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Processo n.º 349/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, relativo ao acórdão de 18 de abril de 2012.
2. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente reporta-se ao objeto respetivo, nos seguintes termos:
“ (…) a inconstitucionalidade material do artº 28º nº 3 da LOFTJ por remissão para o nº 2 do mesmo artigo, na interpretação de que, independentemente da existência de um impedimento não temporário, e em processo de natureza criminal da qual pode emergir prejuízo para o arguido, o Pleno das secções especializadas criminais do STJ pode reunir e julgar sem a intervenção dos quinze Juízes Conselheiros que o integram.”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O recorrente não especifica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores, doravante LTC), ao abrigo da qual interpõe o presente recurso.
Porém, da análise do requerimento de interposição respetivo - nomeadamente do fundamento invocado e da circunstância de o recorrente referir a peça processual em que, alegadamente, terá suscitado a questão previamente – poderemos concluir que o recurso é interposto, nos termos da alínea b) do referido n.º 1 do artigo 70.º.
Assim, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, atendendo à especificidade do concreto tipo de recurso previsto na referida alínea.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) O recorrente selecionou, como disposição legal que suporta o critério normativo, alegadamente inconstitucional, o artigo 28.º, n.os 2 e 3, da Lei n.º 3/99 de 13 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
A decisão recorrida, porém, considera aplicável e, em conformidade, pronuncia-se sobre o artigo 35.º, n.os 2 e 3, da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto.
Não obstante tal disparidade, por ser idêntica a redação dos referidos preceitos, considera-se suficientemente identificado o critério normativo delimitado pelo recorrente.
(…) Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, o relator profere decisão sumária quando entenda que a questão a decidir é manifestamente infundada.
A respeito deste conceito, escreveu-se o seguinte, no Acórdão n.º 269/94 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
“ (…) é 'manifestamente infundado' o recurso cuja inatendibilidade seja liminarmente evidente ou ostensiva.
Isto significa que não há que averiguar se o recurso procede, nem se exige um determinado grau de probabilidade dessa procedência - caso em que se estaria a entrar, profundamente, na apreciação do respetivo mérito. O que o legislador exige é que se verifique, tão-só, se os fundamentos do recurso são notoriamente inatendíveis.
Daqui decorre que o recurso será, por exemplo, 'manifestamente infundado' quando nele falte qualquer fundamentação (ou seja, não se apresente - nem se vislumbre - argumentação no sentido da alegada inconstitucionalidade) ou quando a fundamentação revele contradições insanáveis de ordem lógica ou valorativa. Nestes casos, uma simples análise sumária ou liminar do requerimento de recurso basta para concluir pelo caráter 'manifestamente infundado' do recurso, sem necessidade de uma apreciação circunstanciada dos fundamentos, ou seja, sem entrar na apreciação do fundo do recurso que é reservada para um momento processual ulterior.”
“Ora, no nosso caso, o recorrente insurge-se contra a interpretação dos n.os 2 e 3 do artigo 28.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, no sentido de que, independentemente da existência de um impedimento não temporário, e em processo de natureza criminal da qual pode emergir prejuízo para o arguido, o Pleno das Secções especializadas criminais do Supremo Tribunal de Justiça pode reunir e julgar sem a intervenção da totalidade dos Juízes Conselheiros que o integram.
Refere o recorrente que “não se prevendo as circunstâncias e condições em que o pleno das secções (…) pode funcionar apenas com três quartos dos juízes em exercício, o arguido criminal, em sede de recurso de fixação de jurisprudência, fica sujeito à álea da comparência variável, no julgamento, de 12 a 15 juízes conselheiros.”
Acrescenta que tal situação viola o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, porque “não é equitativo o que é aleatório”.
A propósito desta questão, refere a decisão recorrida:
“(…) O funcionamento de um tribunal colegial alargado, como o pleno das secções especializadas, é naturalmente mais complexo do que o de um tribunal de composição restrita, como o tribunal coletivo, ou mesmo o de júri, podendo mais facilmente ocorrer impedimentos imprevisíveis de algum ou alguns dos seus membros. Para não prejudicar o funcionamento do tribunal, a lei não exige a presença da totalidade dos juízes, admitindo que o tribunal funcione com três quartos dos juízes em exercício, número suficientemente amplo para garantir uma discussão e uma decisão representativa e genuína do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça sobre a causa.
Esta é, aliás, uma regra que é comum aos tribunais supremos, quando funcionam em plenário, por identidade de razões (ver, para o Tribunal Constitucional, o art. 42° da Lei do Tribunal Constitucional, e, para o Supremo Tribunal Administrativo, o art. 17° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Existe, pois, um fundamento material para a regra estabelecida no citado art. 35°, nºs 2 e 3, da LOFTJ.
Não existe, por outro lado, qualquer particularidade dos processos de natureza criminal, nem nenhum princípio constitucional impõe uma solução própria e exclusiva para esses processos. O princípio do processo equitativo não exige uma determinada e específica composição do tribunal criminal, nem nos recursos ordinários nem nos extraordinários.”
A argumentação aduzida, explicitando as razões subjacentes à opção legislativa - que se prendem com o equilíbrio entre a exequibilidade de funcionamento de um tribunal colegial, numa composição especialmente alargada, e a garantia de existência de um número de participantes adequado para assegurar a representatividade da composição – denota a falta de fundamento do vício de inconstitucionalidade invocado.
Na verdade, não é minimamente fundada a tese do recorrente, não resultando percetível, com um mínimo de razoabilidade, que o funcionamento do pleno das secções criminais, com três quartos dos seus membros, possa beliscar a garantia constitucional de um processo equitativo, sendo que, sintomaticamente, o recorrente não aduz uma argumentação substantivamente densificada, no âmbito constitucional, que justifique materialmente o seu juízo de inconstitucionalidade, cingindo-se à afirmação simplicista de que a variabilidade do exato número de participantes do Pleno das secções criminais, entre doze a quinze, - dependente da comparência dos respetivos membros – por ser aleatória, não é compatível com a equitatividade do processo, quando pode estar em causa uma decisão desfavorável para o arguido.
Ora, sendo certo que a exigência constitucional de equitatividade se compatibiliza com uma ampla margem de conformação processual do legislador, não se vislumbra que o critério normativo em sindicância coloque dúvidas razoáveis sobre a conformidade com o parâmetro constitucional convocado pelo recorrente ou quaisquer outros, nomeadamente os especificamente atinentes às garantias do processo criminal.
Nestes termos, sendo manifesto que não decorre da Lei Fundamental a exigência de que o Pleno das secções criminais funcione, invariavelmente, com a totalidade dos seus membros, nem resultando tal obrigatoriedade demonstrada, com um mínimo de consistência lógica, na argumentação aduzida pelo recorrente - em termos de ser possível seguir um encadeamento de fundamentos conducente a um juízo de concludência aparentemente sustentado – conclui-se que a questão, erigida como objeto do recurso, é manifestamente infundada, o que legitima, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, a prolação da presente decisão sumária.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. O reclamante, na reclamação apresentada, limita-se a manifestar a pretensão de reapreciação da questão pela conferência, invocando o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sem especificar as razões da discordância com a decisão sumária proferida.
5. O Ministério Público, em resposta, refere que a reclamação não merece provimento, já que a decisão sumária reclamada merece a sua concordância, não tendo o reclamante, aliás, invocado qualquer argumento para decidir em sentido contrário.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. A reclamação apresentada não contém qualquer argumentação, tendente a infirmar a correção do juízo efetuado, na decisão reclamada.
Assim, e sendo certo que a decisão sumária proferida merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da presente reclamação.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 10 de agosto de 2012, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.