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Processo 631/02
2ª Secção Relator: Cons. Paulo Mota Pinto
(Cons. Tavares da Costa)
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., militante n.º --------- do Partido B. (B.), inscrito na secção de ------, não se conformando com o acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional do B. n.º
2/2002, de 19 de Setembro de 2002, que anulou o acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital do B. de -------, de 20 de Maio de 2002, e o acto eleitoral para os órgãos desta secção concelhia, realizado em 20 de Abril de 2002, apresentou no Tribunal Constitucional, em 10 de Outubro de 2002, o requerimento/exposição de fls. 2 a 7, declarando pretender interpor recurso daquela decisão. Em 14 de Outubro de 2002, o então relator no Tribunal Constitucional proferiu despacho a convidar o autor a, no prazo de dez dias:
“a) apresentar o seu pedido articuladamente e com observância do disposto no artigo 103º-C, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 103º-D do mesmo diploma legal; b) considerar, na respectiva peça processual, o disposto no n.º 1 deste artigo
103º-D; c) juntar cópia autenticada inteiramente legível do acórdão n.º 2/2002, do Conselho de Jurisdição Nacional do B.; d) bem como do Regulamento Eleitoral em vigor deste Partido Político.” Em 24 de Outubro de 2002, o autor apresentou a petição articulada de fls. 24 a
26, com cópia do Regulamento Eleitoral, invocando não lhe ter sido possível obter cópia legível do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional. É o seguinte o teor dessa petição:
«Dando cumprimento ao douto despacho do Venerando Conselheiro Relator do processo acima referenciado o impugnante A. vem recorrer do acórdão 2/2002 do Conselho de Jurisdição Nacional do B. de 19/09/2002, aduzindo para o efeito os argumentos seguintes: I – A afirmação “Tout Court” do Conselho de Jurisdição Nacional do B., a fls. 4 de que é totalmente ilegítimo aos Presidentes das Mesas recusarem listagens e cadernos eleitorais enviados pelo Secretário Geral do B. é não apenas absurdo como ilegal? [sic] II – Absurdo porque a mesa não pode nem deve comportar-se como um simples receptáculo, antes tem o imperativo dever deontológico de verificar a autenticidade dos documentos, de molde a garantir a lisura e a democraticidade do acto eleitoral que preside. III – É ilegal porque viola o n.º 4 do artigo 7º do Regulamento Eleitoral, que afirma preto no branco que os cadernos eleitorais são remetidos pela Secretaria Geral à mesa da Assembleia respectiva até ao sétimo dia anterior ao da eleição, o n.º 6 acrescenta que o caderno eleitoral deverá ser afixado em local acessível na sede respectiva logo que recepcionado. Face ao acima referido, é evidente que a hipotética aceitação da adenda de duvidosa origem no momento da abertura das urnas violaria gravemente os preceitos regulamentares enunciados. IV – Mas mesmo admitindo que os 50 militantes constantes da adenda eleitoral recusada estavam devidamente legalizados para participar no escrutínio (o que aliás não foi provado), essa circunstância adquiriria por si só força de lei para permitir anulação do voto dos mais de quatrocentos eleitores que expressaram livremente a sua opção e cuja legalidade não suscitou qualquer polémica? Qual o preceito estatutário legal ou constitucional que sentencia tal cominação? Que razoabilidade, justeza ou lógica jurídica permite inquinar um acto eleitoral em que a maioria dos eleitores participaram e uma pequena minoria que por razões de ilegalidade duvidosa não? V – E não será uma afronta descarada à lei e ao que ela representa violar-se de forma tão flagrante os Estatutos do Partido como o que se passou com o Acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional ao invocar o artigo 27º, n.º 2, alínea a), para anular o acto eleitoral realizado na Secção de ------- em 20/04/2002, quando essa competência está manifestamente arredada do seu âmbito de jurisdição? De facto, a competência que lhe é atribuída a título oficioso e que
é invocada para a anulação desse acto tem um campo de aplicação perfeitamente definido, cingindo-se estritamente aos órgãos nacionais, regionais e distritais, pelo que a sua invocação é manifestamente anti-estatutária. Quem na realidade tem competência oficiosa para anular os actos das Secções são os conselhos de Jurisdição Distritais, não ao abrigo do artigo 27º referido, mas do [artigo] 45º, n.º 1, alínea a), dos Estatutos. VI – E não constituirá um descarado abuso de poder e uma prosaica expressão de autoritarismo que o Conselho de Jurisdição Nacional no seu acórdão, a fls. 4 proclame como provados factos bastantes para considerar irregular o processo eleitoral de 22/09/2002? Porque não os inúmera [sic] para aquilatarmos do índice de irregularidade que os impregna ? VII – E será que uma mera irregularidade subsume necessariamente uma ilegalidade? [sic] Quando é que simples presunções, perfeitamente ilidíveis se convolam em presunções jure et juris só porque o julgador assim o entendeu? E não constituirá uma atitude surrealista que um órgão de tamanha importância no funcionamento democrático do partido se coloque à margem dos mais elementares princípios do bom senso e do direito esgrimindo cavalos de batalha que só uma imaginação prodigiosa pode conceber? É assim de meridiana evidência que a decisão do Conselho de Jurisdição Nacional de por um lado – e bem – anular o acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital que manda repetir as eleições realizadas na Secção de -------- (e quem sabe se para tentar ficar bem com Deus e com o diabo ilustrando de forma inequívoca a prevalência do político sobre o jurídico e por outro aproveitando-se da boleia que lhe é oferecida apoderar-se das competências dos outros para as mandar repetir mais parece uma novela de perfil acentuadamente Kafkiano [sic]. Ressalta com meridiana clareza que esta atitude viola de uma explicita os n.ºs 4 e 6 do regulamento Eleitoral, o artigo
27º, n.º 2, alínea a), dos estatutos do B., bem como o n.º 4 do mesmo artigo e ainda de forma acentuada os artigos 2º, 18º e 26º, n.º 1 .da Constituição da República termos em que se requer ao Venerando Tribunal Constitucional que considere procedente o presente recurso e anule a decisão do Conselho de Jurisdição Nacional do B. no concernente à repetição das eleições para a Concelhia de ------- realizadas no dia 20 de Abril de 2002. Junta-se: Regulamento Eleitoral e apesar de nos termos deslocado à Sede Nacional do B., foi de todo impossível obtermos cópia do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional em letra legível devidamente autenticado.» Por despacho do relator, de 25 de Outubro de 2002, foi oficiado ao demandado no sentido do envio da cópia do acórdão em causa, pedido, este, que, face à ausência de resposta, foi reiterado em 13 de Novembro de 2002, por ofício confidencial dirigido ao Presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do B.. Em 27 de Novembro de 2002, o autor veio juntar aos autos uma cópia do referido acórdão n.º 2/2002, dizendo ser a que foi enviada pelos serviços centrais ao Presidente da Mesa do Plenário de Secção de --------. Por despacho do relator de 29 de Novembro de 2002, determinou-se que os autos aguardassem por 10 dias o cumprimento pelo requerido do anterior despacho, tendo a secção insistido pelo cumprimento do mesmo despacho em 18 de Dezembro de 2002, novamente por ofício confidencial dirigido ao Presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do B. (cfr. cota de fls. 69v.). O autor fez ainda juntar aos autos, entre outros, os requerimentos (manuscritos) de fls. 44, 70, 75 e 84, apresentados em 6, 20 e 30 de Dezembro de 2002, e 6 de Janeiro de 2003, respectivamente, tecendo diversas considerações sobre o processo e juntando documentos aos autos. Em 8 de Janeiro de 2003, o B. juntou aos autos cópia legível do solicitado acórdão n.º 2/2002 do Conselho de Jurisdição Nacional do B.. Entretanto, o autor veio juntar aos autos, com o requerimento de fls. 93, cópia das actas do acto eleitoral de 20 de Abril de 2002 e do acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital do B..
2.Determinada a citação do requerido, veio a ser apresentada, em 12 de Maio de
2003, a contestação de fls. 115 a 125, com os documentos de fls. 127 a fls. 210, com as seguintes conclusões:
«Conclusões: A) O impugnante não justificou a qualidade de militante com legitimidade para o pedido, não cumprindo com a obrigação [sic] legal imposta pelo n.º 2 do art.º
103-C, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, aplicável por força do disposto no n.º 3 do art.º 103º-D do mesmo diploma legal, não fazendo prova da sua legitimidade para estar em juízo. B) O impugnante não deduziu, ao abrigo do n.º 2 do art.º 103º-C da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, “os fundamentos de facto ou de direito, indicando, designadamente, as normas da Constituição, da Lei ou dos Estatutos que considere violadas”, carecendo assim de causa de pedir e de falta de fundamentação. C) O impugnante não demonstra, invoca ou faz qualquer prova da alteração directa e pessoal dos seus direitos de participação, não obedecendo ao disposto no n.º 1 do artigo 103º-D da supra-referenciada Lei, apesar de convidado a tal por despacho a fls... D) O impugnante não poderá beneficiar de qualquer decisão do Tribunal Constitucional, pelo que o presente processo carece de pressuposto legal ou de consequência útil. E) O impugnante não cumpriu o prazo estipulado no n.º 4 do art.º 103º-C, aplicável pelo n.º 3 do art.º 103º-D, pelo que a “primeira” P.I. terá de ser considerada como extemporânea, tal qual a “segunda”, por maioria de razão. F) A emissão dos cadernos eleitorais são competência da Secretaria Geral [sic], não sendo possível às respectivas “mesas” a sua adulteração. G) O acórdão recorrido baseou-se, em síntese, na adulteração do caderno eleitoral, bem como na capacidade dos votos dos militantes rejeitados poder alterar o resultado eleitoral [sic]. H) O C.J.N. tinha competência para a análise do processado. A não ser competente, como pretende o impugnante, a sua P.I. estaria, manifestamente, fora de prazo, uma vez que a deliberação do C.J.D. data de 20 de Maio de 2002 e o prazo seria de 5 dias para a apresentação da P.I. ao T.C., por virtude do disposto no n.º 4 do art.º 103º-C. J) O C.J.N. mantém “in totum” toda a fundamentação que consta do seu acórdão. K) Não é de atender às referências Constitucionais, Legais ou estatutárias invocadas pelo impugnante, uma vez que não se reportam a nenhuma das situações constantes dos autos. L) Termos em que o impugnante deverá ser considerada parte ilegítima, a P. I. ser considerada como extemporânea ou carecendo de falta de causa de pedir ou fundamento legal bastante ou, se assim se não entender, como não respeitando os diversos requisitos legais a que a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro exige, aditada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro. M) Em consequência, deve manter-se “in totum” a decisão de 19.09.2002 do Conselho de Jurisdição Nacional do B., com as legais consequências. N) Em conclusão, cumpre referir que nenhuma decisão do Tribunal Constitucional
(seja ela qual for), poderá/deverá aproveitar ao mérito da causa, pelo que os presentes autos se revelam inócuos na sua origem ou desfecho, não devendo o T. C. ser utilizado para “atribuir na secretaria o perdido no relvado”, pelo que é de toda a pertinência a citação do Juiz Conselheiro Jubilado do Tribunal Constitucional, Dr. C., quando, em artigo de 9 de Maio de 2003, referia que :
“Pena é que ocupando-se o Tribunal Constitucional de matérias tão pouco interessantes (...), perca o seu tempo em desfavor da sua função, verdadeiramente nobre e prestigiante, que é a de Juiz do Legislador”.» Por despacho de 13 de Maio de 2003, determinou-se a notificação do recorrente para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas que eventualmente impeçam o conhecimento de mérito, tendo sido apresentada, em 19 de Maio, a resposta que consta de fls. 212 a 227, à qual se seguiu novo requerimento no dia imediato.
3.Neste segundo requerimento referido, que consta de fls. 221 a 227, o requerente, além de tecer outras considerações, invoca a discrepância entre as rubricas e as assinaturas constantes do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional autenticado e as constantes da cópia com parte do texto imperceptível que lhe foi enviada para notificação, “agravando e avivando a suspeita existente
– confidenciada por fonte partidária bem colocada –, de que os parágrafos 2º, 3º e 4º da fl. 4 do acórdão foram acrescentados ao conteúdo aprovado e indevidamente assinado em nome do Presidente, falsificando a sua assinatura”. Em 4 de Junho de 2003, na sequência da notificação que para tal lhe foi feita, o requerido respondeu, alegando a extemporaneidade na apresentação do articulado de fls. 221, que o autor não suscitou nenhum incidente de falsidade e que os factos articulados não eram verdadeiros, e pedindo o seu desentranhamento dos autos. Em 8 de Julho de 2003, o relator, com vista à decisão das questões suscitadas nos autos, proferiu o seguinte despacho:
“O impugnado Conselho de Jurisdição Nacional do B. invoca, nos artigos 15º a 20º da sua resposta à impugnação deduzida contra o acórdão n.º 2/2002, de 19 de Setembro de 2002, pelo impugnante A., que a petição é extemporânea, atento o disposto no n.º 4 do artigo 103º-C da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e o facto de a petição só ter dado entrada no Tribunal Constitucional em 10 de Outubro de 2002, datando o acórdão impugnado de 19 de Setembro do mesmo ano, sendo que, conforme afirma, ‘em acto contínuo, os serviços de secretariado fizeram, de imediato, seguir cópia do mesmo, chegando então ao conhecimento’. Assim, notifique o Conselho de Jurisdição Nacional do B. para, no prazo de dez dias, juntar a prova documental referente à notificação ao impugnante do referido acórdão”. Em 18 de Julho de 2003, veio o requerido solicitar a prorrogação do prazo por 60 dias, o que lhe foi concedido por despacho de 23 de Julho. E, em 12 de Setembro de 2003, veio requerer a junção aos autos de 8 documentos (fls. 248 dos autos). Imediatamente o autor, tendo recebido tais documentos do requerido, veio aos autos (a fls. 259) pronunciar-se no sentido de que parte dos documentos juntos nunca haviam sido por si recebidos, sugerir que podem ter sido “fabricados a posteriori para inglês ver”, e reiterar que nunca foi notificado, nem do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional, nem do acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital de ------- do B., tendo junto um documento. Em 24 de Setembro de 2003, o relator proferiu o seguinte despacho:
“O documento junto a fls. 249 dos autos não se refere à notificação ao recorrente do acórdão n.º 2/2002, do Conselho de Jurisdição Nacional do B.. Notifique o autor do requerimento de fls. 248 para, em 10 dias, apresentar a respectiva prova e informar o que tiver por conveniente, dando-se-lhe igualmente a conhecer o requerimento de fls. 259 e documentação agora junta.” O requerido veio então aos autos dizer o seguinte:
«B. – Conselho de Jurisdição Nacional, vem, em obediência ao douto despacho a fls. 271, dizer o seguinte:
1º Os documentos apresentados são parte da prova dos factos articulados e o impugnante bem sabe que foi notificado de todas as decisões. Aliás,
2º O impugnante confessa, no articulado que juntou em 19.9.2003, que tomou conhecimento do acórdão “alguns dias depois” e que foi com base nesse documento que alinhou o recurso.
3º Se mais fundamentos não houvesse tal confissão é bastante para esclarecer o Tribunal sobre o conhecimento do documento impugnado pelo impugnante e ainda da data em que o mesmo, em última análise, o teria conhecido, o que expressamente se alega para efeitos do n.º 4 do artigo 103º-C, aplicável aos autos pelo n.º 3 do artigo 103º-D, na parte em que dispõe sobre a tempestividade dos recursos para o Tribunal Constitucional.
4º Como é bem fácil de ver, e conforme aliás é confessado pelo próprio, o impugnante teve conhecimento imediato da decisão que pretende ver anulada, tendo interposto o seu recurso fora de prazo, pelo que o mesmo não deverá prosseguir, com as necessárias consequências legais.
5º Por outro lado, não tem também qualquer razão em invocar pretensa falsidade de prova ou de documentos, como pretende fazer crer no seu requerimento de fls.259.
É que,
6º Como é também fácil de ver, o impugnante poderia ter requerido o incidente de falsidade que diz existir através do respectivo incidente, regulado no Código de Processo Civil, nos artigos 554º e ss.
7º Não o tendo feito, podendo fazê-lo, nega a existência de qualquer falsidade, como facilmente se alcança.»
4.Em 7 de Outubro de 2003 os presentes autos foram redistribuídos, por ordem verbal do Ex.mº Cons. Presidente do Tribunal Constitucional, pois o seu relator deixou de integrar a composição deste Tribunal. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
5.Importa começar por averiguar se a presente lide está correctamente constituída, ou se existem questões prévias que obstem ao conhecimento do fundo, uma vez que a entidade requerida invoca a falta de vários pressupostos processuais. Começando pela alegação de que a acção não poderia prosseguir, por o autor não ter constituído mandatário judicial, faltando o patrocínio judiciário (que, por remissão para o artigo 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, afirma ser indispensável – cf. o artigo 23º do texto da contestação, a fls. 119 dos autos), pode desde já concluir-se pela sua improcedência. Na verdade, dispõe o artigo 103º-C, n.º 6, daquela Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – abreviadamente Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro) –, que é aplicável também às acções previstas no artigo 103º-D por força do seu n.º 3:
“(…)
6 – Aplica-se ao julgamento da impugnação o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo
102.º-B, com as adaptações necessárias, devendo a decisão do Tribunal, em secção, ser tomada no prazo de 20 dias a contar do termo das diligências instrutórias.
(…)” Por sua vez, preceitua este artigo 102º-B, n.º 6:
“(…)
6 — Nos recursos de que trata este artigo não é obrigatória a constituição de advogado.” Independentemente de quaisquer outras considerações, pode, assim, concluir-se, que o autor não carecia de constituir advogado para a presente acção.
6.Afirma a entidade demandada que a presente acção é extemporânea, por o autor não ter cumprido o prazo previsto no n.º 4 do art.º 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, “aplicável pelo n.º 3 do art.º 103º-D”, concluindo que “a
‘primeira’ P.I. terá de ser considerada como extemporânea, tal qual a ‘segunda’, por maioria de razão.” O prazo para a apresentação da petição da presente acção no Tribunal Constitucional é, na verdade, nos termos do artigo 103º-C, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, aplicável por força do artigo 103º-D, n.º 3, do mesmo diploma, de “5 dias a contar da notificação da deliberação do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade ou regularidade do acto eleitoral” – mutatis mutandis, no caso do artigo 103º-D, da legalidade ou regularidade da decisão punitiva (n.º 1, primeira alternativa, deste artigo) ou da deliberação que for impugnada (n.º 1, segunda alternativa, e n.º 2 do mesmo artigo ). Ora, no presente caso a decisão impugnada – o acórdão n.º 2/2002, do Conselho de Jurisdição Nacional do B. – tem a data de 19 de Setembro de 2002 e a petição inicial deu entrada no Tribunal Constitucional em 10 de Outubro de 2002, tendo depois sido aperfeiçoada pelo autor, na sequência de um despacho do relator a convidá-lo para tanto. Logo na petição inicial, e depois, em vários outros requerimentos – designadamente, no já referido, de fls. 259 – o autor veio, por outro lado, afirmar que nunca foi notificado do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional (nem, aliás, segundo afirma, do anterior acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital de ------- do B. – notificação, esta, que não releva para a extemporaneidade da presente acção). Conforme resulta do despacho do anterior relator do presente processo, de 24 de Setembro de 2003, não pode considerar-se, na verdade, que o documento junto pela entidade requerida, a fls. 249 dos autos, prove a notificação do acórdão n.º
2/2002, do Conselho de Jurisdição Nacional do B., ao autor, tendo, portanto, a entidade demandada sido notificada para, num prazo de 10 dias, “apresentar a respectiva prova e informar o que tiver por conveniente”. Na sequência deste despacho, a entidade demandada veio afirmar que tal documento constituía apenas parte da prova, resultando a notificação imediata ao autor logo de confissão deste, ao afirmar que “tomou conhecimento do acórdão ‘alguns dias depois’ e que foi com base nesse documento que alinhou o recurso”. Como é evidente, o simples facto de, como no presente caso, a petição ter dado entrada no Tribunal, e de se referir a uma decisão que o autor terá conhecido melhor ou pior, não pode, porém, ser considerado como qualquer confissão da data da notificação dessa decisão ao autor de tal petição. Não se encontra, aliás, nos autos, qualquer prova da data desta notificação, apesar de o demandado ter sido convidado a efectuá-la. Assim, por não se poder comprovar a notificação do acórdão impugnado ao demandante, não pode igualmente confirmar-se o dies a quo do prazo de cinco dias previsto nas citadas disposições da Lei do Tribunal Constitucional. Por esta razão – aliás, semelhante à que é invocada na própria decisão recorrida, quanto
à notificação do acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital de -------- e consequente tempestividade da impugnação dessa decisão –, não pode considerar-se procedente a alegação de extemporaneidade da presente acção.
7.Afirma igualmente o demandado que o impugnante não teria justificado a sua qualidade de militante com legitimidade para o pedido, pelo que não teria cumprido a obrigação imposta pelo n.º 2 do artigo 103º-C Lei do Tribunal Constitucional, aplicável por força do disposto no n.º 3 do art.º 103º-D do mesmo diploma legal. Também esta questão prévia tem, porém, de ser julgada improcedente.
É certo que o artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional dispõe no seu n.º
1 que as acções aí previstas apenas podem ser instauradas por militantes (tal como as previstas no artigo 103º-D da mesma Lei), e que o n.º 2 desse artigo
103º-C, aplicável por força do artigo 103º-D, n.º 3, preceitua que o “impugnante deve justificar a qualidade de militante com legitimidade para o pedido e deduzir na petição os fundamentos de facto e de direito, indicando, designadamente, as normas da Constituição, da lei ou dos estatutos que considere violadas.” Segundo o demandado, o autor não teria justificado a sua qualidade de militante, não fazendo, assim, “prova da sua legitimidade para estar em juízo”. Tal alegação não pode, porém, considerar-se procedente. Na verdade, o impugnante justificou a sua qualidade de militante – militante n.º
------ do B., inscrito na secção de ------ – logo com a petição inicial, juntando parte de uma relação de votantes da assembleia de secção de ------- do B. da qual ele consta, e juntando cópia (embora não autenticada) da decisão recorrida, na qual o impugnante aparece identificado como “militante n.º ------- do B.” (v. fls. 8 e 9 dos autos, e, para a cópia autenticada, enviada pela entidade recorrida, fls. 87). Não só da própria decisão recorrida, mas também de outros elementos juntos pelo autor e pela entidade demandada – v., por exemplo, a cópia dos cadernos eleitorais a fls. 187 e seg. dos autos – resulta, pois, a qualidade de militante daquele. O demandante veio, mais recentemente, na peça de fls. 286, entregue em 10 de Outubro de 2003, juntar também cópia de página dos cadernos eleitorais para o acto que foi anulado pela decisão recorrida, dos quais consta o impugnante (cfr. fls. 289 dos autos). E foi, aliás, por ser militante que o demandante pôde candidatar-se ao acto eleitoral anulado – cfr. o artigo 4º do Regulamento Eleitoral do B., junto pelo demandado, a fls. 204 dos autos (não tendo também, aliás, a falta dessa qualidade sido sequer invocada na decisão recorrida, que anulou o acto eleitoral). Pode, assim, considerar-se preenchido o pressuposto exigido pelo artigo 103º-C, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (aplicável por força do artigo 103º-D, n.º 3, da mesma Lei), por o autor ter justificado a sua qualidade de militante.
8.Antes de prosseguir, importa notar que o autor veio, pelo seu requerimento de fls. 221 a 227, que deu entrada no Tribunal Constitucional em 20 de Maio de
2003, invocar uma discrepância entre as rubricas e as assinaturas constantes do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional autenticado e as constantes da cópia com parte do texto imperceptível que lhe foi enviada para notificação, o que, segundo afirma, agravaria e avivaria “a suspeita existente – confidenciada por fonte partidária bem colocada –, de que os parágrafos 2º, 3º e 4º da fl. 4 do acórdão foram acrescentados ao conteúdo aprovado e indevidamente assinado em nome do Presidente, falsificando a sua assinatura”. Todavia, como bem salienta o demandado, o autor não suscitou qualquer incidente de falsidade do documento junto por este – a decisão recorrida, a fls. 87 e segs. dos autos. Tem, pois, de concluir-se que as afirmações constantes do citado requerimento não se traduziram em qualquer pedido a este Tribunal, consistindo em considerações que apenas veiculam uma impressão ou suspeita subjectiva do autor, que, porém, como é evidente, não compete a este Tribunal aprofundar.
9.Alega o demandado que o impugnante não deduziu, como lhe era exigido pelo n.º
2 do artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, “os fundamentos de facto ou de direito, indicando, designadamente, as normas da Constituição, da Lei ou dos Estatutos que considere violadas”, carecendo, assim, este pedido de causa de pedir e de fundamentação. Esta alegação não pode, porém, ser considerada procedente. Na verdade, como resulta da petição inicial, o autor pretende que o Tribunal Constitucional “anule a decisão do Conselho de Jurisdição Nacional do B. no concernente à repetição das eleições para a Concelhia de --------- realizadas no dia 20 de Abril de 2002”, e invoca, nesse sentido (cfr. o ponto III da petição), a ilegalidade e a violação dos estatutos do B. por esta decisão, designadamente,
“porque viola o n.º 4 do artigo 7º do Regulamento Eleitoral, que afirma preto no branco que os cadernos eleitorais são remetidos pela Secretaria Geral à mesa da Assembleia respectiva até ao sétimo dia anterior ao da eleição”, e, ainda, por alegada incompetência do Conselho de Jurisdição Nacional do B. para anular actos eleitorais para secções concelhias (cfr. o ponto V da petição). O presente pedido não está, pois, destituído de causa de pedir nem de fundamentação, não sendo isto obstáculo à sua apreciação. Diversa é, porém, a questão de saber se a apreciação do pedido se inclui nas competências do Tribunal Constitucional, e, em caso afirmativo, de saber como deve a presente acção ser qualificada.
10.A questão de saber se a competência para conhecer da presente acção cabe ao Tribunal Constitucional pressupõe o confronto com as normas da Lei do Tribunal Constitucional que prevêem a competência deste Tribunal para decidir acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos partidários, para averiguar se o presente pedido se enquadra nalguma destas acções. Estas normas foram introduzidas na Lei do Tribunal Constitucional apenas com a alteração produzida neste diploma pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(sendo certo que a recente Lei dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto – e, portanto, posteriormente à interposição da presente acção –, se limita no seu artigo 31º a remeter, quanto
à impugnabilidade judicial, para os “termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional”). Com efeito, após a IV revisão constitucional, de 1997, o artigo 223º, n.º 2, alínea h), da Constituição veio atribuir ao Tribunal Constitucional competência para julgar “acções de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis”. Na sequência desta revisão, a citada Lei n.º 13-A/98 veio aditar à Lei do Tribunal Constitucional os artigos 103º-C, 103º-D e 103º-E, dispondo o primeiro sobre “acções de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos”, o segundo sobre “acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos” (com remissão, no seu n.º 3, para os n.ºs 2 a 8 do artigo 103º-C, com as necessárias adaptações, no que respeita ao processo), e o último sobre a suspensão de eficácia das eleições ou deliberações impugnáveis. A lei veio, assim, prever expressamente a competência do Tribunal Constitucional, pelas secções, para conhecer de pedidos de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos e de (certas) deliberações de
órgãos dos partidos, bem como dos pedidos de suspensão de eficácia destas deliberações. O Tribunal Constitucional teve ainda poucas ocasiões para se pronunciar sobre a interpretação destas disposições, designadamente, no que toca ao alcance das competências que lhe vieram por elas a ser atribuídas. Pode dizer-se que o fez apenas a propósito das acções previstas no artigo 103º-D da citada Lei – de impugnação de certas decisões ou deliberações de órgãos dos partidos –, em dois arestos. Assim, disse-se no Acórdão n.º 361/2002 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) deste Tribunal:
«Nos termos dos artigos 10º, n.º 2 e 51º, n.º 1, da Constituição da República, os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito, entre outros, pelo princípio da democracia política. A Constituição, que reconhece aos partidos políticos certos direitos (cfr. os artigos 40.º, n.º 1, 114º e 151º, n.º 1, relativo, este último, à apresentação de candidaturas nas eleições para a Assembleia da República), fixou, como
“princípios” relativos ao seu funcionamento, os da “transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros”
(artigo 51º, n.º 5, da Constituição). Pode dizer-se que tais princípios são vistos como correlato necessário do papel constitucional dos partidos políticos na formação, organização e expressão da vontade política dos cidadãos: uma democracia em grande medida de partidos não pode prescindir, como sua condição funcional, de exigências de democracia também nos partidos (isto, mesmo que sem relação directa com a ideia de “inimizade constitucional”, como refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed., Coimbra,
2002, pág. 318). Já, aliás, antes da revisão constitucional de 1997, o princípio da gestão democrática se encontrava enunciado, para as associações sindicais, no artigo
55º, n.º 3, da Constituição da República. E, para os partidos políticos, essa
“forma particularmente importante das associações de natureza política”, já antes de 1976 o Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, que regulamentou a sua actividade, previa, no artigo 7º, sob a epígrafe “Princípio democrático”, que a organização interna de cada partido devia, entre outras, satisfazer as condições de os seus estatutos e programas serem “aprovados por todos os filiados ou por assembleia deles representativa”, e de os titulares dos órgãos centrais serem
“eleitos por todos os filiados ou por assembleia deles representativa”, dispondo-se, também, que os “estatutos devem conferir aos filiados meios de garantia dos seus direitos, nomeadamente através da possibilidade de reclamação ou recurso para os órgãos internos competentes” (artigo 17º, n.º 2). Em concretização do artigo 223º, n.º 1, alínea h), da Constituição, a Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (“Lei do Tribunal Constitucional”, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro) veio prever, nos seus artigos 103º-C e 103º-D, acções de “impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos” e de “impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos” (e respectivas medidas cautelares – artigo 103º-E do citado diploma). Quanto a esta última acção, distingue-se, no referido artigo 103º-D, entre, por um lado (n.º 1), a impugnação, “com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária”, de “decisões punitivas” dos órgãos partidários tomadas em processo disciplinar em que seja arguido o impugnante, ou de “deliberações dos mesmos órgãos que afectem directa e pessoalmente os seus direitos de participação nas actividades do partido”, e, por outro lado (no n.º 2), a impugnação, por “qualquer militante” de quaisquer deliberações dos órgãos partidários, mas apenas “com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido” (a solução do projecto de alteração à Lei do Tribunal Constitucional, que previa a possibilidade de impugnação de deliberações partidárias por qualquer militante, com fundamento em incompetência, preterição de regras de forma ou procedimentais, motivara reservas à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, expressas no respectivo relatório – Diário da Assembleia da República, cit., II série-A, n.º 32, de 19 de Fevereiro de 1998, pág. 625 –, tendo, na sequência, sido alterado o projectado n.º 2 do artigo
103º-D – cfr., porém, ainda assim, a declaração de voto do P.C.P., no Diário, cit., I série, n.º 41, de 19 de Fevereiro de 1998, pág. 1389). Não é agora necessário apurar precisamente se este regime veio alargar ou restringir possibilidades de controlo judicial que já resultariam de um regime geral anterior, ou se, no que ora interessa, veio simplesmente concentrar no Tribunal Constitucional a competência para esse controlo – encontrando-se, aliás, referência a tal questão logo no debate da norma constitucional citada
(v. o Diário..., cit., II série, n.º 24, de 19 de Setembro de 1996, pág. 713, e I série, n.º 102, de 30 de Julho de 1997, pág. 3867). Basta considerar que tal regime não conduz a uma ingerência estatal, constitucionalmente inadmissível, na liberdade de funcionamento dos partidos políticos, pois limita-se a prever mecanismos indispensáveis à garantia dos princípios constitucionais e legais enunciados (a alteração acolhida pelo legislador parlamentar, que o P.C.P. refere na sua resposta, não se reportou, aliás, à impugnação de decisões punitivas, mas apenas ao n.º 2 do artigo 103º-D da Lei do Tribunal Constitucional). Pode, mesmo, na decorrência dos princípios constitucionais referidos, defender-se que é a própria protecção dos direitos dos militantes, em conjugação com a garantia constitucional de acesso aos tribunais, a requerer a possibilidade de um controlo judicial externo de decisões disciplinares punitivas, o qual não conflitua com a liberdade partidária, desde logo, “na medida em que a intensidade de controlo seja diferenciada e em que, para protecção da autonomia dos partidos, sejam previamente esgotadas as vias jurídicas internas”, como pressuposto para o controlo judicial externo (assim, Martin Morlok, Grundgesetz–Kommentar, org. por Horst Dreier, vol. II, 1998, pág.
306, em anotação ao artigo 21º, n.º 1, 3, da Lei Fundamental alemã – segundo o qual a ordenação interna dos partidos tem de obedecer a princípios democráticos
–, e defendendo, ainda, que o controlo da aplicação de regras jurídicas estatutárias, como as disciplinares, para além da base factual e das regras de processo aplicáveis, poderá ter apenas o alcance de um “controlo de plausibilidade, isto é, do arbítrio”).» E no Acórdão n.º 185/2003 (igualmente acessível em
www.tribunalconstitucional.pt), por sua vez, escreveu-se:
«3.3 – O preceito ao abrigo do qual os impugnantes intentam a presente acção – o artigo 103º-D da LTC – foi aditado à Lei que regula a “organização, funcionamento e processo” do Tribunal Constitucional pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e decorre das alterações que a revisão de 97 introduziu na Constituição, num sentido que, sendo um “sinal dos tempos”, nas palavras de Garrorena Morales (“Hacia un analisis democratico de las disfunciones de los partidos”, in “Teoria y práctica de los partidos políticos”, Cuadernos para el dialogo, p. 71), se caracteriza, segundo o mesmo autor, como de “intensificação progressiva do controlo normativo e, portanto estatal, sobre os partidos políticos”. Esta revisão, na parte que para o caso releva, aditou ao artigo 51º os n.ºs 5 e
6, que consagram “princípios” de organização e funcionamento dos partidos políticos (n.º 5) e remetem para a lei o estabelecimento de regras de financiamento quanto aos requisitos e limites do financiamento público , bem como às exigências de publicidade do património e das contas dos mesmos partidos. Tem para o caso especial relevância a consagração constitucional do dever dos partidos políticos de se regerem “pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da participação de todos os seus membros”. A discussão parlamentar deste aditamento (in DAR – II-A – RC n.º 24, de
19/09/96), proposto pelo grupo parlamentar do PS, elucida o que, com ele, se pretendeu. Disse, então, o Deputado D. que o aditamento traduz: “(...) a transposição explícita de princípios constitucionais para a vida interna dos partidos, porque não faria sentido que algumas regras constitucionais do Estado democrático não fossem absorvidas na prática quotidiana dos partidos políticos”. Justifica-o, igualmente, o Deputado E., com “(...) a importância que os partidos políticos têm na organização do Estado e a influência que a vontade de cada um dos partidos tem dentro da arquitectura constitucional em que são inseridos.” Assinale-se que, na mesma discussão, não foi questionada a aceitação daqueles princípios, incidindo, antes, sobre a eficácia da sua consagração
“constitucional” para a vida partidária e para o funcionamento interno dos partidos, a fiscalização da constitucionalidade das normas estatutárias dos partidos e a competência dos tribunais (do Tribunal Constitucional) para dirimir os conflitos internos dos partidos. Note-se, ainda, que a proposta, que veio a ser aprovada, não deixa de revelar uma certa “contenção” – justificável pela auto-regulação dos partidos, também constitucionalmente garantida –, sem a imposição de regras idênticas às estabelecidas no artigo 55º, n.º 3, da CRP para as associações sindicais, como propunha Jorge Miranda. Esta “contenção” veio, aliás, a ser evocada no procedimento que deu lugar à Lei n.º 13-A/98, no “Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 460/VII, apresentado pelo grupo parlamentar do PSD”, in DAR – II-A, n.º 32, de 19/02/98”, aprovado por unanimidade, onde se salientou que o artigo 51º, n.º 5, da CRP se reporta a “princípios” (não a “regras”), que “permitem o balanceamento de valores e interesses consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes” e, mais adiante, se realça “esta prudência do legislador constituinte”.
(…) Tratava-se, de resto, de princípios já consagrados em lei – o Decreto-Lei n.º
595/74, de 7 de Novembro – onde se impunha que a organização interna dos partidos satisfizesse as condições de (i) “não poder ser negada a admissão ou fazer-se exclusão por motivo de raça ou de sexo”, (ii) “serem os estatutos e programas aprovados por todos os filiados ou por assembleia deles representativa” e de (iii) “serem os titulares dos órgãos centrais eleitos por todos os filiados ou por assembleia deles representativa” (artigo 7º ), que os estatutos deviam “conferir aos filiados meios de garantia dos seus direitos, nomeadamente através da possibilidade de reclamação ou recurso para os órgãos internos competentes” (artigo 17º, n.º 1) e que o “ordenamento” disciplinar a que ficassem vinculados os filiados não podia “afectar o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei ou por regulamento” (artigo 19º). Na mesma revisão constitucional, foi aditada, entre outras, a alínea h) ao artigo 223º, n.º 2, da CRP (antes, artigo 225º), atribuindo ao Tribunal Constitucional a competência para “Julgar as acções de impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis”. Regra apenas de competência, a ela não caberia determinar as decisões dos
órgãos partidários impugnáveis, o que foi relegado para a lei. E, do mesmo passo, não foram aí enunciados os fundamentos de impugnação admissíveis. Coube à citada Lei n.º 13-A/98 fazê-lo, como atrás se disse, aditando à LTC, entre outros, o artigo 103º-D que estabeleceu a impugnabilidade:
- das decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que o impugnante seja arguido e das deliberações dos mesmo órgãos que afectem directa e pessoalmente os direitos de participação do impugnante nas actividades do partido (n.º 1);
- das deliberações dos órgãos partidários com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido (n.º 2). Trata-se de regras que, simultaneamente, dispõem sobre o objecto e fundamentos da impugnação e sobre a legitimidade dos impugnantes. Assim, no que concerne à legitimidade, enquanto a impugnação prevista no n.º 1 só pode ser deduzida pelo militante que tiver sido punido ou directa e pessoalmente afectado nos seus direitos de participação nas actividades do partido, já na que se prevê no n.º 2 a legitimidade é conferida a qualquer militante sem que se exija um nexo especial entre a deliberação e o impugnante. Por outro lado, enquanto a impugnação prevista no n.º 1 pode ser deduzida “com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária”, a que se consagra no n.º 2 só é admissível “com fundamento em grave violação de regras essenciais
à competência ou ao funcionamento democrático do partido”. De salientar, a este propósito, o que se escreveu no citado “Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”:
“Esta prudência do legislador constituinte [reporta-se ao aditamento do n.º 5 ao artigo 51º da CRP] não deve esquecer-se na interpretação da alínea h) do artigo
223º da Constituição, introduzida na 4ª revisão constitucional.
É sob a forma de uma norma processual que se vem estabelecer que haverá impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis. O legislador constituinte deixou, assim, para a lei a tarefa de determinar que eleições e que deliberações de órgãos de partidos políticos seriam recorríveis. Tendo em conta o que atrás se deixa dito quanto às cautelas do legislador constituinte ao consagrar apenas princípios no n.º 5 do artigo 51º , e as razões de tais cautelas, também na consagração de competências do Tribunal Constitucional (que levam a definir regras jurídicas) deverão ser ponderados os limites das mesmas, por forma que, através de uma norma processual, se não vá exercer controlo sobre a actividade política dos partidos, o que contraria o estatuto dos mesmos. Ou seja: o que limitaria a organização da vontade popular e a expressão dessa mesma vontade”. E, mais adiante:
“As normas do projecto devem ser expurgadas de soluções excessivas, como acontece com a possibilidade de impugnação de deliberações com base em vícios de forma e violação de normas procedimentais” Foi na decorrência desta observação que veio a ser aprovada uma proposta de alteração do PS e do PSD ao que se propunha para o n.º 2 do artigo 103º-D
(impugnação com fundamento em vícios de forma ou violação de normas procedimentais) com um sentido claramente mais restritivo – “grave violação de regras essenciais ao funcionamento democrático do partido”, (e isto não sem que alguns parlamentares tenham deixado de expressar as suas reservas, como foi o caso do Deputado F. quando, a título pessoal, considerou: “Preferia ver isto reduzido à sua expressão ínfima porque creio que não é saudável para a democracia, e porque vivemos num sistema partidário, que qualquer tribunal, seja ele constitucional ou comum, se possa armar em juiz da vida interna dos partidos. Os partidos são associações políticas e como tal podem convencionar um tribunal arbitral – aliás, os seus órgãos de conflitos internos, os seus órgãos internos jurisdicionais são verdadeiros tribunais arbitrais. Nos partidos, quem não está bem muda-se”). No caso em apreço – impugnação de decisões punitivas pelos arguidos sancionados
– se não se legitimam dúvidas sobre o sentido do fundamento “violação de regra estatutária”, já no que respeita ao fundamento de “ilegalidade” se perfilam algumas interrogações. Desde logo a de saber a que “lei” se reporta este fundamento. A única lei, pertinente ao caso, que vigora no nosso ordenamento jurídico, é, ainda, com sucessivas alterações e revogações, o citado Decreto-lei n.º 595/74, cujos preceitos mais salientes na matéria são os já acima enumerados, em particular, os artigos 17º e 19º. E mesmo estes dirigem-se directamente aos estatutos dos partidos enquanto os vinculam a “conferir aos filiados meios de garantia dos seus direitos, nomeadamente através da possibilidade de reclamação ou recurso para os órgãos internos competentes” e estabelecem a proibição de o
“ordenamento disciplinar” partidário “afectar o exercício e o cumprimento dos deveres prescritos pela Constituição, por lei ou por regulamento”, o que, no
âmbito do processo em causa, lhes retira uma directa operatividade, sem embargo do que adiante se diz sobre a invocação da violação do citado artigo 19º como causa de pedir da presente acção. Por outro lado, não há, obviamente, analogia possível que legitime o apelo a outras leis reguladoras de disciplina (como sejam, p. ex., os estatutos disciplinares da função pública). Neste contexto, e não sendo pródigos alguns estatutos dos partidos políticos portugueses em normas disciplinares ou, mais particularmente, de procedimento disciplinar (em matéria de garantias dos militantes visados, os Estatutos do PCP limitam-se a estabelecer, nos artigos 60º e 62º, os direitos de audiência prévia e de recurso), a bem pouco se reduziriam, pois, os fundamentos de impugnação de deliberações punitivas. A verdade, porém, é que, no caso, a garantia estatutária de audição prévia não se traduz apenas no direito do filiado a uma pronúncia sobre os factos que lhe são imputados. Esse direito, para ser efectivo, postula, desde logo, certas exigências a cumprir pela peça acusatória, como sejam a de assentar em factos concretos identificados ou identificáveis, a de indicar os deveres ofendidos e a de valorar disciplinarmente as condutas sancionáveis. Por outro lado, há-de proporcionar-se ao filiado a possibilidade de oferecer prova aos factos que alega em sua defesa. Considerando, depois, a deliberação punitiva (bem como a que vier a decidir o recurso dela interposto), impõe-se de igual modo que ela esteja fundamentada, com a indicação dos factos provados e do seu enquadramento jurídico-disciplinar. Tudo, aliás, é decorrência dos direitos de audiência e defesa garantidos, quer pelos estatutos, quer indirectamente pelo disposto no artigo 17º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 595/74. Mas, sobretudo, entendendo-se – como se entende – que no “bloco de legalidade” a que estão sujeitas as deliberações punitivas dos partidos se devem integrar, por força da sua aplicação directa, os comandos constitucionais pertinentes, em matéria de direitos liberdades e garantias – em particular, as garantias de audiência e defesa aplicáveis, nos termos do artigo 32º, n.º 10, da Constituição
“em quaisquer processos sancionatórios” –, não pode deixar de se considerar lícita a invocação da violação desses preceitos na acção de impugnação prevista no artigo 103º-D, n.º 1, da LTC.» Nos casos analisados por estes acórdãos, estava em causa uma decisão punitiva aplicada por um órgão partidário – e, portanto, a acção prevista no n.º 1 do artigo 103º-D da Lei do Tribunal Constitucional. É diversa a hipótese dos presentes autos.
11. Importa qualificar a presente acção, em face do teor do pedido e da configuração da deliberação que com ela se visa impugnar, designadamente, para a confrontar com as normas que prevêem a competência do Tribunal Constitucional para conhecer de acções de impugnação de deliberações de órgãos partidários. Tal necessidade de qualificação resulta, na verdade, e desde logo, da circunstância de não poderem ser impugnadas perante o Tribunal Constitucional todas as deliberações de órgãos partidários, mas apenas, como se pode ler no artigo 223º, n.º 2, alínea h), da Constituição, aquelas “que, nos termos da lei, sejam recorríveis”. Não tem, pois, o Tribunal Constitucional competência para decidir a impugnação de toda e qualquer deliberação de órgãos partidários, por violação de lei ou de disposição estatutária. Antes o legislador constitucional apenas se referiu às deliberações que sejam recorríveis nos termos da lei, remetendo, pois, para o legislador ordinário, a determinação dessas deliberações, sem precisar o alcance da sua recorribilidade – a qual, dentro de certos limites, pode ser fixada pelo legislador em termos mais ou menos amplos. No domínio da recorribilidade de deliberações de órgãos de partidos políticos, não só, portanto, o legislador constitucional não fixou que deliberações serão recorríveis, como remeteu para a lei esta fixação. Ao nível da lei ordinária, reconhece-se uma tipicidade das acções previstas, para impugnação de deliberações dos órgãos partidários, que podem ser interpostas perante o Tribunal Constitucional. Assim, as normas aditadas pela citada Lei n.º 13-A/98 referem-se apenas a certos tipos de deliberações, ou a um determinado tipo de controlo – designadamente, àqueles que foram considerados mais importantes para assegurar os princípios da organização e gestão democráticas dos partidos políticos, sem, por outro lado, “judicializar” a respectiva vida interna, correndo o risco de tolher a sua liberdade de acção política e o seu espaço de afirmação, interna e externamente. As acções relativas a deliberações de partidos políticos (incluindo deliberações sobre eleições) cuja apreciação compete ao Tribunal Constitucional podem, assim, ser: a) nos termos do artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, acções de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos; ou b) nos termos do artigo 103º-D do mesmo diploma, acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos, as quais, por sua vez, podem ser:
i. quer decisões punitivas, tomadas em processo disciplinar de que é arguido o autor
(artigo 103º-D, n.º 1, primeira alternativa);
ii. quer deliberações que afectem directa e pessoalmente os direitos de participação nas actividades do partido por parte do autor (artigo 103º-D, n.º 1, segunda alternativa);
iii. quer, ainda, outras deliberações dos órgãos partidários, mas apenas com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido (artigo 103º-D, n.º 2). Na Lei do Tribunal Constitucional apenas estão previstas estas acções de impugnação de deliberações de órgãos partidários, nos artigos 103º-C e 103º-D, sendo claro o intuito limitador, quer quanto ao objecto das acções previstas
(não se referindo, por exemplo, um amplo “contencioso eleitoral”, ou genericamente “recursos relativos a eleições”, como nos artigos 102º e 102º-D da Lei do Tribunal Constitucional), quer quanto aos fundamentos dessas acções (que, para a generalidade das deliberações de órgãos partidários, exigem a qualificação prevista no artigo 103º-D, n.º 2). Recorde-se, na verdade, que, como se observou no passo atrás transcrito do citado acórdão n.º 361/2002, “a solução do projecto de alteração à Lei do Tribunal Constitucional, que previa a possibilidade de impugnação de deliberações partidárias por qualquer militante, com fundamento em incompetência, preterição de regras de forma ou procedimentais, motivara reservas à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, expressas no respectivo relatório – Diário da Assembleia da República, cit., II série-A, n.º 32, de 19 de Fevereiro de 1998, pág. 625 –, tendo, na sequência, sido alterado o projectado n.º 2 do artigo 103º-D”. E recorde-se, ainda, o que, ainda sobre o elemento histórico, se disse mais extensamente, para a interpretação das novas normas da Lei do Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 185/2003, com referência às acções previstas no artigo 103º-D dessa Lei:
«(...) enquanto a impugnação prevista no n.º 1 pode ser deduzida “com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária”, a que se consagra no n.º 2 só
é admissível “com fundamento em grave violação de regras essenciais à competência ou ao funcionamento democrático do partido”. De salientar, a este propósito, o que se escreveu no citado “Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”:
“Esta prudência do legislador constituinte [reporta-se ao aditamento do n.º 5 ao artigo 51º da CRP] não deve esquecer-se na interpretação da alínea h) do artigo
223º da Constituição, introduzida na 4ª revisão constitucional.
É sob a forma de uma norma processual que se vem estabelecer que haverá impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis. O legislador constituinte deixou, assim, para a lei a tarefa de determinar que eleições e que deliberações de órgãos de partidos políticos seriam recorríveis. Tendo em conta o que atrás se deixa dito quanto às cautelas do legislador constituinte ao consagrar apenas princípios no n.º 5 do artigo 51º , e as razões de tais cautelas, também na consagração de competências do Tribunal Constitucional (que levam a definir regras jurídicas) deverão ser ponderados os limites das mesmas, por forma que, através de uma norma processual, se não vá exercer controlo sobre a actividade política dos partidos, o que contraria o estatuto dos mesmos. Ou seja: o que limitaria a organização da vontade popular e a expressão dessa mesma vontade”. E, mais adiante:
“As normas do projecto devem ser expurgadas de soluções excessivas, como acontece com a possibilidade de impugnação de deliberações com base em vícios de forma e violação de normas procedimentais” Foi na decorrência desta observação que veio a ser aprovada uma proposta de alteração do PS e do PSD ao que se propunha para o n.º 2 do artigo 103º-D
(impugnação com fundamento em vícios de forma ou violação de normas procedimentais) com um sentido claramente mais restritivo – “grave violação de regras essenciais ao funcionamento democrático do partido”, (e isto não sem que alguns parlamentares tenham deixado de expressar as suas reservas, como foi o caso do Deputado F. quando, a título pessoal, considerou: “Preferia ver isto reduzido à sua expressão ínfima porque creio que não é saudável para a democracia, e porque vivemos num sistema partidário, que qualquer tribunal, seja ele constitucional ou comum, se possa armar em juiz da vida interna dos partidos. Os partidos são associações políticas e como tal podem convencionar um tribunal arbitral – aliás, os seus órgãos de conflitos internos, os seus órgãos internos jurisdicionais são verdadeiros tribunais arbitrais. Nos partidos, quem não está bem muda-se”).» Bem se compreende, pois, a referida “contenção” do legislador constitucional, ao remeter para a lei ordinária a fixação das deliberações dos órgãos partidários que serão recorríveis, bem como a própria “contenção” do legislador ordinário, ao prever, sob a forma de disposições processuais, a impugnação apenas de algumas deliberações ou (quanto à hipótese do artigo 103º-D, n.º 2, da referida Lei – e ainda aqui, apenas depois de esgotados “todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade” da deliberação, nos termos do artigo 103º-C, n.º 3, aplicável por força do n.º 3 do artigo 103º-D) apenas um certo tipo de controlo.
12.No presente caso, o autor não qualificou expressamente a acção que pretendeu interpor, não se encontrando na petição inicial a referência à norma da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual a acção era interposta.
É, porém, seguro que a deliberação do Conselho Jurisdicional do B. que é impugnada pelo autor não é (diversamente do que acontecia nos casos sobre que versaram os citados arestos deste Tribunal) uma decisão punitiva – o acórdão n.º
2/2002, daquela entidade, não puniu o autor com qualquer sanção disciplinar, antes se limitou a anular o anterior acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital de ------, mantendo, porém, a anulação, embora com outro fundamento, do acto eleitoral para a secção concelhia de ------- daquele Partido. Pode, assim, desde já excluir-se a presente acção da hipótese prevista no artigo
103º-D, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, na sua primeira alternativa, que se refere à impugnação, por qualquer militante de um partido político “com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatuária, [d]as decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido”.
13.Tratando-se de uma acção pela qual se pretende a anulação de uma deliberação do Conselho Jurisdicional do B. relativa à impugnação de eleição de titulares de um órgão deste Partido – o acórdão n.º 2/2002, que anulou as eleições para a secção concelhia de ------ –, poderia, porém, pensar-se que a presente acção deveria ser enquadrada no artigo 103.º-C, que prevê acções de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos, que podem ser instauradas, designadamente, “por qualquer militante que, na eleição em causa, seja eleitor ou candidato” (como é o presente caso). Tal conclusão – que se abonaria na interpretação do citado artigo 103º-C como reportando-se genericamente a matéria eleitoral, independentemente do objecto da acção de impugnação – não seria, porém, procedente. No presente caso, importa notar, antes de mais – e embora tal se não considere decisivo –, que, apesar de o autor não ter indicado na petição inicial o artigo da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo do qual a acção vinha interposta, logo no primeiro despacho proferido neste processo, em 14 de Outubro de 2002, a convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial, o então relator no Tribunal Constitucional convidou o recorrente a “apresentar o seu pedido articuladamente e com observância do disposto no artigo 103º-C, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 103º-D do mesmo diploma legal”, e, designadamente, a “considerar, na respectiva peça processual, o disposto no n.º 1 deste artigo 103º-D”. Foi na sequência deste despacho que o autor veio a apresentar nova petição inicial, dizendo estar a dar-lhe cumprimento. Também posteriormente, aliás, o demandante não deixou de fazer referência a este artigo 103º-D, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo qual seria mandado aplicar ao presente processo o disposto no artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, depois de “já qualificado o processo e numerado”
(assim, a fls. 70 dos autos, no requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional a 20 de Dezembro de 2002). Apesar de o autor não qualificar precisamente a acção, foi também com referência a essa norma que o requerido contestou, fazendo referência ao artigo 103º-D da Lei do Tribunal Constitucional na sua contestação apresentada em 12 de Maio de 2003 – cfr., por exemplo, as conclusões A), C) e E). Pode, pois, observar-se que o demandante não contestou a qualificação e enquadramento do processo, pelo anterior relator, no artigo
103º-D da Lei do Tribunal Constitucional, e, de certa forma, aderiu mesmo a ela, sendo aqui acompanhado pelo demandado. Verifica-se, porém, decisivamente, que – independentemente de qualquer aquisição processual quanto à sua qualificação – a presente acção, apesar de ter origem numa decisão de um órgão partidário que se pronunciou num recurso de impugnação de uma eleição de titulares de órgãos partidários, se não pode enquadrar no artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, que apenas prevê “acções de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos”. Na verdade, o que o autor pretende com a acção interposta no Tribunal Constitucional é, não a anulação de uma eleição – não impugna esta –, mas a anulação do acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional, que, esse sim, anulou uma eleição de um órgão concelhio, na sequência da respectiva impugnação. O que o autor visa com a presente acção é, pois, não a impugnação da eleição, mas como que uma “confirmação” da validade do acto eleitoral, pela impugnação da respectiva decisão anulatória. Ora, uma tal acção de impugnação de decisão anulatória de eleição de titulares de órgãos partidários não pode ser considerada como a acção de impugnação de eleição, a interpor perante o Tribunal Constitucional, a que se refere o artigo 103º-C, da Lei do Tribunal Constitucional. Em certo sentido, a acção intentada pelo autor é, antes, o contrário de uma tal acção de impugnação – ou melhor, o efeito com ela visado é o contrário do visado com aquela impugnação. O entendimento do referido artigo 103º-C como reportando-se apenas à impugnação de eleição de titulares de órgãos partidários perante o Tribunal Constitucional
– e não genericamente a “matéria eleitoral” ou a um “contencioso eleitoral” partidário – é, na verdade, o que corresponde à letra desse preceito e à sua comparação com outros preceitos da Lei do Tribunal Constitucional. Esse artigo
103º-C não só não se refere a qualquer genérico contencioso eleitoral (ou genericamente a “recursos relativos a eleições” – cfr. as formulações amplas dos artigos 102º e 102º-D da Lei do Tribunal Constitucional), como, quando se refere
à impugnação interna das eleições – que deu origem à decisão anulatória impugnada na presente acção –, não emprega essa expressão, mas uma outra
(“apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral”), sendo, pois, a
“acção de impugnação de eleição”, para o artigo 103º-C, da Lei do Tribunal Constitucional, apenas aquela que é intentada perante o Tribunal Constitucional. Tal entendimento é, por outro lado, justificado pela preocupação em evitar, quando do acto impugnado não resultou a ocupação dos órgãos partidários por certos titulares – mas antes que a sua escolha ficou em aberto –, uma excessiva intervenção judicial na vida partidária interna, para controlar estritamente o respeito por todas as normas legais ou estatutárias aplicáveis. Na verdade, não se impõe o entendimento de que a “acção de impugnação de eleição” – rectius, o contencioso eleitoral – há-de necessariamente poder ser iniciada, tanto pela parte que não obtenha ganho de causa internamente, não conseguindo ver a eleição impugnada, como pela parte contrária, interessada na não impugnação, que vê a eleição anulada. É que o efeito das decisões a impugnar – de não anulação da eleição ou da sua anulação – é bem diverso, não só sob o ponto de vista jurídico, como sob o ponto de vista, particularmente relevante, da democraticidade interna do partido – enquanto uma decisão confirma certas pessoas como titulares eleitos de órgãos dos partidos, a outra anula essa eleição e deixa tal titularidade em aberto, dependente de novo acto eleitoral. Não se impõe, portanto, qualquer assimilação global do tratamento de toda a matéria eleitoral partidária, quanto à sua impugnabilidade perante o Tribunal Constitucional. Antes se compreende que o legislador parlamentar – na linha da referida “contenção” quanto à intromissão judicial na vida partidária, que, como se viu, influenciou decisivamente a conformação final das hipóteses dos artigos
103º-C e 103º-D, da Lei do Tribunal Constitucional – tenha decidido distinguir, limitando a impugnabilidade judicial, com fundamento em violação de qualquer disposição legal ou estatutária, à própria eleição, de que resulta a escolha de certos titulares dos órgãos partidários. E nem se diga que tal interpretação do referido artigo 103º-C – inculcada pelo elementos literal, sistemático e histórico, e, sobretudo, com justificação nos diversos efeitos dos actos impugnados, quer sob o ponto de vista estritamente jurídico, quer para a democraticidade partidária interna – aniquila a possibilidade de tutela judicial efectiva contra decisões anulatórias de actos eleitorais, uma vez que sempre uma decisão anulatória, como a que está em causa, pode ser impugnada por qualquer militante, nos termos do artigo 103º-D, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, “com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido”. A presente acção, visando a impugnação de uma decisão que anulou uma eleição de titulares de órgão partidário não pode, pois, ser considerada como prevista no artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, apenas cabendo a sua apreciação na competência deste Tribunal se for qualificada como interposta ao abrigo do artigo 103º-D desse diploma (como, aliás, recorda-se, a entenderam também, quer o anterior relator deste processo, quer o demandado e o próprio demandante).
14.O artigo 103º-D da Lei do Tribunal Constitucional prevê, como se disse, acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos, mas restringe essa impugnação, no n.º 1, a certos tipos de deliberações, e, no seu n.º 2, alargando as deliberações impugnáveis, limita, porém, os fundamentos dessa impugnação – e, consequentemente, também o controlo que o Tribunal Constitucional poderá efectuar. Ora, começando por considerar as hipóteses do n.º 1 deste artigo 103º-D, excluiu-se já a possibilidade de qualificação da presente acção como acção de impugnação de decisão punitiva. Resta, pois, a segunda alternativa desse n.º 1, isto é, a possibilidade de se estar perante uma acção de impugnação de deliberação de órgão partidário que afecte directa e pessoalmente os direitos do autor de participação nas actividades do partido. O Tribunal Constitucional é competente para conhecer de uma tal acção, assim configurada a impugnação como de uma deliberação que tenha afectado directa e pessoalmente os direitos do autor de participação nas actividades do partido. Não pode, porém, considerar-se que o autor tenha legitimidade para interpor uma tal acção, desde logo, em face dos próprios factos por ele invocados– isto é, mesmo que estes factos sejam todos verdadeiros (e, portanto, independentemente de qualquer instrução e da consequente prova ou não destes factos referidos na petição). Na verdade, o demandante impugna uma deliberação do Conselho Jurisdicional do B. que anulou o acto eleitoral realizado para os órgãos desta secção concelhia em
20 de Abril de 2002, alegando, em resumo, que o Conselho Jurisdicional não dispunha de competência para tal anulação e que a anulação se baseou num fundamento que viola o disposto no artigo 7º, n.º 4, do Regulamento Eleitoral do B., o qual tornaria legítima a recusa de complementos aos (ou de novos) cadernos eleitorais não enviados à mesa da assembleia respectiva até ao sétimo dia anterior à eleição, sendo que no caso concreto os cadernos em questão apenas teriam sido enviados na véspera ou, mesmo, apresentados no momento da abertura das urnas. Ora, seja como for, quer quanto à prova dos factos alegados pelo demandante, quer quanto à interpretação e à relevância, para efeitos da presente impugnação, da norma invocada pelo demandante, é seguro não resultar da deliberação do Conselho Jurisdicional do B.impugnada qualquer afectação directa e pessoal dos direitos do autor de participar nas actividades do partido. O impugnante não é, na verdade, sequer directa e pessoalmente visado com a deliberação impugnada, antes tendo esta anulado o acto eleitoral. Por outro lado, o autor também não viu afectados, em resultado da deliberação, quaisquer direitos de participação nas actividades do partido, pois pode voltar a candidatar-se a qualquer eleição
– e a consequência da deliberação anulatória é, justamente, como se salientou
(diversamente da de uma deliberação que confirmasse a validade das eleições), a necessidade de se realizarem novas eleições, nas quais o demandante poderá participar (ou poderá ter participado, caso entretanto já se tenham realizado). Mesmo considerando, pois, apenas os termos da petição inicial, tem de concluir-se, para efeitos da acção prevista no artigo 103º-D, n.º 1, 2ª alternativa, da Lei do Tribunal Constitucional, que o impugnante não demonstra, ou, sequer, invoca qualquer afectação directa e pessoal dos seus direitos de participação – e isto, apesar de ter sido convidado, logo depois de apresentar uma primeira versão, não articulada, da petição inicial, a aperfeiçoá-la, e, então, a “considerar, na respectiva peça processual, o disposto no n.º 1 deste artigo 103º-D”. Não se verifica, pois, o pressuposto do artigo 103º-D, n.º 1, 2ª alternativa, da Lei do Tribunal Constitucional, para atribuir legitimidade ao demandante para impugnar a decisão em causa – ele não foi pessoal e directamente afectado, nos seus direitos de participação nas actividades do Partido, pela deliberação que impugna com a presente acção (diversamente do que poderia, eventualmente, ser o caso se, por exemplo, estivesse privado de se candidatar novamente, ou, ainda, se lograsse invocar e demonstrar que a anulação das eleições – destas ou de outras – tinha justamente tal afectação como finalidade).
15.Conclusão diversa é aquela a que se chega se a presente acção for configurada como acção de impugnação de deliberação de órgão partidário com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido, nos termos do n.º 2 do artigo 103º-D da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, a acção prevista nesta norma pode ser interposta por qualquer militante, pelo que o autor tem legitimidade para ela. Com tal configuração, não pode, porém, considerar-se a presente acção procedente. Com efeito, no presente caso não se descortina “grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido”, não sendo a violação de tais regras essenciais sequer resultante dos factos alegados pelo autor – razão pela qual, também nesta configuração, podem dispensar-se diligências de instrução do processo, no sentido de fixar com exactidão estes factos. Uma “grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido” não resulta, certamente, do facto de o Conselho de Jurisdição de um partido político, por hipótese, anular directamente uma eleição de uma estrutura local, mesmo que – também meramente por hipótese – os estatutos atribuam tal competência exclusivamente ao órgão de jurisdição local, cujas deliberações são apreciadas e julgadas, em via de recurso, por aquele órgão nacional. Na verdade, a competência exclusiva do órgão de jurisdição partidária local para apreciar a validade de eleições para titulares de órgãos partidários locais não é uma tal regra essencial, relativa à competência ou ao funcionamento democrático do partido, sendo perfeitamente compatível com tal organização e funcionamento democráticos a atribuição dessa competência (exclusiva ou cumulativamente) ao órgão de jurisdição nacional do partido. Tal como não resulta violação de “regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido” do facto de esse órgão de jurisdição nacional se basear eventualmente numa leitura estrita das condições para a determinação do universo eleitoral – designadamente, para a complementação ou actualização dos cadernos eleitorais pelos órgãos centrais do partido (com fundamento na invocação de falhas no sistema de controlo da identidade dos militantes) –, ainda que, por hipótese, enviando complementos aos cadernos eleitorais para a secção local para além da data em que, nos termos do estatuto, o poderia fazer. Nem mesmo, portanto, os factos alegados pelo autor, se provados, conduziriam à procedência da presente acção, com fundamento numa “grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido”. E, portanto, com a presente configuração, enquadrando-se no artigo 103º-D, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional, a presente acção é de considerar improcedente.
16.Pode, assim, concluir-se que a presente acção deve ser julgada improcedente, uma vez que, quanto à única espécie de acção que a enquadra na competência deste Tribunal e para a qual o demandante dispõe de legitimidade – a do artigo 103º-D, n.º 2 – não se verificam os respectivos pressupostos – existência de “grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido”. E isto – acrescente-se ainda –, independentemente, não só de quaisquer diligências instrutórias (pois que a conclusão referida se alcança em face logo dos próprios factos invocados pelo autor), como de quaisquer considerações tendentes a fundamentar (ou a infirmar) a utilidade da presente acção (designadamente, por terem entretanto, já na pendência da presente, sido, porventura, realizadas novas eleições – cuja validade poderia, porém, também eventualmente, ter ficado na dependência do resultado da presente acção). III. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar improcedente a presente acção.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2004 Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Da leitura conjugada dos artigos 103.º-C e 103.º-D da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), aditados pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, resulta, a meu ver, que o legislador – em coerência com o propósito de evitar uma excessiva judicialização da vida partidária – apenas consentiu, para a generalidade das deliberações dos órgãos partidários, o seu controlo pelo Tribunal Constitucional (TC) quando a respectiva impugnação se fundasse em
“grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido” (artigo 103.º-D, n.º 2). A este regime geral excepcionou dois grupos de situações, relativamente às quais entendeu que, face aos valores e interesses em jogo, se justificava uma intervenção mais alargada, ao nível dos fundamentos da impugnação, do TC: a matéria disciplinar (a que equiparou situações que, sem assumirem expressamente a veste de sanções disciplinares, têm efeitos equivalentes: privação ou restrição dos direitos de participação nas actividades do partido) e a matéria eleitoral. Nestas duas situações, a intervenção do TC alarga-se ao controlo das meras “ilegalidade ou violação de regra estatutária” (artigo 103.º-D, n.º 1) e da violação “da Constituição, da lei ou dos estatutos” (artigo 103.º-C, n.º 2).
Porém, no que à matéria eleitoral concerne, este alargamento dos fundamentos admissíveis da impugnação é conjugado – por óbvias preocupações de evitar a proliferação de impugnações judiciais e o consequente arrastamento da decisão definitiva do processo de eleição dos titulares de
órgãos de partidos políticos, de interesse vital para o normal desenvolvimento da actividade partidária – com a imposição das regras da impugnação unitária e do prévio esgotamento dos meios internos: só é impugnável o acto eleitoral final (n.º 7 do artigo 103.º-D), embora possam constituir fundamento dessa impugnação irregularidades de todo o processo eleitoral (incluindo omissões nos cadernos eleitorais – artigo 103.º-C, n.º 1), e a impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral (artigo 103.º-C, n.º 4). Daqui resulta que se o impugnante do acto eleitoral obtém satisfação da sua pretensão a nível interno, designadamente, como no presente caso ocorreu, com a anulação desse acto e a determinação da sua repetição, já não se justifica a intervenção do TC: não se justifica quanto ao impugnante vencedor, porque ele viu os seus direitos ou interesses legítimos reconhecidos; nem se justifica quanto aos vencidos nessa impugnação interna – como é o caso do autor da presente acção –, porque desapareceu o acto eleitoral final e será face ao novo resultado, na sequência de novas eleições, que eles poderão reagir contra eventuais ilegalidades ou irregularidades, designadamente as imputáveis ao acto do órgão interno que determinou a anulação e repetição das eleições.
Na lógica do sistema instituído nos artigos 103.º-C e
103.º-D da LTC, os três tipos de acções neles previstas não são sobreponíves: só cabe a acção residual do n.º 2 do artigo 103.º-D quando tenha por objecto impugnações insusceptíveis de integrarem o objecto das acções dos artigos
103.º-C (eleições de titulares de órgãos de partidos políticos) e 103.º-D, n.º
1 (decisões punitivas e equiparadas).
Por estes fundamentos, votei o improvimento da presente acção.
Mário José de Araújo Torres
Declaração de voto Votei vencida o presente Acórdão, considerando que a acção proposta deveria ter sido admitida, ao abrigo do artigo 103º-C da Lei do Tribunal Constitucional, por entender que o referido artigo, no seu texto, agrega toda a matéria eleitoral. Com efeito, não me parece fazer sentido excluir do conceito de impugnação de eleições a impugnação da deliberação “definitiva” de um órgão partidário sobre a validade das eleições, da qual decorra a anulação das mesmas e, inversamente, considerar abrangida por esse conceito a acção de impugnação de eleições que se refira a uma decisão final que tenha validado essas eleições. Ao distinguirem-se as duas situações, admite-se uma determinação dos pressupostos da acção de impugnação em função das consequências do acto recorrido e não da natureza do mesmo ou da matéria a que respeita. Só existirá, nesses termos, recurso da deliberação final sobre a impugnação de eleições se as eleições forem declaradas válidas e não o contrário. E tal diferenciação não me parece justificável. Em geral, a configuração pela lei das decisões passíveis de recurso não depende do sentido das mesmas mas da sua natureza ou da matéria sobre que versam; salvo casos especiais em que procedem razões associadas à estabilidade de decisões e protecção de direitos (dupla conforme no Direito Processual Penal), mas em que essa distinção está expressamente prevista. Uma tal distinção não existe em matéria eleitoral relativa às eleições gerais (cf. Lei Eleitoral da Assembleia da República, artigos 117º e ss.). Aliás, as próprias consequências de um acto de invalidação de eleições são assinaláveis no que se refere à afectação das condições de democraticidade interna de um partido político. Através de uma invalidação de eleições que implica a renovação do acto eleitoral poder-se-ão alterar as condições existentes anteriormente de expressão da vontade partidária. E é este efeito que o legislador pretendeu evitar, atenta a função constitucional dos partidos políticos (artigo 51º da Constituição). Não vejo, assim, razões para distinguir quais as decisões recorríveis em função das suas consequências (onde o legislador não o distinga expressamente), em situações em que está em causa o controlo – “definitivo” quanto a um acto eleitoral – da validade de umas eleições partidárias.
Maria Fernanda Palma