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Processo nº 568/2003
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Inconformado com o despacho do Ministério Público que ordenou o arquivamento do inquérito, A. requereu, na qualidade de assistente, a abertura da instrução com vista à pronúncia do arguido B., pela prática dos crimes de dano qualificado continuado, atentado contra o Estado de direito, abuso de poder e celebração de contratos em prejuízo do Estado. Realizada a instrução, foi proferida decisão de não pronúncia do arguido pela prática dos crimes denunciados, a fls. 717. Inconformado, o assistente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tribunal que, por acórdão de 26 de Março de 2003, de fls. 765, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
2. Novamente inconformado, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82). Já no Tribunal Constitucional, foi o recorrente notificado do despacho de fls.
792, que o convidou a “definir qual a interpretação das normas contidas nos preceitos que indica [no requerimento de interposição de recurso] que considera inconstitucional”, despacho que, segundo consta de fls. 793, lhe foi expedido por via postal registada em 23 de Setembro de 2003. Tendo a resposta (de fls. 794) entrado no Tribunal Constitucional a 10 de Outubro de 2003, o recorrente foi notificado para vir pagar a multa correspondente à entrega no segundo dia posterior ao termo do prazo (cfr. fls.
798). O recorrente veio então apresentar o seguinte requerimento:
«A., recorrente nos autos supra epigrafados, havendo sido avisado para efectuar o pagamento da multa aplicada ao abrigo do nº 5 do art. 145º do CPC, vem dela reclamar nos termos e fundamentos seguintes: O Impetrante foi notificado para efeitos do disposto no art. 75.º-A da Lei nº
28/82 de 15/11, por carta registada, sob o n° R S 28464732 7 PT, a qual não ostenta qualquer data de expedição ou tão pouco carimbo do seu recebimento. Deste modo, fica por saber o momento em que a notificação foi recebida pelo seu destinatário, não podendo a ele ser imputável a falta de resposta em tempo útil, visto o prazo de 10 dias que medeia entre a recepção e a resposta só começa a contar a partir da altura em que foi recebida. E uma vez que essa data é desconhecida, será fácil de ver que, ab initio, não poderá dizer-se que a falta está do lado do recorrente, sendo que nos termos do n.º 1 e 2 do art. 254.° do CPC, os “mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido' e essa notificação “presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.' Pois bem, tendo em conta os termos do nº 3 do mesmo preceito, o recorrente reclamou em 20 de Outubro, junto dos CTT no sentido de ser fornecida a data do recebimento da sobredita notificação, não lhe sendo, contudo, facultada a fotocópia da reclamação. Termos em que, requer a V. Exa. se digne conceder-lhe um prazo, nunca inferior a
15 dias úteis, por forma a poder ilidir a presunção legal, o que só poderá acontecer com base nos elementos que, a seu tempo, sejam disponibilizados pelos CTT .»
Sobre este requerimento foi proferido despacho a determinar que se aguardasse. Veio então o recorrente dizer o seguinte:
«I Como anteriormente se disse, o recorrente foi notificado para efeitos do disposto no art. 75.º-A da Lei nº28/82 de 15/11, por carta registada, sob o n° R S 28464732 7 PT, a qual não exibia qualquer data de expedição ou tão pouco carimbo do seu recebimento. Daí que, ao ser avisado para efectuar o pagamento da multa aplicada ao abrigo do nº5 do art. 145° do CPC, veio dela reclamar e protestou juntar, no prazo de 15 dias, a cópia do documento no qual foi possível objectivar a data em que a notificação foi efectuada. II Face ao que vem de ser exposto, cumpre agora, numa retrospectiva temporal, analisar os passos percorridos pela carta de notificação endereçada ao recorrente. E em ordem aos elementos colhidos, vê-se que a mesma ostenta no envelope a data do dia 23 de Setembro do ano em curso, aposta pela Secretaria do Tribunal, mas nada prova que a mesma tenha sido entregue nos correios nesse mesmo dia, visto estes, em ofensa aos termos do nº2 do art. 254.° do CPC, há muito tempo que, na maior parte das vezes, não efectuam a notificação com o dia do registo, pelo que não é possível controlar o momento da sua expedição como do seu recebimento ( Doc.nº1 ). Daí que, face à notificação para pagamento da multa, viesse a ser solicitado ao correios a data em que a mesma foi recebida pelo destinatário e, segundo o que se observa no documento, a mesma foi entregue no dia 25 de Setembro, p.p., conforme se vê sublinhada a vermelho ( Doc. n.º2). Assim sendo, nos termos do n.º2 do art. 254.º do CPC, a “notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia
útil seguinte a esse, quando o não seja”. Ora, qualquer que seja o tempo do registo, o certo é que a presunção da entrega da carta ao seu destinatário só ocorreu no dia 30 de Setembro, dado ser este o terceiro útil. Porém, sendo a resposta endereçada ao Tribunal no dia 8 de Outubro, estamos em crer que a mesma até podia ser remetida no dia 9 que, por certo, estaria em tempo e isenta de multa. Nestes termos e nos demais de direito, o pedido de esclarecimento requerido pelo Tribunal foi enviado no prazo dos 10 dias legais, não se vendo, assim, salvo melhor opinião, motivo a que haja lugar ao pagamento da multa suscitada, devendo, por isso, serem anuladas as guias emitidas para o efeito».
Este requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 808, “porque não é a data da entrega que releva, mas sim a do registo (artigo 254.º n.ºs 2, 3 e 4 do C. Processo Civil), efectuado a 23/9/2003, conforme docs. de fls. 804 e 807”.
3. Deste despacho, o recorrente reclamou para a conferência, mediante requerimento que concluiu nos seguintes termos:
«EM CONCLUSÃO:
1º - Nos termos do n.º1 do art. 254.° do CPC, os 'mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido”.
2° - E essa notificação, de harmonia com o n.º2 do mesmo inciso “presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.'
3° - O certo é que, ao arrepio da lei, os CTT, como se provou por documento, remetido ao Tribunal sob o nº1, não se dignaram a opor a data no registo emitido.
4° - Pelo que o recorrente teve de localizar o número de telefone, através do qual pudesse saber qual foi a data do registo atribuída pelos correios, vindo a telefonar para o 808200220.
5° - Sendo dali informado que o registo se processou no dia 25 de Setembro de
2003, conforme consta no aviso de entrega, enviado sob o nº2.
6° - E como não é possível nos CTT colher essa informação documentada, aceitou-se como certa a data de 25, em ordem à qual a resposta remetida ao Tribunal, a 8/10/03, está em tempo, não havendo, por isso lugar a qualquer multa.
7° - Contudo, não foi essa a interpretação da Exma. Senhora Relatora alegando que a carta foi expedida no dia 23/09/03, e não a 25.
8° - Pese embora o documento aduzido, o certo é que o recorrente não tem de ter conhecimento desse facto, visto estar vinculado à data do registo postal, desde que foi revogado o D.L. nº 121/76 de 1102.
9° - De resto, sabendo-se que a administração do CTT não cumpriu a lei, conforme prova aduzida nos autos, e que tal situação gerou o incumprimento do recorrente.
10º - Seria legítimo e razoável que o Tribunal, em vez de multar o impetrante que, para tanto, não foi visto nem achado, responsabilizasse antes a Administração do CTT.
11º - Única entidade que, no processo sub judice, ostensivamente recusa cumprir as suas obrigações, apesar do recorrente, por mais de uma vez, ter protestado contra este estado de coisas.
12° - E, em sede da Ordem dos Advogados, haver, para o efeito, requerido a intervenção do seu Bastonário, escapando-lhe, todavia, a capacidade de contratualizar outra empresa para distribuição do correio, já que a mesma explora essa actividade em regime monopolista. Termos em que, deve revogar-se o douto despacho reclamado e, em consequência, ser anulada a multa aplicada, por a mesma não ser imputável ao recorrente. Porém, quando assim não vier a ser entendido, então deve responsabilizar-se pela mesma a Administração dos CTT , por ser esta quem violou as normas da distribuição da correspondência observada. Assim decidindo, acabarão Vossas Excelências com os abusos de poder das grandes empresas e farão a devida e avisada JUSTIÇA».
Juntou o parecer de fls. 820, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 18 de Julho de 2003, que concluiu desta forma:
«4.- Pelo exposto, e s.m.o., entendo que o Senhor Bastonário, respondendo à pertinente solicitação do Sr. Dr. C., deverá diligenciar junto da Administração dos CTT e do Ministério da Justiça de molde a que em toda a correspondência emanada dos tribunais e demais serviços judiciais seja aposta, de forma clara, visível e imediatamente percepcionável pelo destinatário, a data do registo postal da mesma.»
4. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido de que a reclamação deve ser indeferida, por não ter sido ilidida a presunção constante do artigo 254º do Código de Processo Civil, “já que não resulta minimamente demonstrado que a data de 23 de Setembro, certificada a fls. 804, não corresponde à do registo”. E acrescentou ainda que tal data, aliás, é
“perfeitamente compatível com a invocada recepção do expediente postal a 25 de Setembro”.
5. Não tem razão o reclamante. Em primeiro lugar, porque, como se pode desde logo verificar pela fotocópia do sobrescrito junta pelo recorrente a fls. 804, do mesmo consta a indicação, feita pelos serviços do Tribunal Constitucional, de que o registo foi efectuado a 23 de Setembro de 2003, data confirmada pelo doc. junto a fls. 807. Nenhuma razão se encontra para que o reclamante, ao receber a carta dois dias depois nos serviços dos correios, tenha partido do princípio de que a data aposta pelo Tribunal no sobrescrito não correspondia à realidade. Em segundo lugar, porque, constando do aviso de entrega (cfr. fls. 805) a data de 25 de Setembro de 2003, seguro é que, contrariamente ao que o reclamante afirma, não pode ter sido essa a data da expedição sob registo; como, aliás, observa o Ministério Público, trata-se de uma data compatível com a certificação de que o registo foi efectuado a 23 de Setembro. Finalmente, porque o reclamante – que não fundamenta de forma nenhuma a afirmação de que a lei não foi cumprida – não conseguiu ilidir a presunção estabelecida pelo n.º 2 do artigo 254º do Código de Processo Civil. A terminar, cumpre observar que o indeferimento da presente reclamação não equivale a impor ao reclamante nenhum ónus desproporcionado; antes a entrega da resposta fora de prazo decorreu do pressuposto de que a indicação da data feita no sobrescrito era falsa, o que lhe é exclusivamente imputável.
6. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs., sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes
Luís Nunes de Almeida