Imprimir acórdão
Proc. n.º 634/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/03, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, interpretada no sentido de que impende sobre o requerente do apoio judiciário o ónus de fazer juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário para efeitos de beneficiar da interrupção do prazo que estiver em curso.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
'1 - A recorrente promoveu em tempo útil e oportuno (na pendência do prazo de oposição) procedimento administrativo para nomeação de patrono, adentro do seu direito de acesso ao Direito e à protecção jurídica, constitucionalmente consagrado.
2 - Acabou por ser reconhecido à impetrante esse promovido direito, como os autos ostentam, à míngua de meios económicos para poder constituir advogado.
3 - A interrupção do prazo de oposição basta-se pela documentação aos autos pelos Serviços de Segurança Social da data do pedido, na pendência do prazo judicial, assim legalmente interrompido, no alcance do disposto do n.º 4 do artigo 25º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
4 - Esta é a formalidade 'ad substantiam' que o instituto coenvolve.
5 - A interrupção opera 'ope legis' e 'ex tunc', comprovado o pedido de procedimento administrativo, mesmo que demonstrado para além do prazo que estava em curso.
6 - O administrado da Justiça não tem o ónus de, em processo que peticiona nomeação de patrono, exercer tal acto judicial próprio e prejudicial, competindo a demonstração do procedimento administrativo à própria administração, num sistema coerente e institucionalmente articulado e interligado com o poder judicial, ao autonomizar aquele, pelo novo instituto.
7 - Demonstrado o pedido, para além do prazo judicial, a interrupção prevalece e opera sempre, desde que o pedido tenha sido exercitado em tempo
útil.
8 - Contendo entendimento diferente, como decidido no aresto do Tribunal 'a quo', ou seja, no sentido de que esse segmento da lei apenas prevê interrupção do prazo quando o interessado requerente demonstra no prazo o pedido administrativo, sob pena de não ter efeitos ex tunc, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20º da CRP e ofensa do princípio constitucional de acesso ao Direito e á protecção jurídica.
9 - É que substancia um ónus que redunda na prática de um acto judicial quando ainda não tem defensor ou patrono não estando juridicamente protegida, cuja omissão faz extinguir o direito que a lei fundamental pretende proteger.'
Em contra-alegações, o recorrido B., pugna pelo improvimento do recurso.
Cumpre decidir.
2 - Resulta dos autos:
- A recorrente é executada nos autos de execução sumária que contra ela pendem no 6º Juízo Cível das Varas de Competência Mista e Comarca de Vila Nova de Gaia e em que é exequente o ora recorrido.
- Naqueles autos foi a recorrente notificada, nos termos do artigo
926ºn.º 1 do CPC, para deduzir, querendo, no prazo de dez dias, embargos de executado ou oposição à penhora.
- A referida notificação ocorreu em 3/6/2002, expirando aquele prazo em 13/6/2002.
- Em 13/1/2003 a ora recorrente deduziu embargos de executado, através de peça subscrita por defensor oficioso nomeado na sequência de pedido de apoio judiciário, por ela formulado, em 5/6/2002, no Centro Distrital do Porto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social e que veio a ser deferido por decisão de 9/9/2002, dada a conhecer ao patrono nomeado em 6/1/2003.
- Os embargos foram liminarmente rejeitados por extemporaneidade.
- A embargante recorreu deste despacho para a Relação do Porto, sustentando, entre o mais, a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, interpretada no sentido de que impende sobre o interessado o ónus de juntar aos autos documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, para efeitos de interrupção do prazo judicial em curso.
Por acórdão de 17/6/2003, a Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando o julgado em 1ª instância.
3 - Dispõe o artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000:
'Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.'
Foi esta disposição que o acórdão recorrido interpretou no sentido de que compete ao interessado, requerente do apoio judiciário para nomeação de patrono, a junção aos autos do documento comprovativo de apresentação do requerimento de apoio judiciário, para efeitos de interrupção do prazo em curso.
Estando fora dos poderes de cognição deste Tribunal sindicar o acerto de uma tal interpretação no estrito plano do direito infraconstitucional, a questão a decidir, no presente recurso, é tão só a de saber se a norma ínsita no citado preceito da Lei n.º 30-E/2000, com aquela interpretação, ofende a Constituição, maxime o disposto no artigo 20º n.º 1 da CRP.
E a resposta - adiante-se já - é negativa.
O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20º n.º 1 da Constituição.
Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.
Nesta conformidade, há-de a lei estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.
Tais medidas impõem-se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos.
É, aliás, essa a razão do disposto no artigo 25º n.º 4 da Lei n.º
30-E/2000, ao determinar, nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de acção judicial, a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade.
A exigência de documentação do pedido compreende-se uma vez que, no regime instituído pela Lei n.º 30-E/2000, os procedimentos tendentes à concessão do apoio, em processos cíveis, correm nos serviços de segurança social (artigo
21º); e seria inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria, fatalmente, da falta dessa documentação - que assim se impõe -, tendo em conta o efeito interruptivo dos prazos, decorrente da apresentação do pedido.
Mas, sendo assim, a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.
Sem dúvida que se poderia congeminar outro sistema, fazendo, p. ex.., recair sobre os serviços de segurança social o dever de darem a conhecer, de imediato, nos pertinentes processos judiciais os pedidos de nomeação de patrono. Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão - repete-se - é a de saber se o regime, tal como o acórdão recorrido o interpretou, ofende a Constituição.
Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.
Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.
A protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20º n.º 1 da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24º n.º 5 da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs., devendo ter-se em conta o benefício de apoio judiciário com que litiga.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida