expendido no Acórdão recorrido.
10.ª Com efeito, e embora não se ponha em causa que as instalações de abastecimento de combustíveis líquidos constituem um facto de potencial desgaste ambiental e de risco de uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada e que por isso devem ser sujeitas a toda uma actividade de fiscalização, a verdade, porém, é que à data da aprovação da Tabela de Taxas e Licenças de Sintra, em 20 de Outubro de 1989, não competia aos Municípios, designadamente aos serviços camarários, a prestação destes serviços de fiscalização, mas sim às Delegações Regionais do Ministério da Economia.
11.ª Efectivamente, na altura, a autorização para a construção ou exploração de bombas de carburantes era concedida mediante alvará do Ministro da Economia, cabendo depois às Delegações regionais do Ministério da Economia fiscalizar as condições de laboração dos postos de abastecimento, designadamente tendo em conta a diminuição ou redução dos impactes negativos no ambiente (cfr. Base VIII da Lei n.º 1.947, de 12 de Fevereiro de 1937, artigos, 15º, 56º a 62º e 64º a
68º do Decreto n.º 29.034, de 1 de Outubro de 1938, artigos 2º, alínea f) e 11º do Decreto-Lei n.º 206/89, de 27 de Junho).
12.ª Assim, não sendo matéria da competência dos serviços autárquicos a prestação de quaisquer serviços de fiscalização tendo em vista prevenir eventuais danos ou perigos que resultassem da actividade das instalações de abastecimento de combustíveis líquidos, não lhes competia, ao contrário do referido no Acórdão recorrido, analisar e inspeccionar tais instalações, pelo que nunca poderia a Câmara Municipal de Sintra pretender cobrar uma taxa com base neste fundamento.
13.ª Conclui-se, assim, como no Acórdão fundamento que ‘não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto’ (cfr. p. 1464 do Acórdão fundamento).
14.ª Deste modo, estando vedado aos Municípios pela Constituição, a criação de impostos, a norma do n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada pela Assembleia Municipal em 20 de Outubro de
1989, deve ser julgada inconstitucional, por violação do disposto no artigo
168º, n.º 1, alínea i) da CRP (versão da Revisão de 1989).”
Quanto à Câmara Municipal de Sintra, formulou as seguintes conclusões:
“...
9ª - Sendo que tem sido entendido por douto Tribunal que estamos perante uma taxa sempre que existe uma relação sinalagmática, a qual não pressupõe uma exacta equivalência económica, podendo a aferição do respectivo montante ser realizada em função não só do custo, mas também do grau de utilidade prestada.
10ª - Ora, é manifesta a utilização de bens de utilização pública por via do desgaste ambiental que o funcionamento de um posto de venda de carburantes implica, sob o ponto de vista da inevitável contaminação atmosférica e dos solos, constituindo, por um lado, elementos condicionantes em termos urbanísticos e de aproveitamento dos solos. Bem como, por outro, são um factor de risco público que não pode deixar de ser ponderado, nomeadamente em sede de protecção civil; já que estamos não só perante matérias poluentes, mas, mais do que isso, perigosas.
11ª - Ou seja, este tipo de instalações constituem um factor de desgaste ambiental e de risco para uma vida sadia e ecologicamente equilibrada.
12ª - Pelo que, como é dito – e bem – no douto acórdão recorrido, ‘Perante esses factores não pode, de todo, ser assumida uma postura de indiferença, designadamente por parte da administração, sobre a qual até impende um dever constitucionalmente consagrado ... – de defesa do ambiente.’
13ª - Assim sendo, no caso sub judice existe uma relação sinalagmática, já que existe uma contrapartida prestada à ora recorrente mesmo quando aplicável aos postos instalados em propriedade privada, na medida em que sempre existe contrapartida, pois há que ter em atenção a utilização que fazem dos recursos naturais, ar, solos e água.”
Notificado, o Ministério Público emitiu parecer, que terminou com estas conclusões:
“1º - Não podem configurar-se como ‘taxas’, por carecerem da indispensável bilateralidade, os tributos que sejam cobrados em função de uma utilização de bens pertencentes exclusivamente a particulares, mesmo nos casos em que tal utilização possa envolver eventuais riscos ambientais – não constituindo
‘contrapartida’ de tal utilização a realização – meramente hipotética ou presumida – de actividades inspectivas ou de polícia pelos municípios.
2º - Porém, já nada obstará a que a autarquia cobre ‘taxas’ de montante adequado como contrapartida do exercício efectivo de uma actividade de inspecção, destinada a prevenir riscos ambientais, na periodicidade definida por lei ou regulamento.
3º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo acórdão fundamento.”
Verificada a existência de contradição de julgados, foi discutido o memorando apresentado e, tendo ocorrido mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.
3. É o seguinte o texto do n.º 5 do artigo 42º da referida Tabela:
Artigo 42º - Bombas de carburantes líquidos – cada uma e por ano:
(...)
5) Instaladas inteiramente em propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade..........................................................150.000$00
4. Pelo Acórdão n.º 515/2000 (Diário da República, II Série, de 23 de Janeiro de
2001), invocado como fundamento no presente recurso, foi julgada
“inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 42º do Edital Camarário n.º 230/89, de 6 de Novembro de 1989, que aprovou a Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra, por violação do artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão da Lei nº 1/89, de 8 de Julho)”, nos seguintes termos:
«6. – A averiguação sobre a conformidade constitucional do regime jurídico de uma dada receita pública impõe a determinação prévia da sua natureza. A determinação da natureza de taxa ou imposto de um certo tributo tem consequências diversas face ao regime constante da Constituição em vigor no momento da criação do encargo (revisão de 1989).
De facto, a criação de impostos e a definição dos seus elementos essenciais está sujeita a reserva de lei formal (ou a decreto do Governo dependente de autorização) enquanto que as taxas podem ser estabelecidas por regulamento. Importa, assim, apurar se o encargo que recai sobre as instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água, quando instaladas inteiramente em propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade, a que se reportam os autos, tem a natureza de uma taxa ou de um imposto, ou ainda de um tributo que deva ser tratado como um imposto
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, no seu artigo 4º, nº 2, dá-nos um conceito legal de taxa, quando estabelece que 'as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares'.
Este Tribunal, para distinguir o imposto da taxa tem utilizado como critério geral o de saber se a prestação exigida tem carácter unilateral – correspondente ao imposto – ou bilateral ou sinalagmático – correspondente à noção de taxa (cf. Acórdãos nºs 76/88 e 348/86, in Acórdãos dos Tribunal Constitucional, 11º Vol., pág.331 e 8º Vol., pág.93, e mais recentemente, o Acórdão nº 410/2000, tirado em Plenário, de 3 de Outubro de 2000, publicado no Diário da República, I Série A, de 22 de Novembro de 2000). Assim, estar-se-ia perante um imposto sempre que a obrigação do seu pagamento não esteja ligada a qualquer contraprestação específica por parte do Estado.
Segundo Teixeira Ribeiro (Lições de Finanças Públicas, Coimbra,
1977, pág. 262), o “imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos”. A taxa, segundo o mesmo Autor (Noção Jurídica de taxa, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 117, pág. 289 e ss), “é a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos” (isto
é, de bens que “satisfazem além de necessidades colectivas, necessidades individuais, necessidades de satisfação activa, cuja satisfação exige a procura das coisas pelo consumidor”) “ou como preço autoritariamente fixado de tal utilização”.
Refere ainda o mesmo Autor, “precisamente porque os bens semi-públicos satisfazem necessidades individuais, o Estado já pode conhecer quem é que particularmente pretende utilizá-los, e pode, por conseguinte, tornar essa utilização dependente de, ou relacioná-la com, o pagamento de certa quantia. Se o fizer, tal quantia, ou é paga voluntariamente, e temos uma receita patrimonial, ou o é coactivamente, e temos uma taxa”.
Assim, enquanto que os “impostos são prestações pecuniárias, coactivas, unilaterais e definitivas, sem carácter de sanção, exigidas a detentores de capacidade contributiva por entes que exercem funções públicas, com vista à realização destas”, nas taxas, “à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos especialmente dirigida ao respectivo obrigado, actividade esta que se há-de concretizar na prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares” (veja-se José Casalta Nabais, in “Contratos Fiscais”, Coimbra, 1994, pág. 236).
Quando a actividade do Estado ou de outro ente público pela qual se exige ao particular o pagamento de uma certa quantia se traduz na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, só se está perante uma taxa se essa remoção possibilitar a utilização individualizada e efectiva de um bem semi-público. Se tal não acontecer, a quantia a pagar terá a natureza de um imposto (cf. Teixeira Ribeiro, in Revista de Legislação e de Jurisprudência,, citada, pág. 292).
A menos que se entenda que se está perante a figura das contribuições especiais que, como se referiu, devem ser tratadas como impostos quer sejam contribuições de melhoria (imposições instituídas com o fundamento económico-financeiro de tributar os aumentos de valor dos bens dos contribuintes imputáveis a obras financiadas pelos entes públicos e para o qual os devedores em nada contribuíram), quer contribuições para maiores despesas (encargos destinados a obrigar os respectivos devedores a contribuir para as maiores despesas públicas imputáveis às suas actividades económicas). Estas contribuições especiais determinadas por maiores despesas públicas ou por aumentos de valor resultantes de investimentos públicos são, no entender de Nuno Sá Gomes (in “Alguns Aspectos Jurídicos e Económicos Controversos da Sobretributação Imobiliária no Sistema Fiscal Português”, Ciência e Técnica Fiscal, Abril-Junho 1997, nº 387, pág.67) ”impostos preponderantemente locais”.
Tem, portanto, de se concluir que, para preencher o conceito de taxa, tem de existir uma contraprestação, que nem sempre pode significar para o particular o gozo de uma vantagem ou benefício nem tem que constituir o exacto correspectivo económico de um serviço ou de uma actividade da Administração. Assim, “a sinalagmaticidade que subjaz ao conceito de taxa não se alcança com qualquer prestação por parte do Estado: se esta não tem que representar sempre um benefício ou vantagem, e se não tem que existir uma exacta equivalência económica entre o pagamento do particular e a acção individualizada do Estado, a contraprestação há-de, pelo menos, apresentar uma natureza material ... deverá ser possível identificar na esfera do cidadão o uso de um bem semi-público” (P. Pitta e Cunha/J. Xavier de Bastos/A. Lobo Xavier, 'Conceitos de Taxa e Imposto”, in revista Fisco, 51/52, pág.6).
7. – No caso em apreço, a Câmara Municipal de Sintra liquidou ao recorrido, proprietário de um posto de abastecimento de carburante, a taxa de Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água, de acordo com o nº
5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal, nos termos do qual são taxadas as bombas de carburantes líquidos “instaladas inteiramente em propriedade particular com abastecimento no interior da propriedade”.
Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública.
Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os actos relativos ao abastecimento e actividades complementares
(como vem provado nos autos – ponto 3), a actividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semi-públicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações.
Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada.
Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).»
5. Para o acórdão recorrido, a norma agora em causa não ofende a Constituição. Com efeito, e conforme se entendeu, ainda que totalmente em domínio privado, as «instalações de abastecimento de combustíveis líquidos constituem um factor de potencial desgaste ambiental e de risco de uma vida humana sadia a ecologicamente equilibrada. E, mesmo no que concerne a bombas de ar ou água, não deixam de existir factores incidentes sobre o ambiente, como os derivados do ruído de compressores e de infiltrações ou gasto inútil de um líquido essencial à vida e que, mais e mais, deve ser preservado e racionalmente gerido. Perante esses factores não pode, de todo, ser assumida uma postura de indiferença, designadamente por parte da administração, sobre a qual até impende um dever - constitucionalmente consagrado, aliás (parte final do nº do artigo
66º da Lei Fundamental) - de defesa do ambiente.
Assim, para uma tal defesa, imposta pelo dever a que acima se aludiu, torna-se evidente a necessidade de, num juízo de normalidade, ter de ser levada a efeito toda uma corte de actividades, diligências e prestação de serviços por parte da edilidade, e que, quanto a esses casos, não seria, nos locais onde estão sediadas as instalações abastecedoras, prosseguida se não fora a actividade dos particulares que, dela, retiram réditos económicos.
Ou seja, a utilidade económica que os recorrentes retiram da sua actividade – mesmo que instalada em domínio privado e com abastecimento realizado, igualmente, em propriedade privada – é feita, não só com um correlativo dispêndio de recursos naturais, como constitui essa actividade um factor de risco ambiental, que demanda a prossecução de serviços autárquicos com vista a assegurar que daquela actividade não resultem danos que ponham em perigo a vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, analisando e inspeccionando tais instalações, e, quiçá, realizando obras, serviços, projectos, etc., para minorar o indicado factor. Neste enquadramento, pode-se afirmar que há um desenvolvimento de actividade sobre as instalações sobre que nos debruçamos e por via do qual pode ser exigido, pelo município, uma contrapartida tal como as taxas neste particular analisadas. E, justamente porque nelas não há ocupação de espaço do domínio público, é que os montantes das «taxas» exigidas são de menor valor do que os referentes às instalações que tal espaço ocupam, sendo que a estas igualmente são totalmente aplicáveis as considerações que, relativamente às primeiras, se têm vindo a fazer. Vale isto por dizer que se não vislumbra, num e noutro dos casos, a carência de sinalagma e, consequentemente, a violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição na versão decorrente da Revisão Constitucional de
1982.
6. Finalmente, anote-se que - atingida que foi a conclusão de que os tributos em causa, por representarem um «preço» (tomada esta asserção no sentido de uma contrapartida), quer da ocupação do espaço do domínio público, quer das actividades, diligências ou serviços a prestar pela edilidade e, consequentemente, não se poder deixar de surpreender uma sinalagmaticidade na respectiva imposição - não se lobriga em que medida é que essa imposição possa colidir com o direito à iniciativa privada postulado no nº 2 do artigo 61º da Constituição. De facto, é da previsão daquela iniciativa privada que resulta o estabelecimento privado das instalações de abastecimento de carburantes líquidos, ar e água e do qual advêm réditos económicos para os respectivos exploradores ou proprietários, sendo que é por causa delas que se mostra ocupado o espaço do domínio público e são criados factores de risco ambiental, circunstâncias que, atento o que acima se expôs, justificam a imposição tributária em causa».
6. O Tribunal Constitucional decide a contradição verificada aderindo ao juízo de inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 515/2000, cujos termos e fundamentação reitera.
Assim, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20 de Outubro de 1989 pela Assembleia Municipal de Sintra, por violação do artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, na versão resultante da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho; b) Em consequência, conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte correspondente.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues (com declaração anexa) Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão (vencido, pelas razões constantes do Acórdão nº 329/2003 que, aliás, subscrevi e cujo entendimento continuo a perfilhar) Bravo Serra (vencido - Confirmaria o juízo decisório constante do acórdão recorrido) Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 - Votei a decisão, sem embargo de não aderir a algumas considerações feitas no acórdão e que de seguida se abordarão.
2 - Na verdade, ao contrário do aí sustentado, entendemos que a simples remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares pode consubstanciar uma prestação pública sinalagmática do pagamento de uma taxa, sem ser necessário que essa remoção “vise possibilitar uma utilização individualizada e efectiva de um bem público”. Ponto é que o obstáculo cuja remoção é feita mediante o pagamento da taxa não tenha sido construído pelo legislador precisamente como simples oportunidade para a cobrança de um tal tributo, mas que corresponda antes a uma forma de satisfação de necessidades públicas, com o que será já em tal sentido um bem público. Tendo a Constituição assumido como conceito de taxa aquele que a doutrina e a jurisprudência fiscalistas construíram não pode arredar-se, por mor do princípio da constitucionalidade, a noção de taxa assumida pelo n.º 2 do art. 4º da Lei Geral Tributária, pois que ela corresponde a uma das acepções doutrinaria e jurisprudencialmente defendidas (Para maiores desenvolvimentos, veja-se o nosso voto de vencido aposto no Acórdão n.º 34/04, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudência).
3 - Por outro lado, também não aderimos à tese acolhida no acórdão de que a prestação semipública ou pública tenha de ter natureza material, bem podendo corporizar-se em bens imateriais que satisfaçam necessidades susceptíveis de serem individualizadas.
Como não aceitamos que essa prestação semipública ou pública tenha de traduzir-se na fruição de um bem público ou semipúblico singelo e não, também, na fruição de um complexo de bens semipúblicos ou públicos, desde que esses bens sejam destrinçáveis e susceptíveis de satisfazer necessidades individualizadas. Claramente que estão fora desse âmbito aqueles bens complexos que satisfazem necessidades insusceptíveis de individualização que satisfazem necessidades passivas de todos os cidadãos.
4 - Ora, é precisamente por entendermos que a fruição dos bens, que são identificados no acórdão recorrido como justificando em parte a cobrança da taxa, dão satisfação a uma necessidade puramente passiva de todos os cidadãos, como é a defesa do ambiente e da prevenção dos riscos que ponham em perigo a vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, que não lobrigamos que haja, em tal caso, uma utilização de bens que satisfaça necessidades individualizadas. A situação é completamente diferente daquela outra em que o ambiente susceptível de utilização publicitária é fruído, quer em termos materiais, quer em termos intensivos, de modo absolutamente indiferente por parte do agente publicitário e por banda do consumidor publicitário, sendo certo que, mesmo nesta situação, a maioria do Tribunal Constitucional não tem aceite como existindo aqui um bem susceptível de ser utilizado na satisfação de necessidades individualizadas
(cfr. a resenha de jurisprudência identificada no referido Acórdão n.º 34/04).
Benjamim Rodrigues