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Proc. n.º 711/02 – 1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO
A sociedade comercial denominada A. intentou nos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa acção a pedir que o tribunal declare a “cessação/caducidade” do contrato de arrendamento comercial que, como senhoria, outorgara em 03 de Abril de 1968 com a B., fundamentando esse pedido na circunstância de, entretanto, o contrato ter perdurado – devido a “sucessivas e forçadas prorrogações” – por 30 anos, período este que, em seu entender, corresponderia ao “prazo máximo” legalmente permitido para a duração do contrato de arrendamento em causa.
A acção foi julgada improcedente. Dessa decisão apelou a autora para a Relação de Lisboa pretendendo a alteração do julgado; sustentou inter alia que “é a própria Constituição que exige que seja outro o sentido e alcance do artigo
1025º do Código Civil, que não o acolhido pelo Tribunal a quo” (conclusão V. da respectiva alegação).
Por acórdão de 27 de Junho de 2002, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.
Desse acórdão a autora interpõe recurso para o Tribunal Constitucional através de requerimento com o seguinte teor:
1. O Recurso cuja admissão se requer é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n° 1, alínea b), n° 2, e n° 4, da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro.
2. Ressalvado todo o devido respeito, entende a Autora, ora Recorrente, que a interpretação e aplicação concretas dos artigos 1025º, 1051°, alínea a) e 1054° do Código Civil, vertidas na douta Sentença recorrida, com o sentido e o alcance propostos pelo Tribunal a quo, são claramente violadoras da Lei Fundamental, designadamente, dos artigos 13° n° 2, 18° n° 2 e 62° da Constituição.
3. É pois a inconstitucionalidade dos referidos preceitos da Lei Civil, resultante da interpretação e aplicação perfilhada pelo Tribunal a quo no caso concreto, que se pretende ver apreciada em sede de Recurso no Tribunal Constitucional. Pelo que, estando em tempo, e reunindo as demais condições exigidas pelos artigos 69º e seguintes da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro, requer muito respeitosamente a Vossa Ex.a se digne admitir o recurso interposto, ordenando o prosseguimento dos autos em conformidade.
Este requerimento foi depois complementado, a convite do Tribunal, com o seguinte esclarecimento:
[...]
1. O Recurso cuja admissão se requer é interposto com fundamento no artigo 70º, n° 1, alínea b) e n° 2, da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro.
2. Ressalvado todo o devido respeito, entende a Autora, ora Recorrente, que a interpretação e aplicação concretas dos artigos 1025°, 1051°, alínea a), e 1054° do Código Civil, vertidas no douto Acórdão recorrido, com o sentido e o alcance ali propostos pelo Tribunal a quo, são claramente violadoras da Lei Fundamental, designadamente, dos artigos 13° n° 2, 18° n° 2 e 62° da Constituição .
3. Com efeito, em desacordo completo com todos os princípios e regras de interpretação e aplicação da Lei impostas no artigo 9° do Código Civil, sustentou o Tribunal a quo que a regra do artigo 1025° do Código Civil (Duração máxima) se refere apenas ao prazo inicialmente fixado pelas partes no contrato de arrendamento, e portanto, que ali se trata apenas de limitar a sua liberdade de estipulação.
4. Ou seja, para o Tribunal a quo, o artigo 1025° do Código Civil não estabelece qualquer limite máximo para a vigência/duração dos contratos de arrendamento.
5. E quando se lê no artigo 1051°, n° 1, alínea a), do Código Civil, que o contrato de arrendamento caduca findo o prazo estabelecido por Lei, tal não significa que o contrato cessa, pois o mesmo renovar-se-á obrigatoriamente nos termos do artigo 1054° do Código Civil.
6. Concluindo: O Tribunal a quo entende que um contrato de arrendamento comercial, como o dos Autos, que perfez trinta anos de duração ininterrupta - o período máximo de vigência definido pelo artigo 1025° do Código Civil - não caduca, antes se renovando eternamente por aplicação do invocado principio da prorrogação forçada, supostamente estabelecido pelo artigo 1054°, n° 1, do Código Civil.
7. Ora, a Recorrente entende precisamente o contrário, pois defende que o sentido correcto da regra contida no artigo 1025° do Código Civil é o de uma proibição oficiosa da perpetuidade dos arrendamentos, em especial dos comerciais, ditada por questões de ordem pública, maxime por valores constitucionais.
8. É que, não caducando pelo decurso do prazo máximo de trinta anos imposto pela Lei, ou seja, podendo ser perpétuo por regra, o contrato de arrendamento comercial traduz-se, na prática, numa autêntica expropriação, jamais imaginada e muito menos querida pelos senhorios no momento inicial da contratação.
9. Na opinião da Recorrente, o invocado principio da prorrogação forçada dos contratos de arrendamento comercial só opera e se impõe, via de regra, dentro do período máximo dos trinta anos, e não para além deste prazo.
10. O referido princípio tem uma natureza manifestamente excepcional, explicado por razões de ordem política e social pontuais, actualmente injustificáveis no domínio do arrendamento comercial.
11. Esta perpetuidade tendencial do arredamento comercial resultante da interpretação e aplicação dadas pelo Tribunal a quo aos preceitos legais em questão constitui uma limitação absolutamente anómala e injustificada do direito de propriedade da Recorrente, traduzindo-se numa orientação jurídico-legal que trata as partes contratuais em causa de forma profundamente desigual e injusta.
12. Ou seja, a interpretação e aplicação dadas pelo Tribunal a quo às normas em questão, contrariam o espirito do sistema legal em que se encontram, maxime a Lei Fundamental.
13. E é pois a inconstitucionalidade dos referidos preceitos da Lei Civil, resultante da interpretação e aplicação perfilhadas pelo Tribunal a quo no caso concreto, que se pretende ver apreciada em sede de Recurso no Tribunal Constitucional;
14. A Recorrente suscitou expressamente a questão da inconstitucionalidade em 1ª Instância, na sua Resposta à Contestação, e depois, nas Alegações produzidas em sede do Recurso de Apelação interposto (Cfrs. Documentos n° 1 e 2). Pelo exposto, requer muito respeitosamente a Vossa Ex.a se digne julgar devidamente esclarecidos e válidos os fundamentos do presente Recurso, admitindo-o, e ordenando o prosseguimento dos Autos em conformidade.
Foi, porém, proferida decisão sumária – ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A da LTC – a não conhecer do recurso, por se haver entendido que “as normas acusadas de inconstitucionais pela recorrente não constituíram a efectiva ratio decidendi da decisão recorrida,” o que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, impediria o conhecimento do objecto do recurso.
Afirmou-se nessa decisão – que agora é reclamada – o seguinte:
Este Tribunal tem repetidamente afirmado (v. acórdão 187/95, in DR, II série, de
22JUN95), que o presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC, se destina a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida como sua ratio decidendi. O acórdão recorrido afirma, na sua parte conclusiva e decisória, o seguinte:
[...] Nem se objecte que a interpretação dada na sentença esvaziaria de conteúdo o direito de propriedade, padecendo por isso de inconstitucionalidade. A haver alguma inconstitucionalidade ela residiria nos arts. 68.2 do RAU (ou
1095 do CC). Mas nunca ninguém sustentou tal tese. E a verdade é que, a existir tal vício (não poder o senhorio denunciar o contrato) ele tanto existiria quer o contrato fosse celebrado por 30 anos como por 1 ano ou 6 meses. O resultado prático vem a ser o mesmo. Pouco conta ser o prazo contratual de 6 meses se o senhorio tiver que ficar amarrado ao contrato por tempo que pode exceder os 30 anos.
[...] Em suma: a disciplina do artigo 68.2 do RAU paralisa a aparente liberalidade do artigo 1025 do CC. Nega-se, por isso, provimento ao recurso confirmando-se a sentença. [...]
Ora, sendo certo que a Recorrente circunscreve o seu recurso à impugnação das normas dos artigos 1025º, 1051º alínea a) e 1054º do Código Civil, na interpretação de que “um contrato de arrendamento comercial, como o dos Autos, que perfez trinta anos de duração ininterrupta - o período máximo de vigência definido pelo artigo 1025° do Código Civil - não caduca, antes se renovando eternamente por aplicação do invocado principio da prorrogação forçada, supostamente estabelecido pelo artigo 1054°, n° 1, do Código Civil” (ponto 6. do requerimento a fls. 254), que terá sido perfilhada pelo Tribunal a quo, certo é também que a razão essencial da decisão da Relação de Lisboa resultou da aplicação da norma do n. 2 artigo 68º do RAU, por haver ponderado que essa mesma norma – e só ela – (a denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecidos), travaria a viabilidade da pretensão da autora e a invocada possibilidade de, com base no disposto nos aludidos preceitos do Código Civil, se interromper a automática renovação do contrato de arrendamento. Deve assim concluir-se que as normas acusadas de inconstitucionais pela recorrente não constituíram a efectiva ratio decidendi da decisão recorrida, o que, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal já acima mencionada, impede o conhecimento do objecto do recurso. Nestes termos, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 78-A da LTC, não conhecer do recurso.
É contra o assim decidido que reclama a interessada A. nos seguintes termos:
« 1. Ressalvado todo o devido respeito por este Tribunal, não se compreende nem se pode aceitar o teor da douta Decisão sumária.
2. Com efeito, e pressupondo que foi dada leitura atenta ao douto Acórdão da Relação de Lisboa, não se vislumbra como pôde o Tribunal Constitucional entender que a efectiva ratio decidendi da decisão recorrida não foram as normas que a Recorrente acusou de inconstitucionais.
3. É que, em bom rigor, a razão essencial da decisão da Relação de Lisboa, não resultou da aplicação da norma contida no Art. 68°, n° 2, do RAU, mas sim da interpretação concretamente dada às normas acusadas de inconstitucionais pela Recorrente.
4. No douto Acórdão da Relação não se lê que é o Art. 68°, n° 2 do RAU que inviabiliza a pretensão da Recorrente, designadamente a invocada possibilidade de se interromper a renovação automática do contrato de arrendamento, pela aplicação do disposto nos Arts. 1025° e 1051°, n° 1, alínea a), do Código Civil.
5. O que se lê é tão-só e apenas que a disciplina do Art. 68°, n° 2, do RAU paralisa a aparente liberalidade do Art. 1025° do Código Civil.
6. Mas no contexto e seguimento em que tal asserção surge no douto Acórdão recorrido, a mesma nunca poderia reflectir a ratio decidendi do mesmo.
7. Nem isso faria qualquer sentido, pois não só se limita o Art. 68°, n° 2 a estabelecer que os casos de denúncia pelo Senhorio são apenas os previstos na Lei, como também é no Art. 1054° do Código Civil, e só neste, que se estabelece a regra da renovação automática do contrato.
8. Ora, parece não poder haver quaisquer dúvidas de que a situação que efectivamente se discute é uma situação de caducidade e não uma situação de denúncia.
9. Como dúvidas também não pode haver de que, no entender de ambos os Tribunais recorridos, a pretensão da Recorrente é inviabilizada pela aplicação da regra da renovação automática/forçada do contrato, vertida no Art. 1054° do Código Civil, e não pela aplicação do Art. 68°, n° 2, do RAU.
10. Ou seja, a verdadeira ratio decidendi do douto Acórdão da Relação de Lisboa, e bem assim da douta Sentença proferida em 1ª Instância, assenta numa certa interpretação e conjugação dos Arts. 1025°, 1051°, e 1054° do Código Civil.
11. Note-se que a Recorrente suscitou inicialmente a questão de inconstitucionalidade na sua resposta à contestação, e que a douta Sentença proferida em 1ª Instância se pronuncia precisamente quanto ao sentido e alcance a dar aos Arts. 1025°, 1051°, e 1054° do Código Civil.
12. Note-se também que foi precisamente a interpretação e aplicação dadas
àqueles preceitos que fundamentaram a Apelação interposta pela Recorrente.
13. Ora, como se poderá agora entender que a Relação de Lisboa não se pronunciou sobre o objecto do Recurso e que, afinal, a ratio decidendi do douto Acórdão assenta em norma que nunca sequer foi colocada em questão?!?!
14. Ademais, que inconstitucionalidade poderia residir numa disposição legal que se limita a enunciar um principio de legalidade/tipicidade das formas de denúncia do contrato pelo Senhorio??!
15. Com o devido respeito, mas tudo indica que o Tribunal Constitucional ignorou por completo o iter processual da discussão jurídica em causa, e bem assim toda a parte relevante do douto Acórdão recorrido.
16. De facto, é no mínimo surpreendente que, depois de se lerem as 4 primeiras páginas do douto Acórdão da Relação de Lisboa, o Tribunal Constitucional venha afirmar que, afinal, as normas interpretadas e aplicadas pelo Tribunal recorrido foram outras, e que essas sim, inviabilizariam a pretensão da Recorrente.
17. Na realidade, aquilo que a Relação de Lisboa diz no douto Acórdão recorrido
é o seguinte:
- Que não existe qualquer inconstitucionalidade na interpretação e aplicação concretamente dadas pela douta Sentença recorrida aos Arts 1025°, 1051° e 1054° do Código Civil;
- Que a existir qualquer inconstitucionalidade ela residiria nos Arts. 68°, nº2, do RAU ou 1095° do Código Civil, entendendo-se tal vicio de inconstitucionalidade como a impossibilidade absoluta do Senhorio de denunciar o contrato de arrendamento (V.g. 'E a verdade é que, a existir tal vicio (não poder o senhorio denunciar o contrato)...'.).
17. A conclusão final do douto Acórdão da Relação de Lisboa não pode ser entendida fora do texto em que surge, e do próprio thema decidendum da Apelação.
18. A Relação de Lisboa foi bem clara ao pronunciar-se sobre a questão jurídica colocada pela Recorrente, concluindo que o regime legal actual, na forma como foi interpretado e aplicado em 1ª Instância, representa um equilíbrio aceitável entre o direito de propriedade e o direito da família ou da actividade económica.
19. Sendo que a referência à disposição do Art. 68°, n° 2, do RAU só pode significar uma referência ou remissão para o Art. 1054° do Código Civil e para o principio da renovação automática/prorrogação forçada do contrato de arrendamento.
20. Caso contrário, tal referência padeceria de qualquer lógica perceptível, denotando mesmo imperdoável falta de conhecimentos sobre a Lei do arrendamento urbano, designadamente, sobre a distinção clara e fundamental que existe entre caducidade e denuncia do contrato, e assim, o ignorar completo do thema decidendum.
21. Constituirá, pois, uma profunda injustiça, a Recorrente ver recusada a apreciação do presente Recurso, só porque no último parágrafo do texto do douto Acórdão recorrido se fala no Art. 68°, n.º2 do Código Civil, ou porque por erro grosseiro da Relação de Lisboa, se confunde caducidade e denuncia do arrendamento.
22. Impõe-se pois concluir que o Tribunal Constitucional errou em absoluto no apuramento e fixação que fez da ratio decidendi do Acórdão recorrido:
- Por um lado, afirma aquilo que em lado nenhum se lê no douto Acórdão recorrido: que só a norma do n° 2, do Art. 68° do RAU, é que inviabiliza a pretensão da Recorrente;
- Por outro lado, aceita tal asserção, como sendo a resposta lógica e fundamental à questão colocada pela Recorrente, maxime ao objecto da Apelação.
23. Pergunta-se como e em que contexto, é que a regra do Art. 68°, n° 2, do RAU, evita a interrupção do mecanismo da renovação automática do contrato de arrendamento (Art. 1054° do Código Civil) por acção dos Arts. 1025° e 1051°, alínea a), do Código Civil.
24. Em bom rigor, o Tribunal da Relação de Lisboa quis dizer precisamente o mesmo que se defendeu na douta Sentença então recorrida:
- Que o sentido dos Arts. 1025° e 1051°, alínea a), do Código Civil, não é o defendido pela Recorrente (Cfr. As primeiras 4 páginas do douto Acórdão recorrido);
- Que a regra da renovação automática do contrato imposta pelo Art. 1054° do Código Civil não é afastada pelos Arts. 1025° e 1051°, alínea a), do Código Civil;
- Que não é inconstitucional a interpretação e aplicação que a esses preceitos legais foi dada em 1ª Instância.
25. Ou seja, a razão essencial da decisão da Relação de Lisboa não foi, nem podia ser, e muito menos só, o teor do n° 2 do Art. 68° do RAU, mas sim e também as normas que a Recorrente acusou de inconstitucionais. Nestes termos, requer muito respeitosamente a Vossas Ex.as, egrégios Juizes Conselheiros do Tribunal Constitucional, se dignem atender a reclamação exposta e, em conformidade, substituir a douta decisão sumária recorrida por outra, nos termos da qual se admita e aprecie o objecto do recurso ora interposto. »
Conforme este Tribunal tem sempre afirmado, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC destina-se à fiscalização concreta da constitucionalidade de normas e tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo (v.g., Acs. 612/94, 634/94 e 20/96 in DR, II série, de 11JAN95,
31JAN95 e 16MAO96). O requisito relativo à suscitação da questão de inconstitucionalidade de norma traduz-se na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido de forma a proporcionar-lhe a oportunidade de a apreciar (n. 2 do artigo 72º da LTC).
Ora, a única norma relacionada (aliás, vagamente) com uma questão de inconstitucionalidade normativa que a recorrente terá colocado ao tribunal recorrido é a do artigo 1025º do Código Civil (pontos 51. e ss. da alegação de fls. 117 e ss. e alíneas V. a W. das respectivas conclusões). Cumpre assim, antes de mais, reconhecer que a recorrente nunca questionou perante o tribunal recorrido a conformidade constitucional das normas dos artigos 1051º e 1054º do Código Civil e que, portanto, não pode agora pedir a fiscalização concreta de constitucionalidade dessas normas.
Importa, depois, ter em conta que o recurso deverá obrigatoriamente circunscrever-se à norma que na lógica do tribunal recorrido é fundamental para decidir a questão e não à norma que porventura o recorrente entende dever invocar como fundamento do seu direito. Por isso se exige que a norma objecto do recurso haja sido aplicada como ratio decidendi, pois só assim o eventual provimento do recurso alcançaria utilidade prática. Na verdade, se o tribunal recorrido ancorou (bem ou mal, isso não cabe aqui resolver) a sua decisão em norma diversa da questionada, não poderá o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de constitucionalidade quanto a esta última norma.
Ora, admitindo que a recorrente questionou a conformidade constitucional da norma do artigo 1025º do Código Civil (a locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos...) é bem seguro que, na lógica da decisão recorrida, é a norma do n. 2 do artigo 68º do RAU (a denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida) que “paralisa a aparente liberalidade do artigo 1025º do Código Civil” expressão que inequivocamente significa que a regra de que a locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos cede perante a imposição de que apenas nos casos previstos na lei é lícito ao senhorio denunciar do contrato. E por isso se diz (sempre na lógica da decisão recorrida) que “a haver alguma inconstitucionalidade ela residiria nos artigos 68º n. 2 do RAU (ou 1095ª do Código Civil)” e não no citado artigo 1025º deste Código.
É assim certo que, não obstante a questão tenha sido delineada, pela A. recorrente, com referência aos artigos 1025º, 1051º n. 1 alínea a) e 1054º todos do Código Civil, a Relação de Lisboa decidiu a sorte da acção mediante a invocação do citado artigo 68º n. 2 do RAU, norma que, na sua óptica, contraria, em termos definitivos, o direito reivindicado pela A.
Deve assim concluir-se que a norma questionada não constituiu a razão de decidir do acórdão recorrido e que, portanto, não pode conhecer-se do presente recurso.
Termos em que se decide indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena de Brito Rui Moura Ramos