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Procº nº 158/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Do acórdão proferido em 12 de Julho de 2001 pelo Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso de apelação que foi interposto da sentença de graduação de créditos lavrada em 30 de Janeiro do mesmo ano e por intermédio da qual não foi tomado em consideração o crédito reclamado por L... nos autos de falência em que figura como falida B..., Ldª, pretendeu o reclamante pedir revista para o Supremo Tribunal de Revista.
Como, por despacho proferido em 26 de Julho de 2001 pelo Desembargador Relator daquele Tribunal de segunda instância, o recurso não foi admitido, com fundamento em que a causa tinha um valor de Esc. 500.000$00, desse despacho reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça o alegado credor L....
Para o que ora releva, pode ler-se, a dado passo, na peça processual consubstanciadora da reclamação:-
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15 - Ora, a decisão reclamada, por vedar a reapreciação e reanálise do Acórdão de que se pretende recorrer, por esse Venerando Tribunal, acaba por afectar um trabalhador da falida, por um crédito de trabalho, que deve não só ser social e especialmente protegido, como também ser entendido como a única fonte de rendimento do reclamante.
16 - E este direito trata-se, aliás de um direito constitucionalmente protegido que não pode em caso algum ser prejudicado por uma menor clareza da Lei, que se por um lado considera a reclamação de créditos um ‘apenso’, logo um processo autónomo, por outro lado não define a aferição do valor desse mesmo processo autónomo.-
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O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 13 de Setembro de 2001, indeferiu a reclamação.
Fundamentou-se esse despacho nas seguintes considerações:-
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De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 678.º do CPC «Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal».
Suscita-se aqui a já aflorada questão do valor da causa nas reclamações de créditos formuladas em processo executivo ou de liquidação de patrimónios.
O actual Código de Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência não dá resposta expressa a esta problemática.
Contudo, num passado recente, colhendo os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, expressos no ‘Comentário ao Código de Processo Civil’, Vol. III, págs. 658 e 659, e na Ver. Leg. e Jur., Ano 83, pág. 268, e a posição sufragada no Ac. da Rel. de Coimbra de 17/01/1989, in CJ, Ano XIV, Tomo I, pág.
34, chegou-se à seguinte conclusão, que temos como correcta:
Até ao trânsito em julgado da sentença de graduação de créditos, o valor da causa tendo em vista o recurso é de aferir pelo valor de cada um dos créditos de que se recorra, sem qualquer interferência dos restantes. Depois da graduação dos créditos e sempre que não esteja em questão a existência de qualquer crédito, então o valor da causa para efeitos de recurso será o da soma dos créditos verificados e graduados.
No caso sub judice, estando ainda em discussão o crédito do recorrente, verifica-se que o valor da causa, correspondente ao valor do referido crédito (1.485.425$00), é inferior ao da alçada da Relação - quer se considere ela de 2.000.000$00 (art. 20.º, n.º 1, da Lei 38/87, de 23 Dez.) ou de
3.000.000$00 (art. 24.º, n.º 1, da Lei 3/99, de 13 Jan.).
Nestes termos, ainda que por fundamentos diversos dos que estão contidos no despacho reclamado, não é o recurso admissível.
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Solicitada a aclaração do despacho de que parte se encontra transcrita, e tendo a mesma sido indeferida, veio o alegado credor juntar aos autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Tendo sido convidado, por duas vezes, a aperfeiçoar esse requerimento, o alegado credor, na sequência de tal convite, apresentou dois outros, onde disse, em determinados pontos:-
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4. Neste sentido e começando pelo nº 1 do art. 75º-A ainda da mesma lei e com referência à alínea específica do nº 1 do art. 70º, já era dito no aludido requerimento, que a interpretação feita na decisão da reclamação sobre o nº 1 do art. 678º do CPC, e principalmente o critério dualista do valor para efeitos de recurso de autos de verificação e graduação de créditos, antes ou depois de proferida a respectiva sentença, prejudicavam a unidade do sistema jurídico e o direito de acesso de tutela jurisdicional efectiva no caso concreto com repercussões no direito social constitucionalmente regulado no art. 59º da Constituição da República Portuguesa.
5. Significa isto assim que a aplicação pura e simples do já referido art. 678º do CPC ao caso concreto numa reclamação exclusiva impedindo o direito ao recurso era inconstitucional por violação do art. 59º da CRP com referência ao art. 20º da mesma Lei fundamental.
6. Neste sentido a al[í]nea específica do nº 1 do art. 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto, é claramente a alínea b) de tal número, o que se alega para efeitos do nº 1 do art. 75º.
7. Por outro lado, e ainda dentro deste preceituado a norma cuja inconstitucionalidade e ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie é precisamente o art. 678º do CPC, aferido e aplicado ao caso concreto de não admissão de um recurso de reclamação de créditos integrado numa instância mais vasta de diversas reclamações, prejudicando directamente um direito social.
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[requerimento apresentado em 9 de Novembro de 2001];
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1. Já em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o reclamante tinha alegado e concluído que a decisão objecto de recurso violava o direito social ao trabalho e à retribuição, constitucionalmente protegido.
2. E só então não indicou, em concreto, a norma constitucional espec[í]fica violada por entender, e sendo ainda o processo objecto de recurso ordinário, não seria ainda o momento processual próprio para ser definido o fundamento do recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Todavia, face ao indeferimento do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e em sede de petição de reclamação, que corresponderiam a alegações de Revista, se o recurso tivesse sido admitido, desde logo o reclamante não só reiterou a questão constitucional já levantada anteriormente como indicou inclusivé as normas constitucionais violadas.
4. E a partir de então tem sucessivamente reiterado a posição que antes já tinha explanado.
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[requerimento apresentado em 3 de Dezembro de 2001].
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 17 de Dezembro de 2001, não admitiu o recurso.
Pode ler-se nesse despacho:-
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II - As alegações de recurso para a Relação não estão juntas a esta reclamação.
Mas é evidente que aí não podia ter sido suscitada a inconstitucionalidade da norma do art.º 678.º do CPCivil - só indicada, a convite, na peça de fls. 45 e segs. - na perspectiva da inadmissibilidade do recurso de revista.
E é este o ponto em discussão.
Por outro lado, em sede de petição de reclamação, o reclamante analisa demoradamente o valor do processo, com base na autonomia do apenso da verificação de créditos face ao processo principal, mas na direcção da inconstitucionalidade apenas vagamente escreve:
‘15 - Ora, a decisão reclamada, por vedar a reapreciação e reanálise do Acórdão de que se pretende recorrer, por esse venerando Tribunal, acaba por afectar um trabalhador da falida, por um crédito de trabalho, que deve não só ser social e especialmente protegido, como também ser entendido como a única fonte de rendimento do reclamante.
16 - E este direito trata-se, aliás de um direito constitucionalmente protegido que não pode em caso algum ser prejudicado por uma menor clareza da Lei (...)’
Nada mais, aproveitável para a questão em apreço, aí se disse.
E a questão da inconstitucionalidade tem de ser colocada de forma atempada, clara e perceptível - cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional
269/94, 560/94, 102/95, 126/95, 155/95 e 595/96 - Apud ‘Breviário de Direito Processual Constitucional’, de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, pág. 42.
III - Nesta conformidade, tratando-se de reclamação, para o Presidente do STJ, do despacho do Relator no Tribunal da Relação que não admitiu o recurso de revista, aceita-se que no requerimento de reclamação seja suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual o recurso de revista não foi admitido.
Mas é esse o último momento - e talvez até o único - em que a questão pode ser suscitada.
Tudo o que depois da decisão da reclamação tenha sido acrescentado
àquele requerimento de reclamação, já não valerá para efeito de poder considerar-se que a questão foi suscitada ‘durante o processo’.
Assim, há-de concluir-se que o reclamante não suscitou durante o processo, e designadamente na petição de reclamação, a inconstitucionalidade da norma do art.º 678.º, n.º 1 do CPCivil, que veio a indicar a fls. 45, em cumprimento do despacho de fls. 44.
Não o tendo feito, não está verificado esse requisito de admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.
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É deste despacho que, pelo alegado credor, vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional, sustentando, em síntese, que, na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o direito à reapreciação e reanálise do acórdão da Relação não poderia ser prejudicado por uma menor clareza da lei, encontrando-se preenchidos todos os requisitos dos números 1 e 4 do artº 70º, do artº 72º e do artº 75º, todos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e que, de qualquer modo, sempre se diria que 'o objecto do recurso das normas concretas violadoras das disposições constitucionais consiste na violação dos artigos 305º e 306º do CPC designadamente quanto à utilidade económica do pedido e quando está em causa, tendo em conta o activo da falência, a possibilidade do crédito reclamado ser pago em rateio com os demais'.
O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento desta reclamação.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da vertente reclamação.
Em primeiro lugar deve anotar-se que, no mínimo, não é compreensível a asserção, acima transcrita, constante do requerimento da presente reclamação.
Em segundo lugar, e suposto que a norma que o ora reclamante pretendia submeter à censura deste Tribunal era a que se encontra ínsita no nº 1 do artº 678º do Código de Processo Civil, o que é certo é que o mesmo, em passo algum, suscitou, aquando da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, qualquer questão de desconformidade com o Diploma Básico, quer daquele preceito, quer de uma sua dimensão interpretativa.
E, mesmo para quem porventura pudesse entender que na suscitação, durante o processo, de uma questão de inconstitucionalidade não tem, necessariamente, de se fazer uma referência explícita a um dado preceito legal
(ou, hipoteticamente, a uma norma de criação jurisprudencial), tendo, porém, de o fazer expressamente no requerimento de interposição de recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, há-de convir-se que os items 5 e 6, acima transcritos, do requerimento de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não são, de todo em todo, um modo processualmente adequado de efectivar aquela suscitação.
Na verdade, o que aí se defendeu foi que a decisão então sob reclamação, ao vedar a reapreciação e reanálise do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa, tinha afectado um trabalhador da empresa falida por um crédito de trabalho, assim ficando o prejudicado um seu direito constitucionalmente protegido.
Isso significa que, a haver aqui, como se sublinha no despacho ora sub iudicio, uma qualquer referência a uma desconformidade com a Lei Fundamental, então haverá de concluir-se que um tal vício era assacado, não a uma norma, mas sim à decisão lavrada pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
Como se sabe, objecto dos recursos visando a apreciação concreta da constitucionalidade são normas e não quaisquer outros actos emanados do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
O ora reclamante, no momento em que deduziu reclamação do despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa - e era esse o momento processualmente adequado para o fazer -, não equacionou qualquer questão de acordo com a qual o artº 678º do diploma adjectivo civil - designadamente um seu qualquer sentido interpretativo segundo o qual, para efeitos de recurso, se havia de atender tão só ao valor da acção falimentar ou ao valor do crédito reclamado - seria conflituante com a Lei Fundamental. E, por isso, o despacho agora sob reclamação foi silente quanto a essa questão, justamente porque a mesma lhe não foi colocada.
Não se lobrigam, desta arte, motivos para se discordar do despacho em apreço.
3. Termos em que se indefere a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta, Lisboa, 17 de Abril de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa