Imprimir acórdão
Proc. n.º 71/04 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, arguiu a 'irregularidade' de todo o processado posterior à omissão da sua notificação do parecer do Ministério Público junto do STJ em recurso por ele interposto para esse Tribunal, notificação essa prevista no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Sobre essa arguição foi proferido o acórdão documentado a fls. 18 e segs. que indeferiu o requerido.
Do acórdão recorreu o ora reclamante para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada 'a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 417º n.º 2 do CPP, na interpretação acolhida na decisão recorrida, isto é considerando que não se tendo o Ministério Público limitado a apor o seu visto na vista a que se refere o artigo 416º do CPP, não é necessário proceder à notificação prevista em tal norma'.
O recurso não foi admitido conforme despacho documentado a fls. 22, nos seguintes termos:
'O parecer do Ministério Público de fls. 1077 nada adiantou em relação à sua resposta ao recurso do arguido A.. Tanto que se limitou a 'concordar inteiramente como Ex.mo Colega junto da Relação'. E, por isso 'nada teve a acrescentar no sentido de ser rejeitado o recurso interposto'. Daí que, em bom rigor, se tenha o Ministério Público - na vista facultada pelo artº 416º do CPP - 'limitado', afinal, a 'apor o seu visto'. Mas mesmo que assim não fosse de atender, haveria que convir em que a resposta do recorrente ao parecer do Ministério Público (na sua função preparatória ou adjuvante do exame preliminar do relator) só faria sentido se o cumprimento do
'princípio do contraditório' concretamente o exigisse. Ora, no caso, enquanto o Ministério Público promoveu a rejeição (parcial) do recurso (aliás, relativamente a duas das questões nele colocadas) por razões decorrentes de uma alegada 'manifesta improcedência', o relator, no seu exame preliminar, entendeu que o recurso seria, sim, de rejeitar, mas não - como parecia ao Ministério Público - por 'manifesta improcedência', mas, a montante, por 'intempestividade' e 'inadmissibilidade' (questões que levou - e apenas estas e não aquela - à conferência). Donde a questão (res)suscitada no 'parecer' do Ministério Público, não tendo influído, minimamente, no exame preliminar do relator nem neste sido eleita para apreciação em conferência, não tivesse que submeter-se ao contraditório do arguido/recorrente. Assim sendo, e uma vez que a norma que o 'sustenta' não foi 'aplicada' nem
'desaplicada' pela decisão que rejeitando o recurso, pôs termo ao processo, não será de admitir, como não se admite (até porque 'manifestamente infundado' - artº 70.2 da LTC) - o recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A..'
É deste despacho que vem a presente reclamação, nela dizendo o reclamante, em síntese, que:
- do teor do acórdão de 5 de Junho de 2003 não se consegue vislumbrar se a rejeição do recurso tem a ver com o parecer do Ministério Público ou com a pronúncia do Relator;
- não se dizendo em que sentido fora o parecer do Ministério Público não tinha o reclamante que adivinhar se as razões do Relator eram as aduzidas pelo Ministério Público, ou outras;
- o facto de se ter esclarecido no acórdão proferido sobre a arguição de irregularidade o que não ficara claro no primeiro não significa que a irregularidade se não verifique nem muito menos que a decisão do acórdão inicial e seu complemento não seja criticável, e muito menos, não o seja por violar normas constitucionais;
- 'é que se se verifica a inconstitucionalidade arguida no requerimento de 22 de Outubro, por não ter sido dado conhecimento ao recorrente da posição do Ministério Público aquando da vista a que se refere o artigo 416º do CPP, igualmente se verificou outra por o STJ ter tomado posição - a eventual extemporaneidade do recurso e a irrecorribilidade da decisão - problema completamente novo, sem que previamente tenha sido levado à consideração dos prejudicados pelo mesmo essa perspectiva';
- 'tendo o recorrente levantado o primeiro problema, não tinha que levantar o segundo, desde logo, o qual seria abordado tão rápido quanto no deferimento da irregularidade invocada, viesse a ter conhecimento da vista do MºPº, que ainda hoje desconhece.'
O Ministério Público junto deste Tribunal pronuncia-se, n sua resposta, no sentido do indeferimento da reclamação, por entender que o reclamante não suscitou a questão de inconstitucionalidade, podendo fazê-lo, na peça em que arguiu a nulidade.
Cumpre decidir.
2 - Resulta dos autos:
- Em 5 de Junho de 2003 foi proferido no STJ acórdão que rejeitou, por intempestividade, o recurso interposto pelo ora reclamante de acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmativo da decisão de 1ª instância que condenara o recorrente na pena de seis anos de prisão pela prática de um crime p.p. pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Para o mesmo aresto, mesmo que o recurso fosse tempestivo outra razão haveria para o rejeitar: a sua inadmissibilidade nos termos do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP.
Lê-se, ainda, no acórdão:
'(...) o arguido A. interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Respondendo, o Ministério Público pugnou pela rejeição parcial do recurso, por ser manifestamente improcedente, e pela manutenção do decidido quanto ao mais. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da rejeição do recurso. Por seu turno, o relator pronunciou-se pela rejeição do recurso, por ser intempestivo e por a decisão ser irrecorrível. Dispensados os vistos, vieram os autos à conferência para serem decididas as questões postas pelo relator.
..............................................................................................................'
- Em 10 de Junho de 2003, o ora reclamante veio dizer que o recurso fora rejeitado em deferimento da pretensão do Ministério Público expressa em parecer de que se não notificara o recorrente; não se tratando de um simples visto impunha-se, porém, a notificação do recorrente nos termos do artigo 417º n.º 2 do CPP, pelo que requereu a anulação de todo o processado posterior ao vício invocado e a notificação do recorrente para tomar posição sobre o parecer do Ministério Público..
- Foi então proferido acórdão em 2 de Outubro de 2003 que indeferiu o requerido.
- Neste acórdão entendeu-se que não ocorrera violação do princípio do contraditório. E escreveu-se:
'Efectivamente, sendo verdade que o cumprimento de tal princípio é imposto no caso previsto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, se, na vista inicial (artº 416º do mesmo diploma), o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, como aqui ocorreu, não é menos verdade que tal cumprimento não é imposto quando o relator, no despacho resultante do exame preliminar (art.º 417º do CPP) do processo, se pronunciar, nomeadamente, pela rejeição do recurso em sentido coincidente ou divergente do parecer do Ministério Público. Na verdade, a lei processual não estabelece a subordinação do despacho do relator resultante do exame preliminar ao princípio do contraditório. Pelo contrário, se o relator entender que é de rejeitar o recurso, elabora projecto de acórdão, o processo vai a visto dos juízes adjuntos, acompanhado daquele processo, e depois, à conferência para ser julgado o recurso, que será rejeitado se se verificar algum dos casos referidos no n.º 1 do artº 420º do CPP.
.............................................................................................................. Chegados a este ponto, há que concluir que, tendo havido pronúncia expressa do Ministério Público - na vista inicial do processo - e do relator - no despacho resultante do exame preliminar do processo - no sentido da rejeição do recurso, só há que atender ao despacho do relator, que, obviamente, prevalece sobre o parecer do Ministério Público, particularmente num caso, como o presente, em que aquele despacho não só foi mais amplo que o referido parecer, pois a proposta rejeição abrangeu todo o recurso, ao passo que o Ministério Público apenas se pronunciou pela rejeição parcial do recurso, mas também porque os motivos de rejeição invocados no despacho do relator e aceites pelo acórdão ora impugnado - recurso intempestivo e decisão irrecorrível - foram diferentes do motivo avançado pelo Ministério Público - manifesta improcedência (v. fls. 1072).
............................................................................................................'
3 - Como se deixou relatado, o acórdão recorrido indeferiu a arguição de
'irregularidade' com o fundamento de a rejeição do recurso se ter baseado, não no parecer - assim qualificado no mesmo acórdão - emitido pelo magistrado do Ministério Público junto do STJ, mas nas razões que levaram o relator, no exame preliminar, a submeter o processo à conferência para rejeição do recurso - intempestividade e inadmissibilidade do recurso - inteiramente distintas das acolhidas pelo Ministério Público. Nesta situação, entende-se no mesmo aresto que não há lugar a notificação prévia do recorrente para assegurar um contraditório não expressamente previsto no CPP.
Deve salientar-se que, embora na sua reclamação o reclamante o refira, o recurso de constitucionalidade não foi interposto para apreciação da constitucionalidade da norma que, segundo o acórdão recorrido, não impõe a referida notificação - esta seria uma diferente questão de constitucionalidade.
Ora, do que acaba de se dizer resulta que a norma em causa - a que consta do artigo 417º n.º 2 do CPP e que, também segundo o próprio acórdão do STJ, impõe a notificação do recorrente - não foi, em bom rigor, aplicada como ratio decidendi. Esta consubstanciou-se na norma que se retirará do artigo 417º n.ºs 3 e 4 do CPP, na interpretação de que se não exige a notificação do recorrente quando é levada à conferência a resolução de uma questão suscitada pelo relator no seu exame preliminar.
É certo que o acórdão desenvolve a sua argumentação sustentando ainda que a inexigência de notificação ocorre igualmente quando aquela questão é a mesma que o Ministério Público suscita no seu parecer, com o que se estará também perante uma aplicação do disposto no artigo 417º n.º 2 do CPP com tal interpretação.
A verdade, porém, é que, no caso, tais interpretação e aplicação se configuram como um obiter dictum uma vez que - disse-se já - as questões levadas à conferência pelo relator eram diversas das que o Ministério Público suscitara.
Assim, não constituindo ratio decidendi do acórdão a norma cuja constitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, soçobrava um dos pressupostos do recurso previsto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC.
Bem decidiu, pois, o despacho reclamado ao não admitir o recurso.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida