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Processo n.º 490/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 19 de abril de 2012 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de maio de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 390/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto dos recursos interpostos. Para o que agora releva, tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«2. A recorrente recorre também do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2012, para apreciação da «inconstitucionalidade da norma do artigo 721º-A al. a) do Código de Processo Civil segundo a interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça».
Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, com ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida, requisito que não se pode dar por verificado. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça aplicou como razão de decidir o n.º 2 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil. Na medida que entendeu não estar cumprido o ónus imposto nesta disposição legal, acordou em não admitir a pretendida revista excecional.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária, na parte em que não conheceu do recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, invocando o seguinte:
«No recurso apresentado para o Tribunal Constitucional decidiu-se sumariamente, não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Assim se fez por se ter entendido não estar cumprido o ónus imposto na disposição legal do artigo 721 º A nº2, o que salvo o devido respeito por melhor opinião, mas não deve ser este o entendimento do Tribunal.
Na verdade, ao contrário do que fora entendido pela Decisão Sumária reclamada, se encontra, in casu, preenchido o pressuposto processual de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, por ter sido essa questão colocada de modo claro e percetível.
Ainda que assim se não entendesse, se deveria de todo o modo considerar ter sido essa questão de constitucionalidade colocada, em vários momentos processuais, de modo claro e percetível, perante o tribunal a quo, devendo, por isso, o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do recurso interposto.
Mais acrescenta ainda a aqui reclamante a tese segundo a qual configura uma intolerável restrição do direito de acesso à justiça, em violação dos preceitos constitucionais constantes dos artigos 200º 202º nº 2 e 268º nº 4 da CRP, a interpretação feita na Decisão Sumária do disposto no 2 do artigo 72º ” da LTC..
Senão vejamos:
Nos termos do art.º 721 º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, na redação atual, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do art.º 691º; ou seja, do acórdão da Relação proferido em recurso da decisão do Tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo, e do acórdão da Relação proferido sobre despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.
A estas hipóteses, porém, haverá que acrescentar aquelas em que a lei expressamente dispõe ser sempre admissível recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência, e que são as previstas no n.º 2 do art.º 678º do mesmo Código.
Por outro lado, segundo dispõe o n.º 3 do mesmo art.º 721º do CPC., “Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. Estabelece, assim, este dispositivo, o sistema da dupla conforme absoluta: havendo conformidade entre o decidido na 1ªinstância e o decidido na Relação, por unanimidade, é, em princípio, inadmissível a revista, com as exceções consagradas no artigo seguinte.
Estabelece o art.º 721 º-A, que:
(…)
Na hipótese dos autos verifica-se a existência da dupla conforme, o que significa não ser, em princípio, admissível a revista, pelo que se torna necessário apurar da ocorrência de algum daqueles requisitos de admissibilidade da revista excecional.
Com efeito, as antecedentes disposições pressupõem a admissibilidade da revista excecional, verificados os pressupostos que indicam, apenas nas situações em que a revista seria normalmente admissível, só não o sendo por efeito da aplicação da regra da dupla conforme.
Para a revista ser admissível como excecional é, desde logo, necessário que a decisão em causa seja uma decisão que admite recurso nos termos do art.º 678º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil ou que o recurso da decisão seja sempre admissível nos termos do n.º 2 do mesmo artigo que inexista uma disposição especial da lei que não admita na hipótese que se encontre em análise recurso para o S.T.J. (caso do art.º 387º-A do mesmo diploma, para os procedimentos cautelares); para além de ter de se tratar de recurso de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que tenha posto termo ao processo ou sobre despacho saneador que, embora não tendo posto termo ao processo, decida do mérito da causa.
Existindo esses ou algum desses requisitos, que conduziriam à admissibilidade da revista nos termos normais, é que, tornando-se inadmissível a revista por ocorrer a dupla conforme absoluta, haverá que apurar se se verifica algum dos pressupostos apontados naquele art.º 721º-A, n.º 1, caso em que haverá lugar à revista excecional.
Na hipótese destes autos não deriva a inadmissibilidade da revista excecional, uma vez que ocorre um dos requisitos da revista normal, que é o previsto no citado art.º 678º, n.º 1, por estar em causa uma questão em que as instâncias decidiram a questão de direito ao arrepio que é uniforme entendimento da jurisprudência e até da doutrina, só não sendo admissível a revista normal devido, como se disse, à existência de dupla conforme.
Em consequência, admissível em princípio a revista normal, mas tornada inadmissível por força da existência da dupla conforme, há que apurar se ocorre o requisito de admissibilidade da revista excecional invocados pela aqui recorrente/reclamante.
A recorrente interpôs o presente Recurso de Revista Excecional por entender que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente, necessária para uma melhor aplicação do direito.
A Recorrente alicerçou a sua pretensão no facto do Tribunal a quo, no Acórdão em crise, ter efetuado uma errada aplicação da matéria de facto e consequentemente da lei.
(…)
Termos em que se entende, por todo o exposto, como verificado o único requisito de admissibilidade alegado na apresentada revista excecional invocada pela recorrente/reclamante, o que leva à necessidade absoluta de tomar conhecimento sobre esta questão, uma vez que as instâncias decidiram-na ao arrepio daquele que é o uniforme entendimento da jurisprudência e da doutrina (efeito reparador), devendo por isso o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objeto do recurso».
4. Notificado, o recorrido pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão sumária reclamada concluiu-se pelo não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, com ratio decidendi, da norma cuja apreciação foi requerida. É por isso irrelevante que a reclamante argumente no sentido de ter cumprido o ónus da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada. Bem como é irrelevante a argumentação quanto à admissibilidade, no caso, do recurso de revista excecional (artigo 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil), uma vez que a este Tribunal compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da Constituição).
Relativamente ao fundamento da decisão que levou ao não conhecimento do objeto do recurso, a reclamante nada diz que contrarie o entendimento de que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou como razão de decidir o n.º 2 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil. Com efeito, o tribunal recorrido acordou em não admitir a pretendida revista excecional, por entender que a requerente descumpriu o ónus que lhe é imposto pelo n.º 2 do artigo 721.º-A daquele Código (fl. 463 e ss.).
Importa, pois, confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 23 de outubro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.