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Proc. N.º 355/03
1.ª Secção Relator: Cons. Moura Ramos
I - A CAUSA
1. A., deduziu, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC), recurso contencioso de anulação de um acto administrativo de indeferimento praticado pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, relativamente a um pedido que o recorrente (Major de Engenharia na situação de reforma) formulara no sentido de lhe ser contado, para o cálculo da respectiva pensão de reforma, o tempo em que permanecera na situação de reserva fora da efectividade de serviço.
Fundou o recorrente a sua pretensão no disposto no artigo 44.º, n.º 3 do D.L. n.º 236/99, de 25 de Junho, que aprovou o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (adiante designado EMFAR/99), norma que prevê “para efeito do cálculo da pensão de reforma” a contagem do “tempo de permanência do militar na reserva fora da efectividade de serviço”, sendo que, não obstante o recorrente se ter reformado em data anterior à entrada em vigor do EMFAR/99, considera ser-lhe aplicável tal disposição, também em função do princípio constitucional da igualdade (v.fl. 31, 35 e v.º e conclusão 21.ª de fls.38).
O TAC (decisão de fls.57/72), entendeu não verificados os vícios imputados ao acto impugnado, designadamente a violação do princípio da igualdade, julgando o recurso improcedente. A reter na argumentação do TAC a afirmação de que o artigo
44.º, n.º 3 do EMFAR/99, não se aplica retroactivamente, contrariamente ao defendido pelo impugnante.
Inconformado interpôs o recorrente novo recurso, desta feita para o Tribunal Central Administrativo (TCA), reeditando a alegação de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, decorrente da não aplicação retroactiva do disposto no citado artigo 44.º, n.º 3, à situação do recorrente.
Tal pretensão viria de novo a ser negada considerando o TCA (Acórdão de fls.
103/113) que, em função dos artigos 12.º, n.º 1, do Código Civil e 43º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação (D.L. n.º 498/72, de 9 de Dezembro, adiante designado EA), o artigo 44.º, n.º 3 do EMFAR/99, não é aplicável ao caso do recorrente.
1.1. Desta decisão, invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (adiante designada LTC) foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, indicando o recorrente, quando convidado nos termos do artigo 75-A da LTC, que as normas cuja inconstitucionalidade suscitou foram os “n.os 3 e 4 do artigo 44.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo D.L. n.º 236/99, de 25 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto”, por violação do princípio constitucional da igualdade (fl. 129).
Neste Tribunal produziram as partes alegações, concluindo o recorrente o seguinte:
“1.ª o douto Acórdão recorrido considera não ser aplicável ao recorrente o estatuído nos nºs. 3 e 4 do art.º 44.º do EMFAR/99.
2.ª para o recorrente esta interpretação viola o princípio da igualdade por estabelecer, para situações essencialmente iguais, uma diferenciação de tratamento inadequado, desproporcionado e, no fim de contas, arbitrário.
3.ª Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3 do CC).
4.ª In casu, dispondo a lei directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo-se dos factos que lhes deram origem, abarcará as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor (conforme se determina no n.º 2 segunda parte do art.º 12.º do CC), até porque, o legislador quis dar tratamento igual a situações juridicamente idênticas o que se mostra justificado.
5.ª Postula o TC uma ideia de protecção de confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas.
6.ª Ora, o próprio legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34-A/90 anunciou o propósito de não consagrar soluções que trouxessem a estes militares (antecipada e compulsivamente reformados), prejuízos de natureza pecuniária, designadamente, no que toca à pensão de reforma.
7.ª Apesar do tempo na reserva fora do serviço efectivo ser considerado, pelo tribunal a quo, tempo de serviço e de o recorrente ter descontado
(obrigatoriamente) quota para a Caixa sob a remuneração que auferiu nessa situação, não vê relevar, para o cálculo da sua pensão de reforma, esses descontos.
8.ª O entendimento do recorrente, relativamente à interpretação a dar ao n.º 3 e
4 do art.º 44.º do EMFAR/99, não é susceptível de provocar qualquer colisão com o estabelecido no EA atenta a norma de salvaguarda estabelecida no seu art.º
43.º, n.º 2 e no art.º 13.º da CRP.
9.ª À data em que o recorrente foi reformado já o art.º 126.º do EMFAR/90 e o n.º 1 al. A) do art.º 26.º do EA determinavam a contagem para a reforma do tempo em razão do qual era atribuída remuneração, ainda que não correspondesse a serviço efectivo.
10.ª O art.º 37.º do EA estatui que o tempo de serviço releva para a reforma até ao limite de 36 anos de serviço.
11.ª Em suma na mens legislatoris, propulsora da nova regulamentação do EMFAR/99, sempre esteve presente o pressuposto da relevância do tempo de reserva fora da efectividade de serviço, para efeito do cálculo da pensão de reforma.
12.ª Para o distinto Conselheiro do STA Dr. B. esta é a solução que melhor se harmoniza com o sistema normativo do EA e do EMFAR.
13.ª De resto vejam-se as situações previstas no art.º 188.º do EMFAR/90 (art.º
183.º do EMFAR/99), as situações de tempo sem serviço dos militares que estiveram afastados do serviço (art.º 115.º do EA), as situações de licença sem vencimento do funcionalismo público, de disponibilidade dos diplomatas, entre muitas outras situações que ocorrem na Administração Pública.
14.ª O arbítrio reside precisamente na falta de justificação racional da desigualdade de disciplinas normativas.
15.ª O princípio da igualdade e do Estado de Direito Democrático impunha que a interpretação vazada no Acórdão recorrido, considerasse o designado “novo” regime também aplicável à contagem do tempo com descontos (efectuado na reserva fora do serviço efectivo), dos militares que à data da entrada em vigor do EMFAR/99 já estavam (antecipada e compulsivamente) reformados e não apenas aos que, por mero acaso, foram reformados – também antecipada e compulsivamente – após a entrada em vigor do EMFAR/99 (é que todos eles já faziam parte dos Quadros Permanentes das Forças Armadas quando o EMFAR/90 e a Lei n.º 15/92 foram publicados).
16.ª Porque num e noutro caso não houve contributo de qualquer acto de vontade por parte dos visados para a sua situação (de reforma), não pode aqui ser considerado o douto Acórdão do TC nº 580/99, de 20-10-99.
17.ª Entende o recorrente, que a colocar-se a questão no plano em que o Acórdão sob recurso a colocou, o argumento para justificar a diferença de tratamento não apresenta um fundamento racional, razoável e suficientemente justificativo do desfavor com que são tratados os militares que estiveram de reserva fora do serviço efectivo e já foram reformados, relativamente aos que, também na situação de reserva fora do serviço efectivo, são, por mero acaso, antecipadamente reformados após a entrada em vigor do EMFAR/99”.
A recorrida, Caixa Geral de Aposentações, por sua vez, pugnando pela improcedência do recurso, formulou as conclusões que se transcrevem:
“1.ª As normas dos n.ºs 3 e 4 do art.º 44.º do EMFAR/99 não violam o princípio da igualdade, quando interpretadas no sentido de que não se aplicam aos militares cuja reforma já tenha sido fixada antes da sua entrada em vigor, porque não se vislumbra qualquer diferenciação arbitrária no fenómeno, verificado quotidianamente, de uma sucessão de leis em sentido mais favorável;
2.ª A tese proposta pelo recorrente significaria uma rigidez intolerável do ordenamento jurídico, que só poderia evoluir num sentido cada vez mais favorável
à categoria considerada e sempre através de normas retroactivas;
3.ª Menos ainda se pode aceitar a tese de que a não retroactividade de uma norma representa a violação do princípio da certeza e segurança jurídica, porque não se alcança como pode um sujeito – fora de contextos concorrenciais – ser prejudicado nas suas expectativas por normas que se lhe não aplicam.”
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recorrente reporta o recurso aos nºs. 3 e 4, do artigo 44.º do EMFAR/99, na redacção a estes dada pela Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, na interpretação segundo a qual, “para o cálculo da pensão de reforma, não releva o tempo (de serviço) com descontos para a Caixa Geral de Aposentações (efectuado na situação de reserva fora do serviço efectivo) dos militares que à data da entrada em vigor do EMFAR/99, foram antecipadamente reformados” (transcrição das alegações do recorrente a fls. 135).
Com efeito, esta questão – enquanto questão de inconstitucionalidade referida a normas – foi previamente colocada ao Tribunal cuja decisão é aqui recorrida, o TCA, como se alcança do teor das alegações apresentadas pelo recorrente nesse trecho processual (v., designadamente as conclusões 19.º e seguintes de fls. 84 e v.º). Resultando, aliás, do Acórdão recorrido que esta questão, foi encarada e resolvida, embora num sentido divergente do propugnado pelo recorrente, a saber, no sentido da não aplicação retroactiva dos invocados nºs. 3 e 4, do artigo 44.º do EMFAR/99, alterado (o n.º 3) e acrescentado (o n.º 4), pelo artigo 2.º da Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto.
2.1. Para integral compreensão do problema importa sublinhar que o recorrente transitou da situação de militar no activo para a situação de militar na reserva, fora da efectividade de serviço em 1/8/1983, permanecendo nessa situação até 27/7/1992, passando então à reforma, sendo certo que o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao tempo vigente (o aprovado pelo Decreto-Lei n.º
34-A/90, de 24 de Janeiro – EMFAR/90) determinava a passagem à reforma do militar do Quadro Permanente que completasse “, seguida ou interpoladamente, nove anos de situação de reserva fora da efectividade de serviço” (artigo 175.º, alínea c) do EMFAR/90). Este último – o EMFAR/90 – não continha qualquer disposição que atribuísse relevância, para efeitos do cálculo da pensão de reforma, ao tempo de permanência do militar na situação de reserva, fora da efectividade de serviço (artigo 117.º, n.º 1 do EA, a contrario sensu). Esta situação foi, porém, alterada com a publicação do EMFAR/99 que veio estabelecer, logo na sua versão inicial, a relevância, para o efeito do cálculo da pensão de reforma, do “tempo de permanência do militar na reserva fora da efectividade do serviço” (artigo 44.º, n.º 3 do EMFAR/99).
Tal sucessão de leis no tempo, concretamente a que ocorreu com a alteração introduzida no referido artigo 44.º do EMFAR/99, pela Lei n.º 25/2000, levou o recorrente a reivindicar a contagem do tempo que permaneceu na reserva, sem prestação efectiva de serviço, através de uma aplicação retroactiva desta última versão do EMFAR/99. A este respeito defende o recorrente que a não se entender os n.ºs 3 e 4 do artigo 44.º do EMFAR/99, como abrangendo (retroactivamente) os militares que, como sucedeu com ele, já se encontravam reformados à data da entrada em vigor do EMFAR/99, estas normas adquiririam um sentido inconstitucional, porque atentatório do princípio da igualdade. A violação deste princípio – a desigualdade – ocorreria comparando a situação dos militares já reformados em 1999 e a dos que só posteriormente se reformassem, pois – e citamos o recorrente (conclusão 15.ª a fls. 134 v.º) -, “todos eles já faziam parte dos Quadros Permanentes das Forças Armadas quando o EMFAR/90 e a Lei n.º
15/92 foram publicados”.
É esta questão, a do sentido retroactivo, ou não, das normas do artigo 44.º, n.ºs 3 e 4 do EMFAR/99, enquanto exigência do princípio constitucional da igualdade, que haverá que apreciar.
2.2. Dispõe o seguinte a norma do EMFAR/99 aqui em causa, sublinhando-se que a redacção do n.º 3 e a introdução do n.º 4 (os números a que se refere o recorrente) resultou da Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto:
Artigo 44.º
(Contagem de tempo de serviço)
1 – Conta-se como tempo de serviço, no sentido de serviço prestado ao Estado, o tempo de serviço militar, acrescido do prestado no exercício de funções públicas.
2 – O tempo de serviço é contado para efeitos de cálculo da pensão de reforma e da remuneração da reserva.
3 - Releva ainda, para efeito do cálculo da pensão de reforma, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efectividade de serviço, passando o desconto de quotas para a Caixa Geral de Aposentações a incidir sobre a remuneração relevante para o cálculo da remuneração de reserva.
4 – A contagem, para efeitos do cálculo da pensão de reforma, do tempo de permanência do militar na reserva fora da efectividade de serviço, anterior à entrada em vigor do presente Estatuto, implica o pagamento das quotas para a Caixa geral de Aposentações relativas à diferença entre a remuneração de reserva auferida e a remuneração referida no número anterior.
A decisão recorrida entende, por aplicação do princípio geral do artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil (“A lei só dispõe para o futuro...”), que este artigo
44.º, na ausência de uma indicação expressa de retroactividade, não se aplica a quem, na data da entrada em vigor deste Estatuto, já se encontrava – e esse é o caso do recorrente – na situação de reforma. Tal interpretação abrange, no entender do TCA, também as alterações do EMFAR/99 (os nºs. 3 e 4 do artigo
44.º), introduzidas pela Lei n.º 25/2000, referindo-se o n.º 4 ao tempo “de permanência do militar em situação de reserva fora da efectividade de serviço, anterior ou posterior à entrada em vigor do novo EMFAR” (Acórdão recorrido a fls. 112), mas só de quem ainda não se havia reformado aquando da introdução deste regime inovador.
É esta a interpretação adoptada pela decisão recorrida, que o Tribunal Constitucional tomará como dado adquirido, cumprindo sindicar, exclusivamente, a compatibilidade das normas em causa, nesta mesma interpretação, ao princípio constitucional invocado.
2.3. Assim delimitada a questão de constitucionalidade, torna-se claro que a mesma apresenta, pese embora a diferente opinião do recorrente, grande similitude com a situação decidida pelo Acórdão n.º 580/99, deste Tribunal
(Diário da República - II Série, de 21/2/2000, págs. 3517/3519). Com efeito, neste estiveram em causa duas disposições legais (os artigos 43.º, n.º 1, alínea a) do EA, e 10.º, n.º 1 da Lei n.º 2/92, de 9 de Março) das quais resulta que o regime de aposentação é fixado com base na lei vigente no momento da prolação do despacho a reconhecer o direito à aposentação, tendo este Tribunal entendido que a sucessão de leis no tempo, e concretamente a existência passada ou futura de regimes mais favoráveis, não acarretavam ofensa do princípio da igualdade, pela circunstância de originarem regimes diversos, decorrentes dessa sucessão temporal de leis.
Neste Acórdão n.º 580/99, argumentou o Tribunal, relativamente a uma alegada violação do princípio da igualdade, nos seguintes termos:
“(...) o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano substancial, a igualdade traduz-se na especificação dos elementos constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais
[cf., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 39/88, 186/90, 187/90 e 1888/90, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. (1988), pp. 233 e segs., e 16.º vol. (1990), pp. 383 e segs. 395, e segs. E 411 e segs., respectivamente]. Contudo, no caso em apreciação, a desigualdade invocada pela recorrente não resulta de um qualquer critério considerado em si discriminatório acolhido por uma norma jurídica. Com efeito, a desigualdade no presente processo decorre, na perspectiva da recorrente da sucessão no tempo de regimes legais relativos à fixação da pensão de aposentação requerida (ou seja, do critério legal relativo
à aplicação da lei no tempo). A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência de um determinado regime que lhe é mais favorável
(e que foi aplicado a colegas de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o direito à pensão foi proferido. Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica. Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento, decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente.
9 – É verdade que não deixa de ter pertinência constitucional a dimensão da sucessão de leis no tempo. O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites á aplicação retroactiva da lei penal e da lei fiscal – que não estão em causa nos presentes autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança. Porém, tal questão já obteve resposta no presente acórdão, tendo-se concluído que as normas em apreciação não violam o princípio da confiança legítima e da boa fé. Por outro lado, refira-se que o critério de aplicação da lei no tempo acolhido pela norma contida no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Aposentação
(aplicação da lei vigente no momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito à pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos diacronicamente considerada. Com efeito, a solução que determina que a lei aplicável a um dado acto administrativo é a lei vigente no momento em que a Administração aprecia as circunstâncias do caso e define, inovatoriamente, através do acto administrativo praticado a situação do particular é uma solução racionalmente justificada, porque o momento do reconhecimento do direito é o momento central da definição da situação do particular requerente. É nesse momento que a situação é valorizada e decidida na sua dimensão fundamental (é nessa altura que se decide da existência ou não do direito, neste caso particular do direito à pensão). Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto). Um tal critério não fomenta diferenciações injustificadas nem contraria a segurança e a justiça. Assim, o argumento segundo o qual a igualdade seria violada pela possibilidade de requerentes contemporâneos, sem situações idênticas obterem despacho de reconhecimento do direito à pensão em datas diferentes (antes e depois da entrada em vigor do novo regime) não procede, porque a referida data do requerimento não constitui o momento pelo qual seja aferível a igualdade de posições perante a lei dos titulares do direito. O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida”.
Estas considerações valem inteiramente para a situação em causa nestes autos, pese embora os distintos referenciais normativos. Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (Acórdão nº 467/03, publicado no Diário da República – II Série, de 19/11/03, págs. 17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos – tal como aqui sucede – na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, “em termos diacrónicos”.
Neste caso concreto, a determinação da fronteira entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil (e como tal perfeitamente previsível), segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador.
Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para o futuro – que confirma o entendimento intuitivo de “que em todo o preceito jurídico está implícito um «de ora avante», um «daqui para o futuro»” (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra 1983, pág. 225) - apresenta-se como uma solução racional e, de qualquer forma, situada dentro da margem de liberdade concedida ao legislador.
2.4. Conclui-se, assim, que a norma em causa, na interpretação sufragada pela decisão recorrida, não viola o princípio constitucional da igualdade, da mesma forma que não viola os princípios da segurança e da confiança jurídicas, como também o entenderam expressamente os Acórdãos nºs. 580/99 e 467/03, já citados anteriormente.
Não colhendo a argumentação do recorrente, resta confirmar a decisão impugnada.
III – DECISÃO
3. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o disposto nos nºs. 3 e 4, do artigo 44.º do EMFAR/99 (Decreto-Lei nº 236/99, de
25 de Junho), na redacção neste introduzida pelo artigo 2.º, da Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, negando, em consequência, provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito
Artur Maurício
Luís Nunes de Almeida