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Processo nº 236/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - A, identificado nos autos, foi condenado em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo da 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, por acórdão de 15 de Maio de 2001, como autor material de três crimes de homicídio negligente, previstos e punidos pelo artigo 137º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada um dos crimes, e, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º do mesmo diploma, na pena de oito meses de prisão, sendo, em cúmulo jurídico, condenado na pena única de três anos de prisão.
Ainda como autor da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 24º, nºs. 1 e 3, 27º, nº 1, 146º, alínea b), e 147º, alínea h), do Código da Estrada, foi condenado na coima de 40.000$00, sendo-lhe cassada a licença de condução e proibida a concessão de nova licença de condução de veículos motorizados de qualquer categoria por um período de quatro anos.
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa não foi o mesmo admitido, por despacho de 11 de Junho de 2001, por se considerar extemporaneamente interposto.
Escreveu-se, então, no que ora interessa (fls. 47 dos presentes autos):
'Nos termos do artº 411º nº 1 do CPP 'o prazo para interposição do recurso é de
15 dias e conta-se... tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria'. No caso dos autos o depósito ocorreu em 21.5.2001. O termo do prazo ocorreu em 5.6.2001. O prazo para prática do acto nos três dias subsequentes, nos termos do artº 146º do CPC terminou em 8.6.01. O acto foi praticado (expedido por correio electrónico) no Sábado, dia 9.6.01. Não foi invocado qualquer justo impedimento para a prática do acto extemporaneamente. Nestes termos e nos do artº 414 nº 1 do CPP. Por ter sido extemporaneamente interposto não admito o recurso.'
2. - Reclamou o recorrente, o que foi indeferido por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Outubro de 2001
(fls. 50 dos presentes autos):
'O arguido A vem reclamar do despacho que, por extemporâneo, não lhe admitiu o recurso interposto em 9/6/2001, visto a sentença recorrida ter sido depositada na Secretaria em 21/5/2001. O ora Reclamante defende que o recurso deve ser admitido porque quando se deslocou ao Tribunal em 21/5/2001, cerca das 12.30 horas desse mesmo dia, acompanhado do Mandatário, para tomar conhecimento do teor da sentença, o processo já se encontrava na Secretaria mas, faltando a assinatura de um dos Juízes, combinou-se com o Funcionário encarregado da gestão do processo que o acórdão seria notificado para o escritório do Mandatário e, depositado o acórdão ainda nesse mesmo dia, tal notificação veio a realizar-se em 24/5/2001, pelo que a contagem do prazo para recorrer só se iniciou em 25/5/2001. O despacho reclamado foi mantido. A única questão que vem suscitada é a de saber desde quando se conta o prazo para recorrer, nos casos em que a sentença é notificada às partes. Com interesse os autos mostram:
- A sentença foi depositada na Secretaria do Tribunal em 21/5/2001;
- Por carta registada expedida em 21/5/2001 o ilustre Mandatário do arguido foi notificado do depósito da sentença, sendo-lhe enviada a respectiva cópia;
- O requerimento de interposição do recurso foi expedido por correio electrónico em 9/6/2001 (sábado). O artº 411º nº 1 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que o prazo para a interposição do recurso, tratando-se de sentença, é de 15 dias e conta-se a partir do respectivo depósito na secretaria. A clareza desta disposição legal não permite outro entendimento que não seja o de que o prazo para a interposição de recurso da sentença começa sempre a correr com o respectivo depósito na secretaria do tribunal, ainda que, feito o depósito, a sentença venha a ser notificada às partes. E, por outro lado, a natureza imperativa desta mesma disposição não pode ser afastada por qualquer acordo feito com a secretaria do tribunal tendo em vista a notificação das partes para comodidade destas. No caso em apreço, é certo que o arguido foi notificado do depósito da sentença por carta registada expedida em 21/5/2001, devendo assim, nos termos do artº
113º nº 2 do CPP, considerar-se notificado no imediato dia 24. No entanto, segundo a referida disposição legal expressa, o prazo para o recurso da sentença há-de contar-se desde o respectivo depósito na Secretaria, ou seja, desde 21/5/2001. Deste modo, o prazo de 15 dias findou em 5/6/2001. Ao abrigo do artº 145º nº 6 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artº 104º nº 1 do CPP, o recurso ainda podia ter sido interposto até
8/6/2001. Como foi interposto por correio electrónico expedido em 9/6/2001 (sem que, nos termos do art. 146º do CPC, aplicável ex vi do citado art. 104º nº 1, simultaneamente, tivesse sido invocada qualquer situação do justo impedimento),
é manifesta a extemporaneidade do recurso. Indefere-se, pois, a reclamação. Custas pelo arguido.'
3. - Inconformado, pretendeu o interessado recorrer, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, da decisão que desatendeu a reclamação deduzida, fundamentando-se, nomeadamente, no facto de a mesma violar o artigo 32º, nº 1, da Constituição.
O recurso não foi admitido, por despacho do mesmo magistrado, de 31 de Outubro, aí se escrevendo, além do mais (fls. 81 dos presentes autos):
[...] o Reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida sobre a reclamação. O art. 405º nº 4, 1ª parte, do CPP é claríssimo: a decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirma o despacho do indeferimento. A decisão recorrida indeferiu a reclamação. Significa isto que foi confirmado o despacho da 1ª Instância que não admitiu o recurso a que respeita a reclamação. Logo, não se admite o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. Custas pelo reclamante, baseando-se a taxa de justiça em ¼ da UC, dada a simplicidade do processo (artº 84º nº 2 do Código das Custas Judiciais). Na sua alegação do recurso ora não admitido, o Reclamante alega a nulidade do despacho que recaiu sobre a reclamação, nulidade essa traduzida em omissão de pronúncia relativamente à questão do justo impedimento que teria determinado a interposição fora do prazo do recurso da sentença proferida pela 1ª Instância. Não sendo admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do despacho sobre a reclamação, há que conhecer da nulidade arguida, como impõe o art. 668º, nºs. 3 e 4 do CPC. Reconhece-se que a questão não foi apreciada, mas a nulidade cometida, como se demonstrará, não tem qualquer efeito na decisão. Como decorre do art. 405º, nºs. 1 e 3 do CPP, as questões a conhecer na reclamação só abrangem o que directamente respeita à admissão (ou subida imediata) do recurso. Por outro lado, do artº 146º do CPC resulta que o justo impedimento tem de ser alegado logo que se pratica o acto fora de prazo. No caso, o Reclamante não alegou o justo impedimento aquando da interposição do recurso fora do prazo legal, sendo-lhe vedada tal alegação em sede de reclamação pela não admissão do recurso com fundamento na extemporaneidade do mesmo. Assim, na reclamação não pode conhecer-se do justo impedimento relativo à prática fora do prazo legal de acto praticado no Tribunal de 1ª Instância. Em face desta proposição, a ter-se apreciado a questão do referido justo impedimento, não se teria conhecido dela, como agora não se conhece, razão por que a omissão não teve qualquer efeito na decisão sobre a reclamação. Pelo incidente de arguição de nulidade não são devidas custas.'
4. - Inconformado, veio o interessado interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 83):
'A, reclamante nos autos à margem referenciados, tendo sido regularmente notificado do douto Despacho que desatendeu a reclamação por si formulada, não se conformando com tal douta decisão vem, da mesma, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, a subir imediatamente e nos próprios autos, com fundamento na violação do disposto no artº 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, artº 9º nº 1 do Código Civil, artigo 668º nº 1, al. d) do C. Proc. Civil e ainda nos termos do disposto no artº 379º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, por referência ao prazo estabelecido no artº
686º do CPC, nos termos que, telegraficamente, se passam a sumariar: Por ser tempestivo e legalmente admissível, digne-se V.Exª. admiti-lo, fixando-lhe o modo de subida, a espécie e o efeito. Finalmente, dado que o recurso é apresentado no primeiro dia a que se refere o artº 145º nº 5 do C. Proc. Civil e dado que o mandatário esteve impedido de requerer, seja deferido o pagamento das guias de 1º dia nos termos do artº 145º nº 5, primeira parte, pelo que requer sejam passadas tais guias.'
Em face do teor do requerimento apresentado, foi o arguido notificado, ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para indicar 'os elementos previstos nessa mesma disposição legal'
(fls. 113).
O recorrente apresentou, então, um articulado que considera destinado 'a aperfeiçoar as suas motivações para o Tribunal Constitucional' (fls. 115 a 125), onde, rigorosamente, não indica os elementos previstos no nº 5 do citado artigo 75º-A, deste modo respondendo deficientemente ao despacho de 23 de Novembro, em face do que o novo despacho foi lavrado, em 19 de Dezembro de 2001, do seguinte teor (fls. 126):
'Embora com dúvidas sobre o cumprimento do disposto na 2ª parte do nº 1 do artº
75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dá-se como certo que o requerente não observou o disposto na 1ª parte do mesmo nº 1, ou seja, não indicou a alínea do nº 1 do artigo 70º da citada Lei ao abrigo da qual o recurso é interposto. A indicação em falta não foi feita, nem no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a fls. 83 e segs., nem na extensa peça a fls. 115 a 125, apresentada na sequência do convite que lhe foi feito nos termos do artº 75º-A nº 5. Assim, face ao disposto no artigo 76º nº 2 da Lei nº28/82, não admito o recurso interposto a fls. 83 e segs.. Custas pelo requerente.'
Insistiu o requerente, no confessado objectivo de
'procurar esclarecer o teor do seu (anterior) requerimento', repetindo a motivação anteriormente apresentada (fls. 127 e segs.).
Face ao longo articulado de resposta (fls. 127 a 136), onde nada se esclarece no tocante ao objectivo do anterior despacho, apresentada no prazo legal – a 11 de Dezembro de 2001 – e de um requerimento posterior, apresentado fora desse prazo (a 15 de Janeiro de 2002, por telecópia), onde se invoca 'lapso' e se indica que se pretende recorrer nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, foi proferido novo despacho, do seguinte teor, em 22 do mesmo mês de Janeiro (fls. 141):
'O Reclamante requer a correcção do que chama de erro material ('lapso') que, segundo o próprio, consiste em não ter sido indicado no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (a fls. 83) a alínea do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da qual tal recurso foi interposto, indicando, agora, como correcção, que onde se lia 'vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional', passa a ler-se 'vem, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 70º... interpor recurso para o Tribunal Constitucional'. Mais requer que, face à correcção feita, seja admitido o recurso para o Tribunal Constitucional. Para já, e salvo o devido respeito, não se trata de erro material ou lapso – simples erro de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que a declaração é feita, na definição do artº 249 do Código Civil. A omissão da alínea do citado nº 1 do artº 70º no requerimento de interposição de recurso a fls. 83, viciou esta na sua substância, visto que a indicação da alínea é requisito obrigatório na interposição de recursos para o Tribunal Constitucional e a falta de indicação não se detecta do contexto. De resto, pelo despacho a fls. 113, 2ª parte, o Reclamante foi convidado ao abrigo do artº 75º-A nº 5 da mencionada Lei a, além do mais, indicar a alínea do nº 1 do artº 70º em que fundava a interposição do recurso, mas não o fez, determinando a prolação do despacho a fls. 126, a não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional. Portanto, não se admite a correcção pretendida porque não há erro – lapso, erro de escrita ou erro material – que possa ser corrigido. E, por extemporâneo, não se admite a correcção como aditamento ao requerimento de fls. 83. De qualquer modo, relativamente ao requerimento a fls. 83, está esgotado o poder jurisdicional do signatário com o despacho a fls. 126, sendo certo que este não padece de erro material que possa ser corrigido (artº 666º nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil). Indefere-se, pois, o requerimento em apreço. Custas do incidente pelo Reclamante, com taxa de justiça de 1 UC – artº 84º nº 2 do Código das Custas Judiciais.'
5. - Notificado deste despacho em 23 de Janeiro de 2002, por carta registada expedida ao seu mandatário (cota de fls. 142), veio o interessado, em 18 de Fevereiro seguinte, por telecópia, em requerimento dirigido aos 'Excelentíssimos Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa', reclamar da não admissão do recurso, o que fez nos seguintes termos fls. 143):
'A, arguido nos autos crime à margem referenciados, tendo sido regularmente notificado do douto Despacho expedido em 23 de Janeiro do corrente, constante de fls. 126, que negou a possibilidade de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional Português, considerando, além do mais, que
‘De qualquer modo relativamente ao requerimento a folhas 83, está esgotado o poder jurisdicional do signatário com o despacho a fls. 126, sendo certo que este não padece de erro material que possa ser corrigido (artigo 666 nºs. 1 e 3) do Código de Processo Civil). Indefere-se pois, o requerimento em apreço.’; vem, em face de tal douta decisão, transitada em julgado em 13 de Fevereiro do corrente, e ao abrigo do que se dispõe no artigo 25º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma a 4 de Novembro de 1950, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, com referência ao nº 2 do artº 6º do Protocolo Adicional nº 4, que regulamenta o funcionamento da Comissão dos Direitos do Homem; vem reclamar da não admissão do recurso para este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que o interessado interpôs em Maio de 2001. Por ser tempestivo e legalmente admissível, digne-se V. Exa. admiti-lo, fixando-lhe a espécie, o modo de subida e o efeito suspensivo.'
Simultaneamente, apresentou as 'motivações' da reclamação numa peça processual telecopiada incompleta (fls. 145 a 156).
Só, posteriormente, em 27 de Fevereiro, apresentou o original do requerimento e a 'motivação' e documentação anexa completas (fls.
157 a 261).
6. - Face a este circunstancialismo, o Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa houve por bem, em despacho de 28 de Fevereiro, decidir o seguinte:
'Fls. 143 e segs. e 157 e segs.: Ao abrigo do artº 76º nº 4 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e ainda que manifestamente extemporânea, admito a reclamação interposta, que se destina ao Tribunal Constitucional. De harmonia com o art. 688º nº 3 do Código de Processo Civil, ‘ex vi’ do art.
69º da citada Lei nº 28/82, mantenho o despacho reclamado, dadas as razões dele constantes. Cumpra-se o disposto no art. 688º nº 4, 2ª parte, do Código de Processo Civil.'
7. - Neste Tribunal Constitucional foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O respectivo magistrado emitiu o seguinte parecer:
'Não se mostra interposta nos presentes autos qualquer reclamação para este Tribunal Constitucional, atinente à rejeição do recurso de fiscalização concreta que havia interposto: na verdade, através do expediente junto aos autos, o reclamante apenas pretendeu impugnar a não admissão do recurso interposto para a Relação de Lisboa, o que – como é óbvio – nada tem a ver com o meio procedimental previsto no artº 76º, nº 4, da Lei nº 28/82.'
8. - De acordo com o disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso (para esse Tribunal) ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
Como se deixou consignado, o recurso interposto pelo ora reclamante não foi admitido por decisão de 19 de Dezembro de 2001 e confirmado por novo despacho, de 22 de Janeiro seguinte.
Notificado em 23 desse mês, por carta registada, o interessado só reagiu em 18 do mês seguinte mediante reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O Vice-Presidente desse Tribunal admitiu a reclamação se bem que a tenha considerado 'manifestamente extemporânea' e considerou-se destinada ao Tribunal Constitucional.
O certo é que semelhante decisão não vincula este Tribunal – nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Ora, como observa o magistrado do Ministério Público, não existe nos autos qualquer reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional pelo que, pura e simplesmente, não tem cabimento invocar, aqui, o meio procedimental previsto no nº 4 daquele artigo 76º.
Tanto basta para, sem mais, se não dar seguimento ao meio utilizado.
9. - Em face do exposto, não se toma conhecimento do requerido. Lisboa, 17 de Abril de 2002 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida