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Proc. n.º 23/04 - 1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.1. A., B. e C., requereram na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo a suspensão da eficácia do despacho n.º 2816-B/2003 emitido em 11FEV2003 pelo Secretário de Estado das Obras Públicas que declarou a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação de, entre outras, as parcelas números 25,
28 e 30 de que são proprietários os requerentes, destinadas à construção do sublanço da A ---- - ---- / --- - -------------.
Ainda no decorrer do processo vieram requerer, ao abrigo do artigo 80º n. 3 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), a declaração de ineficácia dos actos entretanto praticados em execução do aludido despacho.
Por acórdão de 3 de Julho de 2003 aquele alto Tribunal recusou suspender a eficácia do mencionado despacho e não conheceu do pedido de declaração de ineficácia dos actos de execução, cujo julgamento considerou prejudicado pela decisão dada ao primeiro pedido. Contra o acórdão reclamaram os requerentes, invocando omissão de pronúncia, e pedindo a reforma do aresto por conter um
“lapso manifesto”. Por acórdão de 25 de Setembro de 2003 tais pretensões foram, no entanto, desatendidas.
1.2. Além disso, pretendem interpor do aludido acórdão recurso para o Tribunal Constitucional, sob invocação da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), acusando de inconstitucionais as seguintes normas que terão sido aplicadas na decisão recorrida:
I - da alínea a) do n. 1 do artigo 76° da LPTA, quando interpretada no sentido de que a ponderação deste requisito pode ser efectuada isoladamente em relação à ponderação global das restantes alíneas do artigo. II - da alínea b) do n. 1 do artigo 76° da LPTA, quando interpretada no sentido de que a declaração de utilidade pública constitui índice desfavorável à suspensão, invertendo as regras sobre a distribuição do ónus da prova; III - do n. 1 do artigo 80° da LPTA, quando interpretada no sentido de que pode produzir os seus efeitos a norma que habilita a Administração a executar o acto suspendendo mediante a produção de uma resolução fundamentada; IV - da norma do n. 3 do artigo 80° da LPTA, quando interpretada no sentido de que a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida tem sempre como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão de eficácia do qual constitui incidente, pelo que o indeferimento do pedido, ainda que por decisão não transitada, prejudica o deferimento daquele outro pedido.
Mas o Relator não lhes admitiu o recurso por entender, em suma, que os recorrentes não haviam suscitado as questões de inconstitucionalidade durante o processo e que, quanto às referentes às normas da alínea b) do n. 1 do artigo
76° e do n. 1 do artigo 80°, ambos da LPTA, que o Tribunal não as aplicara com o sentido acusado de inconstitucional.
1.3. Os recorrentes não se conformam com este despacho e dele reclamam agora nos termos dos artigos 76º n. 4 e 77º da LTC, peticionando ao próprio Tribunal Constitucional que lhes admita o recurso.
Alegam o seguinte: I
Da possibilidade de apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade da alínea b), do número 1, do artigo 76º da LPTA, enquanto interpretada no sentido de a declaração de utilidade pública constituir, desde logo, um índice desfavorável à suspensão, invertendo as regras sobre distribuição de ónus da prova.
1º Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma resultante de uma determinada interpretação da alínea b) , do número 1, do artigo 76º da LPTA, de acordo com a qual a declaração de utilidade pública de uma expropriação constitui um índice desfavorável à suspensão, por se tratar de elemento de concretização da sua previsão.
2º Com efeito, o douto acórdão recorrido de 03/07/2003, a p. 7, considerou que a declaração de urgência da expropriação, embora “não baste para afastar automaticamente a verificação desse requisito, sempre se impondo uma análise particular do caso (...), constitui um índice desfavorável à suspensão, já que por regra o bem expropriado entre na posse do expropriante o mais rapidamente possível para aplicação do fim a que se destina” daí decorrendo que 'cabe ao requerente da suspensão convencer o tribunal de que há justas razões para entender que dessa suspensão não resultará tal grave lesão” (destaque nosso).
3º Nestes termos, fica infirmada a conclusão do acórdão de 07/10/2003, que fundamentou a retenção, segundo a qual: “o acórdão recorrido não fez aplicação da norma com esse sentido ou com outro que dele deriva ou a ele seja equivalente. Pelo contrário, interpretou a norma no sentido de que se impunha sempre uma análise particular do caso, procedeu a essa análise e decidiu em conformidade com as razões justificativas da urgência” (p. 3 do acórdão de
07/10/2003).
4º Ora, como vimos tal não aconteceu.
5º Esta interpretação não seria inconstitucional caso se saldasse na mera atribuição de relevância, aquando da ponderação judicial, à declaração de utilidade pública, como o STA indica.
6º Contudo, já o mesmo não pode dizer-se da inversão do ónus da prova sufragada pelo douto acórdão recorrido.
7º Nada na lei habilita a esse entendimento, dado que a Administração está naturalmente sujeita às regras comuns sobre distribuição de diligências de prova, constantes dos artigos 342º, número 1, do Código Civil, sendo certo que o facto em causa para o preenchimento da alínea b) , do número 1, do artigo 76º da LPTA, tem de ser por esta invocado porque lhe aproveita.
8º Contudo, foi adoptada tal interpretação, que a ser admissível, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, impondo ao particular uma probatio diabolica negativa: de inexistência de interesse público na prática do acto.
9º Esta exigência probatória é, portanto, violadora do conteúdo essencial do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, número 4, da CRP.
10º Nestes termos, esta inconstitucionalidade foi tempestivamente suscitada nos autos (cfr. artigo 36° do Requerimento de Suspensão da Eficácia do Actos Administrativos em causa).
11º Nem se alegue que a forma como a questão é agora suscitada diverge do modo como a questão da inconstitucionalidade foi colocada, pelo facto de a decisão em causa não ter considerado que a declaração de utilidade pública, emitida pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, é suficiente para a verificação da alínea b), do número 1, do artigo 76º, da LPTA, mas ter, apenas, sustentado que esta permite a inversão do ónus da prova nesta matéria, conforme foi referido supra.
12º
É que o efeito desta decisão é equivalente, quanto à sua repercussão sobre os direitos processuais dos Reclamantes cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada (e reporta-se à violação da norma constitucional) e mesmo que assim não se entendesse, o que só por absurdo e cautela de patrocínio se considera, não lhes era exigível admitir essa possibilidade.
13º Tudo razões que determinam a inevitabilidade de considerar a decisão em causa, como uma decisão dita “insólita” e “imprevista”.
14º Consequentemente, pode, portanto, ser arguida apenas em sede de recurso de inconstitucionalidade (cfr. Guilherme da FONSECA e Inês DOMINGOS, Breviário de Direito Processual Constitucional; Recurso de Constitucionalidade; Jurisprudência, Doutrina, Formulário, Coimbra, 1997, p. 48), tendo sido plenamente cumprido o ónus que incumbe às partes de consideração antecipada das
'várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão” (cfr. Acórdão nº 489/94).
15º Por seu turno, os motivos que a fundamentam não são manifestamente inatendíveis, nos termos e para os efeitos do exigido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão nº 501/94.
II
Da possibilidade de apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade do artigo 80º, número 1, da LPTA
16º Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 80º, número
1 da LPTA, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, a saber: a de que não é inconstitucional, e que pode validamente produzir os seus efeitos, a norma que habilita a Administração a produzir uma resolução fundamentada.
17º Esta norma viola o artigo 268º, número 4, da CRP, dado tratar-se do único caso no panorama do contencioso administrativo em que se prevê a cessação de um efeito suspensivo provisório sem a prévia intervenção judicial;
18º Viola ainda o conteúdo essencial do princípio da separação (e interdependência) de poderes, consagrado no artigo 111º da CRP, por atribuir a um órgão administrativo o poder de compor provisoriamente um litígio sem intervenção judicial;
19º Viola, por último, o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP por afectar de forma intolerável as garantias processuais dos cidadãos.
20º A consideração tácita (que é admissível, sendo de cfr. a este respeito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 88/86, 47/90, 235/93), pelo acórdão recorrido, da não inconstitucionalidade da norma em crise, constituiu não apenas um obiter dictum da deliberação mas sim um dos elementos da sua ratio decidendi
(cfr. sobre este requisito Guilherme da FONSECA e Inês DOMINGOS, ob. cit., p.
40).
21º Com efeito, sem essa consideração a resolução fundamentada que reconhece a grave urgência para o interesse público na imediata execução da obra em causa, plasmada no Despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, doravante SEOP, constante do ofício de 08 de Maio de 2003, teria de ter sido fatalmente considerada como nula, não produzindo qualquer efeito por falta de norma habilitante.
22º Essa inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no artigo 16º do Requerimento de Declaração de Ineficácia dos Actos praticados em Execução da Declaração de Utilidade Pública Suspensa.
23.º Os motivos que a fundamentam não são manifestamente inatendíveis nos termos já referido supra.
24.º Verificados todos os requisitos de admissibilidade do recurso, alegou, contudo, o STA que “o tribunal não fez aplicação da norma do n.º 1 do artigo 80º da LPTA porque julgou prejudicada a apreciação do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida” (p. 3 do acórdão de 07/07/2003).
25.º Tal, contudo, não pode dar-se por verificado.
26.º Com efeito, a instrumentalidade da declaração da ineficácia dos actos devidos, em relação à suspensão pressupõe a sua validade.
27.º Com efeito, a propósito da referida relação de instrumentalidade, alega o Tribunal “no mesmo sentido milita o facto de a lei não estabelecer a ineficácia como consequência automática, a decretar inelutavelmente pelo Tribunal verificada a execução (...).” (p. 9 do acórdão de 03/07/2003).
28.º Ao admitir que pode declarar ineficazes, o tribunal implicitamente aceita a validade dos actos em causa e do instituto, ou seja aplicou o n.º 1, do artigo
80.º da LPTA.
III
Da inconstitucionalidade do artigo 80º, número 3, da LPTA
29.º No recurso para este venerando tribunal pretendeu, ainda, ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 80º, número 3, da LPTA, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, a saber: a de que esta norma não é inconstitucional na interpretação segundo a qual “o pedido de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, nos termos do n.º 3 do citado preceito legal, tem sempre como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão da eficácia, do qual constitui incidente, pelo que o indeferimento desse pedido, ainda que por decisão não transitada, prejudica o deferimento do pedido de declaração de ineficácia” (cfr. pp. 8 e 9 do acórdão de 03/07/2003), mesmo quando – o que resulta implícito do acórdão – a decisão ainda é susceptível de recurso com efeito suspensivo, como é o caso do recurso para o Tribunal Constitucional.
30.º Alega o STA que: “Os recorrentes poderiam razoavelmente contar com o entendimento de que a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do n.º 3 do art. 80º da LPTA, é instrumental da concessão de suspensão de eficácia, ficando prejudicada a apreciação do incidente correspondente na hipótese de indeferimento do pedido principal da providência cautelar, ainda que por decisão não transitada. Efectivamente, embora não seja absolutamente pacífica (...) é corrente largamente maioritária e actual deste Supremo tribunal, como se pode ver da jurisprudência citada pelo ac. de
27/05/2003 (...).” (pp. 3 e 4 do acórdão de 07/10/2003).
31.º Contudo, contrariamente ao afirmado, não era exigível aos Reclamantes essa possibilidade, atento o facto de a jurisprudência do STA nesta matéria – a tal que pode não ser pacífica – ter sempre exigido, para que se considere prejudicado o pedido de declaração de ineficácia, que se encontrem esgotadas as possibilidades de recurso da decisão da suspensão da eficácia com efeito suspensivo (cfr., neste sentido, o Acórdão da 1ª subsecção do STA, caso D., de
11/05/2000, e o próprio acórdão da 2ª Subsecção do STA, de 27/05/2003, aliás citado pela douta sentença recorrida, a pp. 8 e 9 do douto acórdão dactilografado).
32° Nestes termos, a decisão em causa, ao considerar prejudicado o incidente de declaração de ineficácia pela mera decisão do incidente de suspensão de ineficácia, quando esta é ainda susceptível de recurso com efeito suspensivo, diverge da jurisprudência anterior do STA, e constitui, portanto, de uma decisão dita “insólita” e “imprevista”, inexistindo qualquer jurisprudência anterior sobre o assunto.
1.4. O Ministério Público, neste Tribunal, emite o seguinte parecer acerca do mérito da presente reclamação:
“Subscrevendo inteiramente as razões invocadas no douto despacho que rejeitou o recurso de fiscalização concreta interposto, somos de parecer que efectivamente não se verificam os pressupostos de tal recurso, o que conduz à improcedência da presente reclamação. Na verdade:
– Não pode considerar-se decisão surpresa que pelo seu conteúdo insólito é imprevisível, justificasse a despensa do ónus de suscitação “durante o processo” da questão de constitucionalidade o entendimento sufragado quanto à norma do n.º
1 do art. 76º e do n.º 3 do art. 80º da LPTA, sendo previsível (e, quanto à primeira, evidente) a probabilidade do acórdão recorrido se vir a orientar pela corrente jurisprudencial mais desfavorável aos interesses do recorrente;
– Não foram aplicadas as normas constantes do n.º 1 do art. 80º da LPTA – atenta
à dimensão estritamente procedimental, da resolução de tal questão pelo STA – e do art.º 76º, n.º alínea b) do mesmo diploma, neste caso com a interpretação arguida de inconstitucionalidade pelos recorrentes, já que o acórdão recorrido realizou uma ponderação casuística e fundamentada, da urgência subjacente à expropriação, movendo-se naturalmente no plano das “presunções naturais”, sem impor aos recorrentes qualquer ónus desmedido ou despropositado, no que respeita
à demonstração dos fundamentos da sua pretensão.”
2.1. Conforme resulta da leitura da reclamação, os recorrentes nenhuma crítica dirigem ao despacho reclamado na parte relativa à inadmissibilidade do recurso quanto à alínea a) do n. 1 do artigo 76º da LPTA. Não há, pois, que curar desta matéria.
2.2. Quanto à alínea b) do mesmo preceito, invocam os recorrentes que o Tribunal recorrido aplicou a norma dele constante no sentido de que “a declaração de utilidade pública constitui índice desfavorável à suspensão, invertendo as regras sobre a distribuição do ónus da prova”, o que contrariaria, em seu entender, o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo
268º n. 4 da Constituição.
Sobre esta questão ponderou-se no despacho reclamado o seguinte:
O sentido normativo da al. b) do n.º 1 do art. 76° que os recorrentes arguiram de inconstitucional foi aquele que conduza a considerar que a mera atribuição de caracter de urgência à expropriação obsta à suspensão de eficácia do respectivo acto de declaração de utilidade pública. Ora, o acórdão recorrido não fez aplicação da norma com esse sentido ou com outro que dele derive ou a ele seja equivalente. Pelo contrário, interpretou a norma no sentido de que se impunha sempre uma análise particular do caso, procedeu a essa análise e decidiu em conformidade com as razões justificativas da urgência. Portanto, também quanto a esta questão não pode ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Insistem, no entanto, os recorrentes que a norma foi aplicada no acórdão com o sentido, inconstitucional, que denunciam no seu requerimento de interposição de recurso e que, basicamente, se traduz na “inversão do ónus da prova” e na imposição ao particular interessado do ónus de provar a inexistência do interesse público na prática do acto. A interpretação, admitem, não seria inconstitucional se “se saldasse na mera atribuição de relevância” ao facto, ou seja, à declaração de utilidade pública.
Mas não têm razão, pois o acórdão manifestamente não fez uso da interpretação normativa que os requerentes acusam de inconstitucional. Pelo contrário, o sentido com que o acórdão aplica a norma é precisamente aquele que os recorrentes apontam como não inconstitucional, isto é, no sentido de que se impunha sempre uma análise particular do caso, procedendo a essa análise e decidindo em conformidade com as razões justificativas da urgência da expropriação, sem, no entanto, esquecer que “cabe ao requerente da suspensão convencer o tribunal de que há justas razões para entender que dessa suspensão não resultará tal [do interesse público] grave lesão”. Ponderou-se ainda, que
“nada daquilo que os requerentes alegam afasta os motivos concretos pelos quais a Administração [...] sustenta a existência de grave lesão no diferimento da execução do acto”. Este raciocínio é bem demonstrativo de que a norma não foi aplicada com o sentido que os requerentes pretendem como inconstitucional: com efeito, o que em boa verdade os reclamantes questionam é a solução a que chega o acórdão neste ponto. Mas essa solução não radica – ao contrário do que pretendem – na interpretação normativa invocada como fundamento do recurso, mas antes na análise e valoração dos factos e dos interesses em presença.
2.3. Sustentam, depois, que o acórdão aplicou as normas constantes do artigo
80º ns. 1 e 3 da LPTA com sentidos inconstitucionais: a primeira, porque foi interpretada no sentido de que pode produzir os seus efeitos a norma que habilita a Administração a executar o acto suspendendo mediante a produção de uma resolução fundamentada; a segunda porque aplicada com o sentido de que a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida tem sempre como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão de eficácia do qual constitui incidente, pelo que o indeferimento do pedido, ainda que por decisão não transitada, prejudica o deferimento daquele outro pedido.
Quanto à primeira questão, responde o despacho reclamado deste modo:
“O tribunal não fez aplicação da norma do n.º 1 do art. 80° da LPTA porque julgou prejudicada a apreciação do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida. Assim, a questão de saber se a faculdade conferida à Administração pelo referido preceito viola as normas e princípios constitucionais indicados pelos recorrentes é inócua. Não tem qualquer relação com a ratio decidendi. Tanto basta para não admitir o recurso quanto a esta questão.”
Os reclamantes insistem que o Tribunal recorrido aplicou (“implicitamente”) a norma questionada. Sem qualquer razão. Como bem se compreenderá, o uso, na decisão recorrida, de determinada interpretação normativa implica
–necessariamente – uma declaração expressa se, como é o caso, o Tribunal se recusou a conhecer da questão regulada na norma cujo sentido é acusado de inconstitucional. Ora, é patente que o acórdão recorrido nada decidiu com aplicação da norma questionada, nem se vê como é que o sentido dessa norma, tido por inconstitucional, esteja implícito naquela decisão.
2.4. Quanto à segunda questão, diz o mesmo despacho, valorizando a circunstância de os recorrentes não terem anteriormente suscitado no processo a questão de inconstitucionalidade:
“Os recorrentes poderiam razoavelmente contar com o entendimento de que a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do n.º 3 do art. 80° da LPTA, é instrumental da concessão da suspensão de eficácia, ficando prejudicada a apreciação do incidente correspondente na hipótese de indeferimento do pedido principal da providência cautelar, ainda que por decisão não transitada. Efectivamente, embora não seja absolutamente pacífica (Cfr. acs. de 27/6/96, P. 38 436-A e de 4/7/96, P. 40.251), é corrente largamente maioritária e actual deste Supremo Tribunal, como se pode ver da jurisprudência citada pelo ac. de 27/5/2003, Proc. 528/03, para que o acórdão recorrido remete. Assim, não tendo qualquer questão de inconstitucionalidade normativa sido suscitada, a este propósito, anteriormente à decisão que considerou prejudicada a apreciação do incidente, não pode admitir-se o recurso para o Tribunal Constitucional porque os recorrentes não podem queixar-se de que foram confrontados com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada feita pela decisão recorrida.”
Reclamam os recorrentes alegando que o acórdão recorrido entendeu que a norma não é inconstitucional na interpretação segundo a qual “o pedido de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, nos termos do n.º 3 do citado preceito legal, tem sempre como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão da eficácia, do qual constitui incidente, pelo que o indeferimento desse pedido, ainda que por decisão não transitada, prejudica o deferimento do pedido de declaração de ineficácia (cfr. pp. 8 e 9 do acórdão de 03/07/2003), mesmo quando
– o que resulta implícito do acórdão – a decisão ainda é susceptível de recurso com efeito suspensivo, como é o caso do recurso para o Tribunal Constitucional.”
Não é, porém, certo que o Tribunal recorrido tenha declarado que a norma “não é inconstitucional”. E não o disse precisamente porque a questão nunca lhe foi colocada, como bem detectou o despacho reclamado.
Ora, este Tribunal tem sempre entendido que o recurso fundado na alínea b) do n.
1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões que apliquem norma acusada de inconstitucional, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo. O requisito da invocação da inconstitucionalidade durante o processo traduz-se na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido de forma a proporcionar-lhe a oportunidade de a apreciar
(Acórdãos n.º 62/85, 90/85 e 160/94 in AcTC, 5º Vol., ps. 497 e 663 e DR II Série, de 28MAI94). Este ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade só pode ser dispensado em casos excepcionais ou anómalos em que o interessado não tenha disposto dessa oportunidade processual, circunstância que aqui manifestamente não ocorre pois, para os reclamantes, a questão colocou-se no momento em que requereram a providência tutelada pela norma, já que se a jurisprudência maioritária perfilha da norma impugnada o questionado entendimento, era absolutamente previsível que o Tribunal recorrido o viesse a adoptar na resolução da questão. Assim, foi não só possível aos recorrentes suscitar a questão de inconstitucionalidade ao Tribunal recorrido, como tal suscitação se impunha face ao entendimento dominante que os mesmos recorrentes acusam de inconstitucional.
Não pode, pois, razoavelmente admitir-se que tenha ocorrido um daqueles casos excepcionais que permitam dispensar o ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade, pelo que não poderia, também por falta deste requisito, conhecer-se do recurso.
3. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação. Custas pelos recorrentes. Taxa de justiça: 15 UC.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos