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Proc. n.º 707/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alíneas a) e b) da LTC, do despacho de fls. 191 a
194, esclarecido pelo despacho de fls. 204 a 206.
No requerimento de interposição de recurso, disse o recorrente que na decisão impugnada foi feita aplicação da norma do artigo 56º n.º 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) com sentido e alcance inconstitucionais e desaplicada a norma do artigo 680º n.º 2 do CPC com fundamento na sua inconstitucionalidade,
No que se refere à primeira norma, o recorrente explicitou no mesmo requerimento que ela foi aplicada com o sentido de não caber recurso para o STJ mesmo por quem não seja parte na causa, mas seja directamente prejudicado pela decisão nos termos do artigo 680º n.º 2 do CPC, interpretação que violaria o disposto nos artigos 13º e 20º n.ºs 1 e 4 da Constituição.
No que concerne à segunda norma, cuja suposta desaplicação com fundamento em inconstitucionalidade justifica o recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC, refere o recorrente que se trata de uma desaplicação implícita uma vez que a decisão recorrida terá optado pela aplicação da norma arguida de inconstitucional, considerando-a conforme às normas e aos princípios dados como violados e desaplicando a do artº 680º n.º 2 do CPC, com fundamento em que o artigo 20º da Constituição se basta, em princípio, com uma instância única e que a Constituição não distingue entre decisões de mérito e decisões de outra natureza.
Cumpre decidir.
2 - Resulta dos autos:
No processo especial de recuperação de empresa instaurado pelo banco B. em que é requerida C. e que corre termos no Tribunal Judicial de Aveiro foi proferida decisão homologatória da deliberação da assembleia de credores que aprovou medida de recuperação proposta pelo Gestor Judicial.
Desta decisão recorreu para a Relação de Coimbra, A., na qualidade de accionista da aludida empresa, com invocação do disposto no artigo 680º n.º 2 do CPC.
Por despacho do Relator, naquele Tribunal, entendeu-se que o recorrente carecia de legitimidade para interpor recurso e decidiu-se não conhecer do objecto do recurso.
O recorrente reclamou para a conferência, nos termos do artigo 700º n.º 3 do CPC.
Por acórdão de 28/11/00 (fls. 1309 a 1313, a Relação de Coimbra confirmou o despacho reclamado, considerando, no que se refere à legitimidade para o recurso, que da decisão recorrida não resultava para o recorrente qualquer prejuízo directo e efectivo, não se verificando, assim, os pressupostos do artigo 680º n.º 2 do CPC.
Pediu o recorrente a reforma do acórdão, o que veio a ser indeferido por acórdão de 20/03/2001 (fls. 1368 a 1370 v.).
Seguidamente o recorrente arguiu nulidades processuais, tendo o respectivo requerimento sido indeferido por acórdão de 12/03/02 (fls. 1498 a
1513).
Dos acórdãos de 20/03/2001 e de 12/03/2002 veio o recorrente recorrer para o Tribunal Constitucional, recursos esses que mereceram decisão sumária, de 06/01/03, não reclamada, nos termos da qual, relativamente ao primeiro recurso, não se conheceu do seu objecto, salientando-se aqui que, quanto á norma do artigo 680º n.º 2 do CPC, se entendeu não estar em causa qualquer interpretação normativa mas a própria decisão recorrida e, relativamente ao segundo, não se conheceu do objecto do recurso quanto a duas das normas questionadas (artigos 201º n.º 1 do CPC e 16º do Código das Custas Judiciais) e julgou-se manifestamente infundada a questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo 229º-A do CPC.
O recorrente recorreu, então, para o STJ em 21/01/03, dos aludidos acórdãos da Relação de Coimbra.
O recurso não foi admitido por despacho do relator de 25/03/03 nos seguintes termos:
- recurso do acórdão de 28/11/00, por irrecorribilidade da decisão, nos termos do artigo 56º n.º 2 do CPEREF;
- recurso do acórdão de 20/03/01, por irrecorribilidade da decisão, nos termos dos artigos 670º n.º 2 e 716º do CVPC;
- recurso do acórdão de 12/03/02, por, não sendo admissível recurso do primeiro, também o não ser de decisões meramente circunstanciais relativamente à decisão que julgou fiundo o recurso de apelação.
Deste despacho reclamou o recorrente para o Presidente do STJ, em
10/04/03.
Por despacho de 23/06/03, o Vice-Presidente do STJ indeferiu em parte a reclamação, confirmando o despacho reclamado quanto aos recursos dos acórdãos de 28/11/00 e 20/03/01.
No que respeita ao primeiro, com o fundamento no disposto no artigo
56º n.º 2 do CPEREF, explicitando-se que a Relação funciona no caso como tribunal de revista por apenas conhecer da matéria de direito e considerando descabida a invocação do artigo 680º n.º 2 do CPC 'por este artigo só ser invocável, além do mais, se a decisão admitir recurso que como já se viu, não admite (...)'.
No que concerne ao segundo recurso, com fundamento no disposto no artigo 670º n.º 2 do CPC, não se verificando, no caso, a situação prevista no n.º 4 do mesmo preceito legal (alteração da decisão por via da reforma).
O recorrente veio, depois, pedir o esclarecimento desta decisão.
Por despacho de 3/10/03, o Vice-Presidente do STJ veio aclarar a sua anterior decisão, dizendo em síntese que:
- a expressão 'funcionando esta como tribunal de revista' foi utilizada no desenvolvimento do preceito do n.º 2 do artigo 56º n.º 2 do CPEREF, no sentido de que o recurso para a Relação é restrito à matéria de direito;
- a referência ao facto de ser descabida a invocação do disposto no artigo 680º n.º 2 do CPC assenta na conclusão tirada sobre a interpretação do artigo 56º n.º 2 do CPEREF, no sentido de que não admite recurso para o STJ e que, não sendo o recurso admissível, 'pouco importa que se trate de partes principais ou acessórias, ou de pessoas directa e efectivamente prejudicadas.';
- a interpretação do artigo 20º n.ºs 1 e 4 da CRP é aquela que tem sido feita pela Tribunal Constitucional no sentido de que não resulta da Constituição, fora do Direito Penal, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais, nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, não distinguindo a Constituição entre as decisões de mérito e as decisões de outra natureza.
É, assim, do despacho de 23/06/2003, aclarado pelo despacho de
3/10/03, ambos da autoria do Vice-Presidente do STJ que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade.
3 - É manifesto que a decisão em causa não desaplica o artigo 680º n.º 2 do CPC, com fundamento em inconstitucionalidade.
Não o faz expressamente como resulta da letra do mesmo despacho.
E também o não faz implicitamente, pois, não se vê que equacione duas interpretações possíveis da norma contida naquele preceito, adoptando uma delas, por a outra ser contrária à Constituição.
O que se deixa perceber da decisão é que a norma do artigo 680º n.º
2 do CPC não ofende a Constituição, o que não significa que a mesma norma, com outra interpretação, o não fosse também.
Por outras palavras, não se retira da interpretação feita que a interpretação pretendida pelo recorrente - no essencial que a norma do artigo
680º n.º 2 do CPC é suporte bastante para se recorrer de decisões que, sendo irrecorríveis, afectam pela primeira vez quem não é parte na causa - tenha sido afastada por inconstitucionalidade.
Em suma, não se verificando recusa de aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, não se conhece do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC.
4 - Do despacho recorrido extrai-se que a norma do artigo 56º n.º 2 do CPEREF foi interpretada no sentido de que a decisão proferida, pela relação, em recurso de sentença homologatória de deliberação de credores não é recorrível para o STJ, independentemente de o recurso para o STJ ter sido interposto de decisão de mérito ou de outra natureza e por quem se arroga da posição de terceiro prejudicado pela mesma decisão.
Contra esta interpretação normativa se insurge o recorrente, considerando violados o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e o direito de acesso aos tribunais (artigo 20º da CRP.
Ora, antes do mais, importa realçar que o recorrente, que não era parte na causa, impugnou a decisão de 1ª instância para a relação, desde logo com a invocação do artigo 680º n.º 2 do CPC.
Na relação, o recorrente obtém uma decisão de não conhecimento do recurso com fundamento no facto de ele não ser directa e efectivamente prejudicado pela decisão.
E é desta decisão, relativa a um pressuposto processual do recurso - legitimidade para recorrer - que o recorrente pretendeu recorrer para o STJ, ainda ao abrigo do artigo 680º n.º 2 do CPC.
A confirmação da não admissão deste recurso pelo despacho do Vice-Presidente do STJ, ora impugnado, já não assentou (tal como o despacho reclamado) no disposto no artigo 680º n.º 2 do CPC, mas na irrecorribilidade da decisão da Relação nos termos do artigo 56º n.º 2 do CPEREF - na lógica do despacho recorrido, sendo irrecorrível o acórdão da relação, tornava-se descabida a invocação da qualidade de terceiro directa e efectivamente prejudicado, questão sobre a qual o despacho em causa não profere, consequentemente, qualquer juízo.
Mas o que importa salientar é que o recorrente pretende um 2º grau de jurisdição para reexame da decisão jurisidicional que lhe não reconheceu legitimidade para recorrer ao abrigo do artigo 680º n.º 2 do STJ.
A pretensa inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa, tendo como parâmetro o direito de acesso aos tribunais e a garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses lesados, supõe, assim, que a Constituição garanta em processo não penal um duplo grau de jurisdição ou que, no mínimo, sempre o deva garantir quando está em causa uma decisão que não conheça do mérito da questão.
Mas a verdade é que, conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal, o duplo grau de jurisdição não está garantido pela Constituição, com ressalva do disposto no artigo 32º n.º 1 que se reporta ao processo penal.
Cita-se, por todos, o Acórdão n.º 132/01, de 27 de Março de 2001, onde se cita jurisprudência em idêntico sentido e em que era recorrente o mesmo que interpôs o presente recurso.
De igual modo, é jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que o direito de acesso aos tribunais e à tutela efectiva dos direitos e interesses dos cidadãos não postula uma decisão de mérito.
Cita-se, a propósito, o que se escreveu ainda no mesmo Acórdão n.º
132/01:
'E isto é assim independentemente das razões que determinam o insucesso da pretensão, sejam de ordem processual, ou outras, sem necessidade de apurar qual a qualificação dogmática adequada do fundamento que, no caso, conduziu ao indeferimento da providência requerida.
Com efeito, o direito de acesso à justiça como os que vêm consignados nos nºs 4 e 5 do artigo 20º da CRP não conferem o direito a uma “decisão de mérito”, suposto que ela não tenha sido proferida no caso, em contrário do que o acórdão da Relação de Coimbra expressamente refere, ao qualificar a decisão de 1ª instância por ele confirmada como um “julgamento antecipado de mérito” e sendo certo que se não pode fazer equivaler – como o recorrente pretende - a uma
“denegação de justiça” uma decisão que não julgue de mérito.
Aqueles direitos constitucionais não vinculam a que, seja qual for a conduta processual da parte, se profira sempre uma decisão sobre o mérito da causa (e ainda que no meio processual utilizado se vise a tutela de hipotéticos direitos fundamentais) e se faculte, enquanto ela não for proferida, o recurso até à mais alta instância dos tribunais judiciais, continuando aqui a existir a “razoável margem de liberdade” do legislador na definição dos graus de recurso admissíveis.'
5 - Pretende ainda o recorrente que a norma do artigo 56º n.º 2 do CPEREF, com a aludida interpretação, ofende o princípio da igualdade.
E isto fundamentalmente porque aquele que só intervém na defesa dos seus direitos em 2ª instância não dispõe, diferentemente dos interessados que puderam defender os seus direitos em 1ª instância, de um segundo grau de jurisdição.
Na lógica desta argumentação seguir-se-ia que, em todos os casos em que uma decisão judicial prejudicasse terceiros (os que não tivessem sido parte na causa) a Constituição imporia que, para estes, se abrisse sempre um grau de recurso, mesmo que tal decisão fosse irrecorrível.
A verdade é que, sem necessidade de outras considerações, a tese defendida pelo recorrente - que decorreria do princípio da igualdade - esbarra com uma objecção inultrapassável.
Com efeito, a questão da igualdade só se poderia colocar se a lei tratasse de modo diverso situações substancialmente iguais; ou seja, no caso, se, arbitrariamente, a lei privasse algum ou alguns dos terceiros do direito de recorrer.
Mas não é o que se passa.
Na verdade, no processo em causa, são partes os credores da empresa e a própria empresa, esta com uma individualidade jurídica própria, distinta da dos seus sócios.
Os sócios, como terceiros relativamente ao processo de recuperação da empresa, estão, assim, colocados face ao processo, e perante aqueles que a lei admite como partes, em situação substancialmente diversa.
Não pode - e desde logo por esta simples razão - considerar-se infringido o princípio da igualdade quando, com a modelação de um regime de recursos para uma determinada realidade - para cuja regulação a lei toma como partes interessadas determinados sujeitos - se sujeitam terceiros a essa mesma modelação, do que fatalmente poderá resultar a irrecorribilidade da decisão para os (terceiros) que só intervêm na instância em que aquela foi proferida.
A questão de constitucionalidade é, deste modo - e também aqui - manifestamente infundada.
6 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC:
b) Negar provimento ao recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, por se tratar de questões de constitucionalidade manifestamente infundadas.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 Ucs.'
Notificado desta decisão, o recorrente dela vem reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 78º-A n.º 3 da LTC.
Na sua resposta, a recorrida D. e o Ministério Público sustentam que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
2 - Os fundamentos da reclamação são, em síntese, os seguintes:
a) O relator deveria ter ouvido o recorrente antes da prolação da decisão sumária reclamada, nos termos do artigo 704º n.º 1 do CPC, aplicável por força do artigo 69º da LTC. Só depois de cumprida tal formalidade o recorrente poderá expor as razões que impõem o conhecimento do objecto do recurso.
b) Admitido o recurso para o Tribunal Constitucional pelo Presidente do STJ, já o mesmo não pode já ser julgado manifestamente infundado.
c) É incongruente julgar o recurso manifestamente infundado quando se faz uma apreciação circunstanciada dos fundamentos expostos no requerimento de interposição do recurso, o que gera a nulidade da decisão reclamada por força do disposto no artigo 668º n.º 1 alínea c) do CPC.
d) O despacho recorrido recusa a aplicação do artigo 680º n.º 2 do CPC, interpretado este preceito como consignando o direito de acção previsto no artigo 2º n.º 2 do CPC.
e) A dimensão normativa do artigo 56º n.º 2 do CPEREF viola a garantia constitucional de igualdade processual na concessão de um direito a um
2º grau de jurisdição.
f) Impunha-se conhecer da questão de saber se é constitucional a norma que impede a impugnação judicial de decisão judicial que homologa a deliberação de credores visando a extinção de acção representativas do capital social da requerida, nos próprios autos em que ela foi proferida, por um dos accionistas lesados. Não o tendo feito a decisão sumária reclamada enferma do vício da 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.
3 - É certo que, nos termos do artigo 69º da LTC, as normas do Código de Processo Civil, em especial as que regulam o recurso de apelação são subsidiariamente aplicáveis à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional.
Isto não significa que aos meios processuais típicos do recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta, regulados na LTC, devam ser aplicáveis as regras do CPC que disciplinem meios que revelem algum paralelismo com aqueles.
Há, de facto, esse paralelismo entre a decisão sumária, regulada no artigo 78º-A da LTC, que permite o julgamento pelo relator de recursos manifestamente infundados e o não conhecimento do objecto do recurso quando este careça dos devidos pressupostos e os julgamentos previstos no artigo 700º n.º 1 alíneas e) e g) do CPC.
Quanto a estes últimos, verifica-se que, enquanto o julgamento de não conhecimento do objecto do recurso deve ser precedido de audição das partes nos termos do artigo 704º n.º 1 do CPC, já quanto ao julgamento previsto no artigo
705º não é exigível essa audição.
A decisão sumária prevista na LTC tem porém um tratamento unitário para as duas situações, não se impondo, em qualquer caso, a audição prévia das partes.
E nada obsta a que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, regule de modo diverso meios processuais paralelos, desde que assegurados os direitos fundamentais das partes, particularmente os direitos ao contraditório e a um processo equitativo.
Não mais do que isso visa, no CPC, a audição prévia das partes, em caso de não conhecimento do objecto do recurso.
É outra a forma de visar o mesmo fim que ficou estabelecida na LTC. E ela é a de proporcionar ao recorrente a reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do citado artigo 78º-A, permitindo a exposição de razões que, no entendimento do recorrente, deveriam conduzir ao conhecimento do objecto do recurso ou contrariam a decisão de considerar a questão controvertida como simples ou manifestamente infundada.
É esta a jurisprudência firmada por este Tribunal quando confrontado com a questão da suposta violação do contraditório pela específica tramitação da decisão sumária na LTC, como se vê, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 80/99,
550/99, 567/99, 223/01 e 265/02.
Improcede, pois, a alegada nulidade da decisão reclamada.
4 - Não tem o recorrente qualquer razão quando alega que a admissão do recurso no tribunal 'a quo' impede que o Tribunal Constitucional julgue o recurso manifestamente infundado.
Como claramente resulta da letra do artigo 76º n.º 3 da LTC, aquela admissão do recurso não vincula, em qualquer circunstância, o poder do Tribunal Constitucional sobre a matéria que poderia ter constituído motivo de inadmissibilidade do recurso.
Improcede, assim, também este fundamento da reclamação.
5 - Não tem ainda razão o reclamante quando argui a incongruência da decisão sumária com o fundamento de nela se ter feito uma apreciação circunstanciada dos fundamentos expostos no requerimento de interposição do recurso, o que, segundo o reclamante, é contraditório com o juízo de a questão a decidir ser manifestamente infundada.
Com efeito, a manifesta falta de fundamento da questão de constitucionalidade a decidir resulta, naquela decisão, do facto de a inexistência de um duplo grau de jurisdição, em matéria não penal (no caso, nos termos do artigo 56º n.º 2 do CPEREF, relativamente a terceiros) não pôr em causa o direito de acesso aos tribunais nem a garantia de tutela jurisidicional efectiva dos direitos e interesses violados, como reiteradamente o Tribunal vem decidindo, citando-se, a propósito, o Acórdão n.º 132/01.
E também se citou o mesmo acórdão para se sustentar a irrelevância do facto de a decisão irrecorrível não ser de mérito.
Tudo, portanto, numa linha jurisprudencial que claramente afastava qualquer hipótese de provimento do recurso, o que permite o entendimento de se tratar de questão manifestamente infundada para efeitos do disposto no artigo 78º-A n.º 1 da LTC.
Como também o permite a circunstância de, questionando-se a violação do princípio da igualdade, se salientar, num breve parágrafo, a óbvia diversidade de situações em que se encontram as partes no processo de recuperação de empresas e os terceiros que se dizem afectados pela decisão.
6 - Não aduz o reclamante qualquer argumentação consistente contra o decidido no sentido de que o despacho recorrido não recusou a aplicação do disposto no artigo 680º n.º 2 do CPC, com fundamento em inconstitucionalidade, uma vez que, nesta parte, o recurso vinha interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC.
Basta, para reconhecer o acerto da decisão reclamada, transcrever o que se disse no despacho recorrido sobre a invocação daquele preceito do CPC:
'A invocação do artº 680º n.º 2 do CPC é descabida, por este artigo só ser invocável, além do mais, se a decisão admitir recurso que, como já se viu, não admite, nos termos do citado artº 56º n.º 2 do CPEREF'.
Não se vê aqui recusa, explícita ou implícita, de aplicação da norma do artigo
680º n.º 2 do CPC com fundamento em qualquer inconstitucionalidade.
7 - Invoca por último o reclamante uma suposta omissão de pronúncia por a decisão reclamada não ter conhecido da questão supra enunciada em 2 f).
Sobre esta alegação cumpre assinalar que, quer na reclamação para o Presidente do STJ, quer no recurso para este Tribunal, a questão da constitucionalidade da norma do artigo 56º n.º 2 do CPEREF é colocada no plano da irrecorribilidade da decisão da Relação para terceiros, acentuando-se, apenas, o tipo de julgamento
(de natureza adjectiva) que nela é feito.
Nas referidas peças processuais a questão substancial que o ora reclamante pretendeu discutir em sede de recurso para a Relação - rejeitado por ilegitimidade - não integra a questão de constitucionalidade suscitada.
Por outras palavras e tal como se deixou já entender, o recorrente questionava apenas a constitucionalidade da referida norma interpretada no sentido de que ela veda o recurso para o STJ também a terceiros que unicamente intervêm na 2ª instância e mesmo que a decisão de que se pretende recorrer não seja de mérito.
E foi assim que a decisão sumária reclamada julgou a questão, sendo certo que o fez em termos 'radicais', ou seja, não tendo como relevante o tipo de questão substancial que o recorrente tivesse pretendido sujeitar ao conhecimento da Relação e que esta não houvesse apreciado por ilegitimidade do impugnante.
O Tribunal conheceu, pois, da questão que devia conhecer, pelo que se não verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
8 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 16 Ucs.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida