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Proc. n.º 492/01 Acórdão nº 151/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 5 de Dezembro de 2000, A e outros requereram, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e nos termos dos artigos 76º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), a suspensão da eficácia dos actos de licenciamento de construção relativos aos lotes ... a ... das construções sitas em ......... Alegaram, em síntese: que as obras relativas aos referidos lotes, que haviam sido embargadas pela Câmara Municipal de Sintra, mantêm desconformidade com os projectos de arquitectura, tendo sido desembargadas sem que houvesse demolição ou alteração de alvará e mercê de informações desconformes com a realidade; que tais factos lhes causam enorme prejuízo material e moral; e, finalmente, que inexiste grave lesão do interesse público em caso de suspensão e é legal e tempestiva a acção principal. Ao referido pedido de suspensão de eficácia responderam B (fls. 46 e seguintes), C e outros (fls. 53 e seguintes), D (fls. 128 e seguintes), E (fls. 147 e seguintes) e F (fls. 232 e seguintes), todos na qualidade de contra-interessados, bem como a Câmara Municipal de Sintra (fls. 240 e seguintes), na qualidade de entidade requerida. A e outros pronunciaram-se sobre as respostas deduzidas (fls. 247 e seguintes), na sequência do despacho de fls. 231, tendo na peça processual respectiva sustentado, entre o mais, a inconstitucionalidade dos artigos 76º e seguintes da LPTA, designadamente do seu artigo 77º, face à última revisão constitucional. C e outros responderam à questão da inconstitucionalidade suscitada pelos autores, na resposta de fls. 263 e seguintes; também F respondeu ao articulado dos autores (fls. 265). No seguimento do despacho de fls. 270, foi junta aos autos (fls. 280 e seguintes) a cópia da petição inicial da acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo, proposta pelos autores contra a Câmara Municipal de Sintra nos termos dos artigos 69º e seguintes da LPTA. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a requerida suspensão de eficácia devia ser indeferida, pelos seguintes fundamentos (fls. 304):
'Atento o disposto no artigo 77º da LPTA e uma vez que o recurso contencioso do acto cuja suspensão se requer não foi apresentado no prazo legal, sendo certo que nos termos daquela disposição a suspensão deve ser requerida juntamente com a interposição do recurso ou previamente à sua interposição, entende-se que, no presente caso, não se mostra preenchido o requisito da alínea c) do n.º 1 do artigo 76º da LPTA.'
2. Por sentença de 20 de Março de 2001, o juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa rejeitou o pedido de suspensão de eficácia formulado pelos requerentes (fls. 305 e seguintes). Pode ler-se no texto da sentença, para o que aqui releva, o seguinte:
'[...]
2.1 - Há, porém, que apreciar a questão prévia da caducidade do presente meio acessório, com base nos seguintes factos:
- O requerimento inicial do presente pedido de suspensão de eficácia foi remetido pelo correio a juízo em 5.12.2000 (fls. 2), tendo o respectivo original dado entrada em 7.12.00 (fls. 22).
- Na mesma data os requerentes interpuseram uma acção de reconhecimento de direito que corre termos na 2ª Secção com o nº 990/00 (fls. 280).
- Até 15.2.2001 os requerentes não interpuseram recurso contencioso dos actos suspendendos ( cota de fls. 255).
2.2 - Dispõe-se no artº 79°, nº 3 da LPTA: «No caso previsto na alínea b) do n°
1 do artigo 77°, a suspensão caduca com o termo do prazo concedido ao interessado para o recurso de actos anuláveis, sem a respectiva interposição». Resulta, assim, desta disposição legal que, quando o pedido de suspensão de eficácia é prévio ao recurso, este tem de ser interposto sempre no prazo dos recursos de actos anuláveis (ainda que se invoquem vícios geradores de nulidade), sob pena de caducidade do pedido de suspensão. Este entendimento constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores
[...]. O prazo de interposição de recurso contencioso de actos anuláveis é de 2 meses, se o recorrente residir no continente, conforme se dispõe no art. 28°, nº 1, al. a) da LPTA. Ora, no caso presente, os requerentes não interpuseram o respectivo recurso contencioso no prazo de dois meses, conforme resulta dos factos acima descritos.
É certo que os requerentes, no requerimento inicial, referem que a acção principal é legal e tempestiva, pretendendo, assim, que o presente pedido de suspensão de eficácia seja dependência daquela acção de reconhecimento de direito. Porém, o teor literal dos artigos 76°, nº 1 e 77°, nº 1 da LPTA não consente outra interpretação que não seja a de considerar que o meio acessório da suspensão de eficácia apenas pode ser utilizado em articulação com o recurso contencioso. Tal interpretação não contende, contrariamente ao alegado pelos requerentes a fls. 249, com o disposto no art. 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, pois desta disposição legal nada resulta sobre os requisitos atinentes aos meios acessórios próprios do contencioso administrativo, tendo a conformação processual de tais meios sido deixada ao legislador ordinário. Além disso, o facto de a suspensão de eficácia apenas poder ser meio acessório do recurso contencioso não contende com o princípio da tutela judicial efectiva, visto que os requerentes, como dependência da acção de reconhecimento de direito que interpuseram, sempre poderiam ter-se socorrido dos procedimentos cautelares previstos no Código de Processo Civil, por aplicação do disposto no art. 1° da LPTA. Assim, ocorre a caducidade do presente pedido de suspensão de eficácia, nos termos do disposto no art. 79°, nº 3 da LPTA, pelo que se impõe a rejeição do mesmo.
[...].'
3. A e outros interpuseram então recurso da sentença que rejeitou o pedido de suspensão de eficácia que haviam formulado (fls. 319), tendo na alegação dirigida ao Tribunal Central Administrativo (fls. 320 e seguintes) apresentado as conclusões que seguem:
'1) A Questão Prévia da caducidade do meio acessório Suspensão de Eficácia de Actos, apenas foi decidida, com apego à literalidade do Art. 77° nº 1 da LPTA, que é inconstitucional, face ao Art. 18° e à nova redacção do Art. 268° nº 4 da Constituição da República Portuguesa, que consagrou o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva na última Revisão Constitucional [...];
2) O Tribunal A Quo, não chegou a apreciar o Fundo da Questão Inconstitucional Paradigmática que foi suscitada, até porque não se socorreu dos elementos racionais, sistemáticos e históricos de interpretação de leis [...];
3) Confundiu, com o devido respeito, o deixar ao legislador ordinário a conformação processual de meios acessórios futuros ou até actuais, com uma indispensável e necessária, e tão só, Interpretação Conforme à Constituição dos Arts. 76° nº 1 e 77° nº 1 da LPTA [...];
4) De acordo com o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, prescrito na versão última do Art. 268° nº 4 da C.R.P., os requisitos constantes no Art. 76° nº 1 da LPTA, são excessivamente onerosos, gravosos e restritivos aos direitos dos requerentes e inadequados ao que se pensa que é, ou deveria ser, a realização de Um Estado de Direito, consagrada no Art. 2° da C.R.P., face não só, a outras Providências Cautelares subsidiárias, via Art. 1° da LPTA, como à débil posição do cidadão comum, quando tem de enfrentar juridicamente a máquina da administração portuguesa [...];
5) O continuar a entender-se. hoje em dia, face ao já muitas vezes citado, novo Art. 268º nº 4 da C.T.P., que a Suspensão de Eficácia de Actos, é meio processual acessório, exclusivo do Recurso Contencioso, é por um lado, não extrair daquele preceito constitucional as consequências necessárias e suficientes, como retiraria aos recorrentes de Acções Para o Reconhecimento de Direitos e Interesses Legítimos, uma garantia autónoma e específica, que não pode ser substituída ou dada, por qualquer outro meio processual acessório administrativo ou civil, nomeadamente os Procedimentos Cautelares estatuídos no C.P.C., via Art. 1° da LPTA, tendo em consideração o Art. 80º da mesma LPTA, que garante de per si, como ónus da Entidade Recorrida, o dever de fundamentar com a grave lesão do interesse público, a continuação dos actos (nº 1) e não sendo assim, que foi (a C.M. Sintra, mal recebeu o duplicado da p.i., procedeu a novos Embargos) e é o caso (nº 2) a congelar de imediato toda a situação processual, enquanto que os Procedimentos Cautelares Civis, necessitam sempre, para sustação da situação jurídica controvertida, de uma sentença transitada em julgado, que mesmo tendo em atenção a urgente celeridade destes processos, o efeito útil extraído, passado um mês, dois ou três, quando não é muito mais, poderá ser nenhum ou escasso [...];
6) Por outro lado, defendendo-se, como se defende, a inconstitucionalidade do Art. 77° nº 1, e em consequência, para o seu aproveitamento jurídico, ser indispensável, uma interpretação conforme à Constituição, este meio acessório
(Suspensão de Eficácia de Actos) não seria exclusivo do Recurso Contencioso, e aplicável, por isso, também, às Acções Para o Reconhecimento de Direitos ou Interesses Legítimos, e sendo, geneticamente, Uma Providência Especificada, não poderiam, os recorrentes, socorrer-se de qualquer outra, designadamente, Providências não Especificadas, (já que dentro das outras Especificadas, nenhuma lhes seria útil) via Art. 1° da LPTA, com o mesmo conteúdo ou equivalência, por força do Princípio Geral de Direito Processual Civil, que não permite aquela utilização [...];
7) Mais, a última Revisão Constitucional, ao consagrar no Art. 268° nº 4 da C.R.P. o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, remodelou todo o Sistema Contencioso Administrativo, que não só, passou a pender mais, para uma visão civilista e garantista, como, deu, sem sombra para dúvidas, à Acção Para Reconhecimento de Direitos e Interesses Legítimos, o primeiro degrau da hierarquia contenciosa, mesmo para quem defenda a Teoria do Alcance Médio, já que, quando esta se aplica, serão os meios processuais acessórios que deverão gravitar em volta da Acção, e não, o contrário, que seria subverter a importância das coisas, dando mais peso ao acessório, que ao principal;
8) Não deve ser, por isso, a Acção que tem de «encaixar» juridicamente nos pressupostos e requisitos da Suspensão, que foi normatizada, antes da última Revisão Constitucional, num enquadramento legal completamente diferente do de hoje.
[...].'
A Câmara Municipal de Sintra produziu as alegações de fls. 345-346, tendo nelas sustentado o não provimento do recurso. C e outros, E e D., B e, por último, F, também alegaram (respectivamente, fls. 348 e seguintes, 359 e seguintes, 370 e seguintes e 375-376), pedindo que fosse negado provimento ao recurso. Por despacho de fls. 377, foi mantida a decisão agravada. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo emitiu o parecer de fls. 380-381, nele tendo concluído:
'Assim e ante a jurisprudência pacífica indicada na decisão recorrida e o disposto no n.º 3 do art. 79º da LPTA, no sentido de caducar a suspensão de eficácia, se o recurso contencioso não for interposto no prazo de dois meses, estabelecido para os actos anuláveis, ao ocorrer prévio requerimento a pedir a suspensão de eficácia, mesmo a invocar-se a nulidade do acto em causa, entende-se ter sido feita correcta aplicação do direito e dever manter-se a sentença recorrida.'
4. Por acórdão de 31 de Maio de 2001, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida (fls. 385 e seguintes). Pode ler-se no texto do acórdão:
'[...]
2.2. A sentença recorrida rejeitou a suspensão de eficácia requerida pelos ora recorrentes, com o fundamento que ocorrera a caducidade de tal suspensão por, nos termos do nº 3 do art. 79º da LPTA, não ter sido interposto recurso contencioso no prazo de 2 meses. E embora tenha sido intentada acção de reconhecimento de direito que, na [óp]tica dos recorrentes, seria o meio processual principal, tal sentença considerou que «o teor literal dos arts. 76º, nº 1 e 77º, nº 1, da LPTA não consente outra interpretação que não seja a de considerar que o meio acessório da suspensão da eficácia apenas pode ser utilizado em articulação com o recurso contencioso». Nas alegações do presente recurso jurisdicional, os recorrentes limitam-se a invocar a inconstitucionalidade dos citados arts. 76º, nº 1 e 77º, nº 1, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da CRP, dado que os requisitos constantes do mencionado art. 76º «são excessivamente onerosos, gravosos e restritivos dos direitos dos requerentes» e porque uma interpretação conforme àquele princípio exige que a suspensão de eficácia de actos administrativos não seja uma medida cautelar exclusiva do recurso contencioso mas seja também aplicável às acções para o reconhecimento de direitos ou de interesses legítimos. Vejamos se lhes assiste razão. O art. 268º, nº 4, da CRP, na redacção resultante da revisão constitucional de
1997, consagrou expressamente, no âmbito do contencioso administrativo, a garantia de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos estabelecido, em termos gerais, no art. 20º, nº 1 [...]. Resulta deste preceito o direito à plenitude da garantia jurisdicional que impõe que tenha sempre de se encontrar um meio que permita o acesso ao tribunal quando exista um direito ou interesse legalmente protegido carecido de tutela, embora tenha de aceitar-se que, por razões de ordem pública, de justiça, de segurança e de eficácia, a lei ordinária limite e discipline as formas pelas quais se processa o acesso dos interessados à justiça administrativa [...]. Esta garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva inclui as providências cautelares adequadas a evitarem factos consumados ou situações irreversíveis que ponham em causa a utilidade das sentenças. Porque, como vimos, o legislador constitucional não efectuou qualquer opção pelas fórmulas processuais adequadas ao caso concreto, o facto de a lei ordinária estabelecer que a suspensão de eficácia é um meio processual cautelar privativo do recurso contencioso só poderá violar o art. 268º, nº 4, da CRP, se daí derivar a impossibilidade de os interessados fazerem uso de uma medida cautelar idónea a assegurar a eficácia da sentença final. Ora, no caso em apreço, cremos que essa impossibilidade não se verifica.
É que, apesar de não estarem previstas na lei processual administrativa, é de admitir, por força dos arts. 1º da LPTA e 268º, nº 4, da CRP, que os interessados recorram às providências cautelares não especificadas previstas no art. 381º do CP Civil, nas quais se pode adoptar aquela que em cada situação se mostre mais adequada à respectiva finalidade, como, por exemplo, a intimação da Administração para adoptar um comportamento estritamente devido [...]. Assim, alegando os requerentes da suspensão da eficácia, ora recorrentes, que as obras em questão foram construídas em desconformidade com o projecto de arquitectura e com o alvará de loteamento e uma vez que era vinculado o poder da Administração de decretar o respectivo embargo [...], poderiam eles, para garantirem a utilidade de sentença favorável na acção de reconhecimento de direito utilizar a providência cautelar não especificada com o fim de se intimar a Administração a decretar tal embargo. Portanto, não se verifica a invocada inconstitucionalidade. Quanto à inconstitucionalidade respeitante aos requisitos vertidos no nº 1 do art. 76º da LPTA, há que atentar que, conforme resulta do art. 207º da CRP, os tribunais Administrativos apreciam a inconstitucionalidade de normas mas apenas na medida em que a sua aplicação num caso concreto no decurso de um processo possa afectar a situação material subjacente. Por isso, o tribunal não pode conhecer da inconstitucionalidade da norma em abstracto ou em tese, mas apenas da sua inconstitucionalidade na aplicação ao caso «sub judice», concluindo pela sua aplicação ou desaplicação e decidindo a questão principal em conformidade [...]. Ora, no caso em apreço, a decisão recorrida, que agora se confirma, rejeitou o pedido da suspensão de eficácia, não apreciando por isso a verificação dos requisitos do nº 1 do art. 76º da LPTA. Deste modo, por se traduzir numa eventual inconstitucionalidade abstracta, não pode este tribunal conhecer da alegada inconstitucionalidade da exigência dos aludidos requisitos para o decretamento da suspensão de eficácia.'
5. De novo inconformados, A e outros interpuseram recurso do mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 391 e seguintes):
'[...] com o fundamento que foram aplicados os Arts. 76° n.º 1 e 77° n.º 1 da LPTA, DL n.º 267/85 de 16 de Julho, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no Processo, designadamente nas respostas dadas às Contestações dos RR. [...] nomeadamente, por ter sido invocada a inadmissibilidade legal do pedido de Suspensão de Eficácia de Actos, por ser dependência não de um Recurso de Anulação, mas de uma Acção Administrativa [...], que originou o Recurso em referência, que manteve a decisão de negação de provimento, com o fundamento que ocorrera a caducidade de tal pedido de suspensão, por nos termos do n.º 3 do art. 79° da LPTA, não ter sido interposto recurso contencioso no prazo de 2 meses (Embora a Caducidade propriamente dita nunca tenha sido invocada pelos RR.) e no qual se mantiveram as Alegações das mesmas Inconstitucionalidades verificadas, por violação do Art. 268° n.º 4 da C.R.P., que implantando no sistema jurídico actual o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, não se compadece com uma interpretação meramente literal dos artigos em questão, manifestamente desconforme à Constituição, face ao Art. 18° da mesma, devendo por isso, o pedido de Suspensão de Eficácia de Actos ser admitido e procedente, na dependência da Acção interposta, para o Reconhecimento de Direitos e Interesses Legítimos [...].'
O recurso foi admitido por despacho de fls. 397.
6. Já no Tribunal Constitucional, foi pela relatora proferido o despacho de fls. 413-414, delimitando o objecto do recurso nos seguintes termos:
[...] não foi aplicada no acórdão recorrido a norma do artigo 76º, n.º 1, da LPTA, que os recorrentes pretendiam submeter à apreciação deste Tribunal. Não pode assim tal norma constituir objecto do recurso d[e] fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. No âmbito do presente recurso apenas poderá ser apreciada a conformidade constitucional da norma contida no artigo 77º, n.º 1, da LPTA, pois só essa norma constituiu o fundamento da decisão no acórdão recorrido.'
7. Os recorrentes A e outros, nas alegações que produziram junto deste Tribunal (fls. 416 e seguintes), concluíram do seguinte modo:
'1) A Questão Prévia da caducidade do meio acessório Suspensão de Eficácia de Actos, com a sua eventual e consequente constitucionalidade, apenas foi decidida, com apego ao Art. 1º e à literalidade do Art. 77º nº 1 da LPTA, o que, com o devido respeito, não é correcto, face ao Art. 18º e à nova redacção do Art. 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, que consagrou o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva na última Revisão Constitucional, o qual apenas ficará escorreito e completo, se à referida norma constitucional for atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê, nomeadamente, a legitimação e indispensável possibilidade de proposição de todos os meios acessórios existentes, incluindo a controversa «Suspensão de Eficácia», em articulação com as Acções de Reconhecimento de Direitos, previstas nos Arts. 69° e seguintes da LPTA [...];
2) O Tribunal A Quo, não chegou a apreciar o Fundo da Questão Inconstitucional Paradigmática que foi suscitada, até porque não se socorreu dos elementos racionais sistemáticos e históricos de interpretação de leis, previstos e aplicáveis por via do Art. 9° do Código Civil, e apenas apreciou, com o devido respeito, a mera possibilidade de os Recorrentes poderem utilizar Providências Cautelares Não Especificadas [...];
3) Aquilo que verdadeiramente esteve e está em causa, é tão só e exclusivamente, uma interpretação conforme à Constituição, do novo Art. 268° n° 4 da C.R.P., via Art. 18° da mesma, face ao nº 1 do Art. 77° da LPTA [...];
4) A não se entender, que com a nova redacção do nº 4 do Art. 268° da C.R.P., a Suspensão de Eficácia prevista no n° 1 do Art. 77° da LPTA é também aplicável, via Art. 18° da C.R.P., às Acções Para o Reconhecimento de Direitos e Interesses Legalmente Protegidos, o que é que realmente mudou no Ordenamento Jurídico-Administrativo em Portugal? [...];
5) Tendo sido a Acção Para Reconhecimento de Direitos, legitimada com foros de primazia, via ultima Revisão Constitucional, não faltará legitimar todos os meios processuais acessórios existentes, e inter-relacionáveis com aquela, nomeadamente a dita Suspensão de Eficácia, já que, havendo Direito ao Mais, não terá necessariamente de haver Direito ao Menos? [...];
6) Não foi garantido aos administrados, por via da última Revisão Constitucional tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, em toda a sua plenitude? [...];
7) O continuar a entender-se, hoje em dia, face ao já muitas vezes citado, novo Art. 268º nº 4 da C.R.P., que a Suspensão de Eficácia de Actos, é meio processual acessório, exclusivo do Recurso Contencioso, é por um lado, não extrair daquele preceito constitucional as consequências necessárias e suficientes, [...] sob pena de retirar aos recorrentes de Acções Para o Reconhecimento de Direitos e Interesses Legítimos, uma garantia autónoma e especifica, que não pode ser substituída ou dada, por qualquer outro meio processual acessório administrativo ou civil, nomeadamente os Procedimentos Cautelares não especificados (P. ex. Intimação Para Um Comportamento Devido) estatuídos no C.P.C., via Art. 1º da LPTA, tendo em consideração o Art. 80º da mesma LPTA, que garante de per si, como ónus da Entidade Recorrida, o dever de fundamentar com a grave lesão do interesse público, a continuação dos actos (nº
1) e não sendo assim, que foi (a C. M. Sintra, mal recebeu o duplicado da p. i., procedeu a novos Embargos) e é o caso (nº 2) a congelar de imediato toda a situação processual, enquanto que os Procedimentos Cautelares Civis, necessitam sempre, para sustação da situação jurídica controvertida, de uma sentença transitada em julgado, que mesmo tendo em atenção a urgente celeridade destes processos, o efeito útil extraído, passado um mês, dois ou três, quando não é muito mais, poderá ser nenhum ou escasso [...];
8) Por outro lado, defendendo-se, como se defende, a inconstitucionalidade do Art.77° nº 1, e em consequência, para o seu aproveitamento jurídico, ser indispensável, uma interpretação conforme à Constituição, este meio acessório
(Suspensão de Eficácia de Actos) não seria exclusivo do Recurso Contencioso, e aplicável, por isso, também, às Acções Para o Reconhecimento de Direitos ou Interesses Legítimos, e sendo, geneticamente, Uma Providência Especificada, não poderiam, os recorrentes, socorrer-se de qualquer outra, designadamente, Providências não Especificadas, (já que dentro das outras Especificadas, nenhuma lhes seria útil) via Art. 1º da LPTA, com o mesmo conteúdo ou equivalência, por força do Princípio Geral de Direito Processual Civil, que não permite aquela utilização [...];
9) Mais, a última Revisão Constitucional, ao consagrar no Art. 268° nº 4 da C.R.P., o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, remodelou todo o Sistema Contencioso Administrativo, que não só, passou a pender mais, para uma visão civilista e garantista, como, sem sombra para dúvidas, conferiu à Acção Para Reconhecimento de Direitos e Interesses Legítimos, o primeiro degrau da hierarquia contenciosa, já que, quando esta se aplica, serão os meios processuais acessórios que deverão gravitar em volta da Acção, e não, o contrário, que seria subverter a importância das coisas, dando mais peso ao acessório, que ao principal, isto quer dizer que, com o novo Art. 268° nº 4 da C.R.P., surgiu um novo meio de impugnação plena, susceptível de ser articulado com qualquer meio acessório existente no Ordenamento Jurídico, nomeadamente a referida «Suspensão de Eficácia» e que no caso concreto, conduz forçosamente, tanto quanto se defende, à Inconstitucionalidade do dito Art. 77° nº 1 da LPTA
[...];
10) Não deve ser, por isso, a Acção que tem de «encaixar» juridicamente nos pressupostos e requisitos da Suspensão, que foi normatizada, antes da última Revisão Constitucional, num enquadramento legal completamente diferente do de hoje, mas sim, A Suspensão de Eficácia, é que terá de se enquadrar no novo sistema normativo constitucional, permitindo a possibilidade de proposição, juntamente ou previamente com qualquer Acção Para o Reconhecimento de Direitos ou Interesses Legalmente Protegidos.'
A Câmara Municipal de Sintra, ora recorrida, limitou-se a dizer o seguinte, nas suas alegações (fls. 471):
'O âmbito do presente recurso está restringido à conformidade constitucional da norma constante do art. 77º, nº 1 da LPTA. Sobre a questão ora suscitada em sede de recurso, pronunciou-se, de forma clara, a decisão recorrida, de modo que se não mostra passível de censura. Termos em que se adere por inteiro aos fundamentos em que tal decisão se suporta, e que têm amplo apoio jurisprudencial. Pelo que deve, em consequência, ser ao presente recurso negado provimento.'
Cumpre apreciar.
II
8. O objecto do presente recurso prende-se apenas com a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 77º da LPTA (Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho), atento o teor do despacho, já transitado em julgado, de fls. 413-414 (supra, 6.). Determina o n.º 1 do artigo 77º da LPTA:
'Artigo 77º Requerimento
1. A suspensão é pedida ao tribunal competente para o recurso em requerimento próprio apresentado: a) Juntamente com a petição do recurso; b) Previamente à interposição do recurso.
[...].'
Conforme resulta das várias peças processuais em que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada, bem como das alegações que os recorrentes produziram junto deste Tribunal, a questão que concretamente cumpre apreciar é a da conformidade constitucional desse preceito, na interpretação segundo a qual não é possível a articulação entre o pedido de suspensão de eficácia aí previsto e a acção para o reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido prevista nos artigos 69º e seguintes da LPTA. Os recorrentes aduzem, em síntese, os seguintes argumentos no sentido da inconstitucionalidade de tal norma, na referida interpretação (supra, 7.): a. A última revisão constitucional [os recorrentes referem-se certamente à
4ª revisão, que é a de 1997] instituiu, no artigo 268º, n.º 4, da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos; b. Essa tutela pressupõe que à norma do artigo 268º, n.º 4, da Constituição seja atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê, nomeadamente o da legitimação e consequente possibilidade de proposição de todos os meios acessórios em articulação com as acções para o reconhecimento de direitos previstas nos artigos 69º e seguintes da LPTA; c. O tribunal recorrido apenas admitiu a possibilidade de os recorrentes utilizarem providências cautelares não especificadas, não se tendo pronunciado sobre a questão de fundo, que era a de saber se o n.º 1 do artigo 77º da LPTA era inconstitucional face à última revisão constitucional; d. A nova versão do n.º 4 do artigo 268º da Constituição implica uma interpretação conforme à Constituição do n.º 1 do artigo 77º da LPTA, pois que produziu uma mudança no ordenamento jurídico-administrativo português; e. A suspensão da eficácia de actos não pode ser substituída por qualquer outro meio processual acessório administrativo ou civil, nomeadamente os procedimentos cautelares não especificados estatuídos no Código de Processo Civil, tendo em consideração o disposto no artigo 80º da LPTA, que faz recair sobre a entidade recorrida o ónus de congelar de imediato toda a situação processual, enquanto os procedimentos cautelares civis necessitam sempre, para sustação da situação jurídica controvertida, de uma sentença transitada em julgado; f. A suspensão de eficácia de actos não é exclusiva do recurso contencioso e, sendo uma providência especificada, não poderiam os recorrentes socorrer-se de qualquer outra providência; g. Com a alteração do artigo 268º, n.º 4, da Constituição surgiu um novo meio de impugnação plena, susceptível de ser articulado com qualquer meio acessório existente no ordenamento jurídico, devendo a suspensão de eficácia enquadrar-se no novo sistema constitucional.
9. O artigo 268º, n.º 4, da Constituição dispõe o seguinte:
'É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.'
Será este preceito violado pela norma do n.º 1 do artigo 77º da LPTA, na interpretação segundo a qual não é possível a articulação entre o pedido de suspensão de eficácia aí previsto e a acção para o reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido, sendo a providência de suspensão da eficácia de actos privativa do recurso contencioso de anulação?
9.1. Sobre questão com algumas afinidades já se pronunciou este Tribunal, no acórdão n.º 30/2000, de 12 de Janeiro (Diário da República, II Série, n.º 57, de 8 de Março de 2000, p. 4570 s). Simplesmente, aí estava em causa a
'possibilidade de, em acção popular para defesa dos interesses referidos no artigo 52º, n.º 3, da Constituição, se utilizar autonomamente o meio processual acessório de suspensão da eficácia do acto recorrido, apesar do estabelecido no artigo 18º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto'. Em tal aresto considerou-se que este artigo 18º, se interpretado no sentido de excluir o recurso autónomo à suspensão de eficácia prevista nos artigos 76º e seguintes da LPTA, não era inconstitucional, na medida em que nesse mesmo artigo 18º se estabelecia um regime especial de eficácia dos recursos, assim se criando 'um meio processual especial dentro do processo administrativo existente'. Todavia, e apesar das afinidades de tal questão com aquela que ora se impõe resolver, não é possível remeter, sem mais, para a fundamentação do mencionado acórdão. Na verdade, nesse aresto estava essencialmente em causa a proibição de uso do meio processual acessório da suspensão da eficácia de actos nos casos em que num recurso contencioso de anulação se pode formular o próprio pedido de suspensão, enquanto agora está essencialmente em causa a proibição do uso desse meio nos casos em que não é interposto o correspondente recurso contencioso de anulação. A diversidade das questões a resolver é suficientemente significativa para que neste caso se não possa remeter sem mais para a doutrina do acórdão n.º
30/2000, de 12 de Janeiro.
9.2. Para decidir a questão colocada pelos recorrentes, cumpre em primeiro lugar salientar que a norma do n.º 4 do artigo 268º da Constituição, ao garantir aos administrados a via cautelar para a tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não estabelece qualquer elenco das medidas cautelares constitucionalmente reconhecidas. Tal norma apenas garante a via cautelar que, em concreto, seja a adequada. Nesta medida, não parece possível dela extrair o direito fundamental a uma precisa providência cautelar já prevista no ordenamento. Relativamente à providência cautelar prevista nos artigos 76º e seguintes da LPTA, disse o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 556/00, de 13 de Dezembro
(Diário da República, II Série, n.º 31, de 6 de Fevereiro de 2001, p. 2518 ss):
'[...]
À luz do texto constitucional então vigente [1989], este Tribunal entendeu – se bem que por maioria – que o direito à suspensão de eficácia de um acto administrativo, constituindo um acréscimo garantístico relativamente ao próprio recurso contencioso, tornando-o mais consistente, não era, no entanto, constitucionalmente consagrado (assim, v.g., os acórdãos n.ºs 80/91, 173/91,
450/91 e 205/93, este último tirado em plenário, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 29 de Agosto de 1991, 2 de Setembro do mesmo ano e, os dois últimos, de 3 de Maio de 1993).
[...] Com a redacção introduzida [pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro], o nº 4 deste preceito [o artigo 268º da Constituição] passou a ficar redigido de modo a garantir aos administrados «tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas». O que o legislador constitucional pretendeu foi deixar claro que «o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa – a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente, das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) – obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas». É que tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos «seus direitos e interesses legalmente protegidos», como dispõe o n.º 1 do artigo 20º da Constituição (cfr. acórdãos nºs 104/99, 105/99 e 469/99, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1999, 15 de Maio de 1999 e 14 de Março de 2000, respectivamente).
[...]
[...] se a suspensão de eficácia passou a estar prevista no nº 4 do actual artigo 268º no âmbito dos concretos actos administrativos, já o mesmo não se dirá quanto aos regulamentos, visto que, relativamente a estes, o nº 5 do preceito cuida exclusivamente do direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa, lesivas dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
[...].'
O acórdão acabado de citar não pode porém ser interpretado no sentido de que a actual redacção do n.º 4 do artigo 268º da Constituição constitucionalizou a figura da suspensão da eficácia dos actos administrativos, tal como se encontra delineada na lei. A própria referência genérica, no n.º 4 do artigo 268º, às medidas cautelares adequadas é compatível com a existência de um elenco aberto de providências
(cfr. Fernanda Maçãs, 'As medidas cautelares', Reforma do contencioso administrativo – Trabalhos preparatórios – O debate universitário, Vol. I, Ministério da Justiça, Novembro 2000, p. 355 ss, p. 357) e não exige necessariamente a automática destinação de uma providência já existente à tutela de certo direito. Ora, a interpretação conforme à Constituição da norma do artigo 77º, n.º 1, da LPTA, que os recorrentes propugnam (supra, 8., d) e g)), tem subjacente o entendimento de que o regime legal da suspensão da eficácia dos actos se encontra, enquanto tal, constitucionalmente tutelado, sendo que do n.º 4 do artigo 268º da Constituição não decorre, como se disse, tal convolação de um concreto regime legal em imperativo constitucional. Pode suceder, na verdade, que a tutela mais adequada de um direito ou de um interesse exija um mecanismo similar ao previsto nos artigos 76º e seguintes da LPTA, isto é, exija a possibilidade de suspensão da eficácia de um acto administrativo. Mas desta afirmação não decorre necessariamente a tutela constitucional do regime legal desse mecanismo.
9.3. Também contrariamente ao que entendem os recorrentes, não é possível sustentar que a norma do artigo 268º, n.º 4, da Constituição exige que qualquer meio processual acessório possa ser articulado com a acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos (supra, 8., a) e b)). Essa norma apenas exige que com qualquer acção desta natureza possa ser articulado o meio processual acessório que concretamente se revele adequado, de modo que o direito à tutela jurisdicional efectiva se traduza 'na plena eficácia da decisão jurisdicional na esfera jurídica do particular' (Gonçalo Capitão e Pedro Machado, 'Direito à tutela jurisdicional efectiva – Implicações na suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos', Polis, Ano I – N.º 3, Abril – Junho 1995, p. 33 ss, p. 45). Na expressão do tribunal recorrido, aquela norma do artigo 268º, n.º 4, da Constituição exige 'as providências cautelares adequadas a evitarem factos consumados ou situações irreversíveis que ponham em causa a utilidade das sentenças' (supra, 4.). Essa possibilidade de articulação há-de, desde logo, depender da circunstância de o meio processual acessório ser, por natureza, apto a tutelar provisoriamente aquele direito ou interesse. Trata-se de emanação da própria ideia de instrumentalidade, ínsita em qualquer providência cautelar. Assim, 'a relação de instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o recorrente não consegue obter através de uma eventual sentença favorável sobre a pretensão de fundo' (Fernanda Maçãs, 'As medidas cautelares', cit., p. 362). Particularmente em relação à suspensão da eficácia de actos, prevista nos artigos 76º e seguintes da LPTA – e ainda que se considere que tal figura se encontra constitucionalmente tutelada (supra, 9.2.) –, não pode defender-se que a acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos necessária e logicamente a pressuponha. Se assim fosse, estar-se-ia, não só a negar a necessidade de aferir a adequação da providência de suspensão da eficácia de actos face ao específico direito ou interesse a tutelar, mas também a negar a utilidade de quaisquer outras providências e, portanto, a excluir a possibilidade do seu decretamento nessas hipóteses. Como afirma Fernanda Maçãs (A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, Coimbra Editora, 1996, p. 249), '[...] a suspensão constitui uma forma de tutela provisória manifestamente insuficiente e inadequada em relação a algumas categorias de actos e comportamentos da Administração'. Ora, havendo actos e comportamentos da Administração, relativamente aos quais a providência de suspensão da eficácia não constitui forma de tutela suficiente ou adequada, a solução não pode estar no emprego da providência fora dos casos a que se destina – portanto, no seu emprego forçado –, mas no recurso a outra providência cautelar. E, como assinala Fausto de Quadros ('Algumas considerações gerais sobre a reforma do contencioso administrativo. Em especial, as providências cautelares', Reforma do contencioso administrativo – Trabalhos preparatórios – O debate universitário, Vol. I, Ministério da Justiça, Novembro 2000, p. 151 ss, p. 162):
'Pode ser mais adequado e mais útil, num dado caso concreto, uma providência cautelar positiva (ou seja, uma injunção) do que uma providência cautelar negativa (a suspensão da eficácia de um acto ou de um regulamento)'.
É claro que, quando o efeito útil de uma acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido possa ser assegurado mediante a paralisação dos efeitos de um acto administrativo, há quem sustente que se devem aplicar as normas relativas à suspensão da eficácia de um acto administrativo
(neste sentido, Rui Medeiros, 'Estrutura e âmbito da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido', Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXI, Janeiro-Junho – 1989, p. 1 ss, p. 39; sobre o tratamento a dar às situações em que 'a ausência da suspensão retira toda a utilidade ao recurso, uma vez que só esta poderá salvaguardar a eficácia da sentença que no futuro vier anular o acto impugnado', ver ainda Fernanda Maçãs,
'A relevância constitucional do procedimento cautelar da suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos', Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. 69, 1993, p. 435 ss, maxime p. 464 ss). Mas esta posição não resolve o problema de constitucionalidade ora em causa. Ela só podia eventualmente resolvê-lo se o tribunal recorrido tivesse considerado que, no caso dos autos, o efeito útil da acção principal apenas podia ser assegurado mediante a paralisação dos efeitos de um acto administrativo e, apesar disso, tivesse rejeitado a possibilidade de utilização da providência da suspensão da eficácia. Nesse caso, a interpretação dada ao artigo 77º, n.º 1, da LPTA já poderia colocar algumas dúvidas quanto à sua conformidade constitucional, por não assegurar o efeito útil da acção principal. Não foi, porém, esta a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido. Na verdade, esse tribunal considerou que os recorrentes tinham ao seu dispor uma outra providência cautelar apta a assegurar a eficácia da sentença final. Diz-se no acórdão recorrido que os recorrentes podiam, 'para garantirem a utilidade da sentença favorável na acção de reconhecimento de direito, utilizar a providência cautelar não especificada com o fim de se intimar a Administração a decretar tal embargo' (supra, 4.). Isto é: sob o ponto de vista do tribunal recorrido, o efeito útil da acção podia ser assegurado mediante uma providência diversa da suspensão da eficácia. E, assim sendo, há-de concluir-se que a interpretação do artigo 77º, n.º 1, da LPTA perfilhada no acórdão recorrido não pôs em causa o direito do particular de que seja acautelado o efeito útil de uma acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. Concluindo, quanto a este ponto: não pode ver-se na articulação entre a suspensão da eficácia de actos e o recurso contencioso de anulação uma violação da regra constitucional segundo a qual todos os meios processuais acessórios devem estar, independentemente da sua finalidade, ao serviço da acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos. É que tal regra, efectivamente, não existe, já que a Constituição apenas impõe que se assegure, relativamente a qualquer acção que assuma tal natureza, uma medida cautelar apta a acautelar o seu efeito útil e, no caso dos autos, o tribunal recorrido considerou que tal seria possível mediante a intimação da Administração para adoptar um comportamento estritamente devido.
9.4. A circunstância de os recorrentes, através do emprego do mecanismo da suspensão da eficácia de actos, obterem vantagens que não teriam se se servissem de outro meio processual acessório (supra, 8., e)) não torna constitucionalmente ilegítima a não articulação entre a suspensão da eficácia de actos e a acção para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos. Na verdade, do disposto no n.º 4 do artigo 268º da Constituição não decorre que o particular, quando se socorra de um certo meio processual acessório, tenha
'direito ao imediato congelamento da situação processual por parte da entidade recorrida', para usar as palavras dos recorrentes (sobre a suspensão provisória automática: Maria da Glória Garcia, 'Os procedimentos cautelares. Em especial, a suspensão da eficácia do acto administrativo', Direito e Justiça, Vol. X, 1996, Tomo 1, p. 195 ss, p. 202). O particular tem apenas direito a ver acautelado o efeito útil de uma acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, nos termos atrás expostos, não decorrendo daquele preceito constitucional qualquer exigência de extensão de um regime próprio de um meio processual acessório – que, nalguns dos seus aspectos, pode ser mais benéfico para o particular – a outro meio processual acessório.
9.5. O argumento dos recorrentes segundo o qual o tribunal recorrido apenas admitiu a possibilidade de eles utilizarem providências cautelares não especificadas, não se tendo pronunciado sobre a questão de fundo, que era a de saber se o n.º 1 do artigo 77º da LPTA era inconstitucional face à última revisão constitucional (supra, 8., c)) – isto é, o argumento segundo o qual a admissão de tal possibilidade mais não representaria do que uma fuga ao problema colocado pelos recorrentes – não é argumento que destrua a fundamentação do acórdão recorrido, nem pode também agora ser usado como argumento contra o que acabou de ser exposto. Na verdade, a questão da conformidade constitucional do n.º 1 do artigo 77º da LPTA não pode ser desprendida da seguinte ordem de considerações: de que aos recorrentes estava aberta a possibilidade de requerem uma outra providência cautelar; de que se não a requereram foi por sua exclusiva vontade; e, ainda, de que se propuseram uma acção de reconhecimento de direito em vez de um recurso contencioso de anulação tal se deveu a opção sua. Afastada a ideia de que o n.º 4 do artigo 268º da Constituição convolou o mecanismo da suspensão de eficácia de actos, tal como legalmente delineado, em imperativo constitucional (supra, 9.2. e 9.4.), bem como a de que tal mecanismo necessariamente se articularia com qualquer acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido (supra, 9.3.), é óbvio que a questão colocada pelos recorrentes passa a ser a de saber se, com a interpretação que perfilhou, o tribunal recorrido lhes negou o acesso à via cautelar adequada
(sobre questão semelhante, concretamente a de saber se a Constituição tutela o direito à duplicação de meios jurisdicionais, veja-se, a título de exemplo, o acórdão deste Tribunal n.º 435/98, de 16 de Junho, publicado no Diário da República, II Série, n.º 284, de 10 de Dezembro de 1998, p. 17477). Ora manifestamente tal não ocorreu: o tribunal recorrido afirmou claramente que o ordenamento dispunha de uma outra via cautelar, que esta salvaguardava o direito dos recorrentes e, por último, que tal via se encontrava franqueada aos recorrentes. E, ainda quanto a este concreto ponto, não tem sentido o argumento segundo o qual, não sendo a suspensão de eficácia de actos exclusiva do recurso contencioso e sendo uma providência especificada, não poderiam os recorrentes socorrer-se de qualquer outra providência (supra, 8., f)). Na verdade, foi o próprio tribunal recorrido que afirmou tal possibilidade – e não compete ao Tribunal Constitucional, obviamente, dela aferir face à lei –, não se percebendo por que motivo querem agora os recorrentes rejeitá-la.
9.6. Conclui-se, assim, que o artigo 268º, n.º 4, da Constituição, ao consagrar a tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, não impõe a pretendida articulação entre a suspensão da eficácia de actos e a acção para o reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido, não sendo portanto inconstitucional o sentido que o tribunal recorrido atribuiu à norma do n.º 1 do artigo 77º da LPTA.
III
10. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 17 de Abril de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa