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Proc. n.º 356/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 – A. e B., com os sinais dos autos, recorrem para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de fls. 96 e segs..
No requerimento de interposição de recurso, dizem pretender que seja apreciada a constitucionalidade das normas constantes do artigo 44º n.ºs 3 e 4 do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
25/2000, de 23 de Agosto, que, segundo eles, violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
Nas suas alegações, formulam as seguintes conclusões:
'1 - A douta sentença recorrida considera não ser aplicável aos recorrentes os n.ºs 3 e 4 do artº 44º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99 de 25 de Junho na redacção dada pela Lei n.º 25/2000 de 23 de Agosto.
3 - Segundo ela, esta interpretação não viola o princípio da igualdade.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º n.º 3 do C.C.).
4 - In casu, dispondo a lei directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, abarcará as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor
(n.º 2 segunda parte do artº 12º do CC), até porque o legislador quis dar tratamento igual a situações juridicamente idênticas o que se mostra justificado.
5 - Postula o TC uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas.
6 - Acontece que o próprio legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34-A/90 anunciou o propósito de não consagrar soluções que trouxessem, a estes militares, prejuízos de natureza pecuniária, designadamente no que toca à pensão de reforma.
7 - Consideram os recorrentes que o seu entendimento não é susceptível de provocar qualquer colisão com o estabelecido no EA atenta a norma de salvaguarda estabelecida no seu artº 43º n.º 2 e no artº 13º da CRP.
8 - À data em que os recorrentes foram reformados o artº 126º do EMFAR/90 e o artº 26º n.º 1 al. a) do Estatuto da Aposentação determinavam 'a contagem para a reforma do tempo em razão do qual era atribuída remuneração ainda que não correspondesse a serviço efectivo'.
9 - Na mens legislatoris propulsora da nova regulamentação do EMFAR/99, sempre esteve presente o pressuposto da relevância do tempo de reserva fora da efectividade de serviço, para efeitos do cálculo da pensão de reforma, à semelhança aliás das situações de licença sem vencimento do funcionalismo público, da disponibilidade dos diplomatas, das situações previstas no artº 188º do EMFAR/90 (artº 183º do EMFAR/99) das situações de tempo de serviço dos militares que estejam afastados do serviço (artº 115º do EA) entre muitas outras situações.
10º O distinto Conselheiro do STA Dr. C. também considera que esta é a solução que melhor se harmoniza com o sistema normativo do EA e do EMFAR,
11º O arbítrio reside precisamente na falta de justificação racional da desigualdade de disciplinas normativas.
12ª - O princípio da igualdade e do Estado de Direito democrático impunha que a interpretação do Acórdão recorrido considerasse o 'novo' regime também aplicável à contagem do tempo com descontos para a Caixa Geral de Aposentações (efectuado na reserva fora do serviço efectivo) dos militares que à data da entrada em vigor do EMFAR99 já estavam (antecipadamente) reformados e não apenas aos que, por mero acaso,, foram reformados - também antecipadamente - após a entrada em vigor do EMFAR/99 (todos eles faziam parte dos Quadros Permanentes das Forças Armadas quando o EMFAR/90 e a Lei n.º 15/92 foram publicados).
13ª - Num e noutro caso não houve contributo de qualquer acto de vontade por parte dos visados para a sua situação (de reforma) pelo que não pode aqui ser considerado o Acórdão do TC n.º 580/99 de 20/10/99.
14ª - Entendem os recorrentes que a colocar-se a questão no plano em que o Acórdão sob recurso a colocou, o argumento da diferença de tratamento não apresenta um fundamento racional, razoável e suficientemente justificativo do desfavor com que são tratados os militares que estiveram na situação de reserva fora do serviço efectivo e foram antecipadamente reformados, relativamente aos que também na situação de reserva fora do serviço efectivo, foram, por mero acaso, antecipadamente reformados após a entrada em vigor do EMFAR/99.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exªas: As normas dos n.ºs 3 e 4º do artº 44º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99 de 25 de Junho na redacção dada pela Lei n.º 25/2000 de 23 de Agosto devem ser declaradas inconstitucionais quando interpretadas no sentido com que foram aplicadas no Acórdão recorrido ou seja de que, para o cálculo da pensão de reforma, não releva o tempo com descontos para a Caixa Geral de Aposentações (efectuado na situação de reserva fora do serviço efectivo) dos militares que à data da entrada em vigor do EMFAR/99 foram antecipadamente reformados, com o que se fará Justiça.'
Em contra-alegações, a Caixa Geral de Aposentações defendeu que se deve negar provimento ao recurso, por não violar o princípio da igualdade o disposto no citado artigo 44º nºs 3 e 4 do EMFAR/99, interpretado no sentido de que ele não abrange os militares que foram reformados antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 236/99.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - O acórdão impugnado concedeu provimento ao recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto que anulara o despacho de indeferimento da pretensão formulada pelos ora recorrentes no sentido de lhes ser contado, com base no disposto no artigo 44º n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 236/99, na redacção dada pela Lei n.º
25/2000, o tempo de permanência na reserva fora da efectividade do serviço para efeitos de fixação da sua pensão de reforma que deveria ser recalculada.
O fundamento em que assentou aquele acórdão foi, no essencial, o de não serem aplicáveis aos ora recorrentes, reformados no domínio do Estatuto dos Militares das Forças Armadas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, as normas contidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 44º do mesmo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, na redacção dada (ao n.º
3) e com o aditamento feito (do n.º 4) pela Lei n.º 25/2000.
Para o acórdão do TCA, a norma do n.º 3 do artigo 44º do Estatuto de
99 que determinava a contagem para efeitos de cálculo da pensão de reforma do
'tempo de permanência do militar fora da efectividade de serviço' - que o aresto considera inovadora - só era aplicável aos militares reformados depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 236/99 e mesmo, para estes, apenas aquele tempo posterior à vigência do diploma; por seu turno, os referidos aditamento e alteração feitos pela Lei n.º 25/2000 apenas fizeram relevar, também, e só, para os reformados na vigência do Decreto-Lei n.º 236/99, a contagem do mesmo tempo anterior ao Estatuto de 99.
Ou seja: os militares reformados depois da entrada em vigor do Estatuto de 99 começaram por beneficiar para efeitos da pensão de reforma, do tempo de permanência fora da efectividade de serviço, posterior à vigência do Decreto-Lei n.º 236/99, com a norma do artigo 44º n.º 3 do Estatuto de 99, na sua versão original; depois, beneficiaram, ainda, do mesmo tempo, anterior à vigência daquele Decreto-Lei, com a redacção dada ao referido preceito e o aditamento do n.º 4 feito pela Lei n.º 25/2000; fora deste benefício ficavam os militares reformados antes da entrada em vigor do Estatuto de 99.
Para os recorrentes, a situação que ofende o princípio da igualdade
é pois a que resulta da diferença de tratamento entre os militares reformados antes e depois de 1 de Julho de 1999 (data da entrada em vigor do Estatuto de
99), no que concerne ao tempo de serviço relevante para efeitos de reforma, não se contando, para os primeiros, o tempo de permanência na reserva fora da efectividade de serviço, mas já se contando, para os segundos, todo esse tempo.
A resolução da questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada por este Tribunal não pode passar pela sindicância da interpretação que o acórdão recorrido faz, no estrito plano do direito infraconstitucional, das normas do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado, quer pelo Decreto-Lei n.º 34-A/90 (EMFAR90), do Estatuto, quer pelo Decreto-Lei n.º 236/99
(EMFAR), bem como da que resultou, nos termos da Lei n.º 25/2000, da alteração feita ao n.º 3 do artigo 44º deste último Estatuto e da contida no n.º 4 aditado ao mesmo artigo.
Terá, pois, o Tribunal que assentar, para a formulação do seu juízo de constitucionalidade, num regime jurídico segundo o qual no EMFAR90 não se contava, para efeito de reforma, o tempo de permanência na reserva fora da efectividade do serviço, em contrário do que veio a estabelecer-se do EMFAR99, na redacção dada pela Lei n.º 25/2000.
Trata-se, assim, em bom rigor de uma diferença de dois regimes de reforma de militares que se sucedem no tempo, sendo que o segundo deles, fazendo relevar aquele tempo de permanência na reserva fora da efectividade do serviço, trata mais favoravelmente os militares que se reformam na sua vigência.
Nesta conformidade a questão não é substancialmente diversa das que têm sido tratadas por este Tribunal em matéria de sucessão de regimes de aposentação tendo como parâmetro constitucional o princípio da igualdade.
Escreveu-se a propósito no Acórdão n.º 580/99, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., págs. 237, que versou um caso em que o interessado se pretendia fazer valer de um regime de aposentação, vigente à data em que requerera a reforma, mais favorável do que aquele que vigorava no momento em que por despacho lhe foi reconhecido o direito à pensão e lhe foi efectivamente aplicado:
'(...) o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano substancial, a igualdade traduz-se na especificação dos elementos constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais
[cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp.
383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente]. Contudo, no caso em apreciação, a desigualdade invocada pela recorrente não resulta de um qualquer critério considerado em si discriminatório acolhido por uma dada norma jurídica. Com efeito, a desigualdade no presente processo decorre, na perspectiva da recorrente, da sucessão no tempo de regimes legais relativos à fixação da pensão de aposentação requerida (ou seja, do critério legal relativo à aplicação da lei no tempo). A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência de um determinado regime que lhe é mais favorável (e que foi aplicado a colegas de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o direito à pensão foi proferido. Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica. Uma alteração legislativa pode operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa.
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É verdade que não deixa de ter pertinência constitucional a dimensão da sucessão de leis no tempo. O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites à aplicação retroactiva da lei penal e da lei fiscal - que não estão em causa nos presentes autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança. Porém, tal questão já obteve resposta no presente Acórdão, tendo- se concluído que as normas em apreciação não violam o princípio da confiança legítima e da boa-fé. Por outro lado, refira-se que o critério de aplicação da lei no tempo acolhido pela norma contida no artigo 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação
(aplicação da lei vigente no momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito à pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos diacronicamente considerada. Com efeito, a solução que determina que a lei aplicável a um dado acto administrativo é a lei vigente no momento em que a Administração aprecia as circunstâncias do caso e define, inovatoriamente, através do acto administrativo praticado a situação do particular é uma solução racionalmente justificada, porque o momento do reconhecimento do direito é o momento central da definição da situação do particular requerente. É nesse momento que a situação é valorada e decidida na sua dimensão fundamental (é nessa altura que se decide da existência ou não do direito, neste caso particular do direito à pensão). Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto). Um tal critério não fomenta diferenciações injustificadas nem contraria a segurança e a justiça.
............................................................................................................. O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida.'
É esta a jurisprudência que aqui se segue e que necessariamente conduz a não julgar feridas de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, as normas ínsitas nos n.ºs 3 e 4 do artigo artigo 44º do EMFAR/99, na versão resultante da Lei n.º 25/2000, com a interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido, sendo, para o efeito, irrelevante que os recorrentes tenham sido obrigatoriamente colocados na situação de reforma e efectuado descontos para a Caixa Geral de Aposentações durante o tempo em que se encontraram na situação de reserva fora da efectividade de serviço.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 15 Ucs.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida