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Processo n.º 227/01
2ª SecçãoRelator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório A, a requerimento dos expropriados B, C, D, E e mulher, F e marido, e em cumprimento do disposto no artigo 50º n.º 2 do Código das Expropriações, remeteu a juízo o processo de expropriação n.º 177/97, referente à parcela de terreno designada com o n.º 77, sita no lugar de G..., concelho de H.... Nos termos dos artigos 42º e segs. do Código das Expropriações, foi constituída a arbitragem e fixado o montante indemnizatório em Esc: 38.555.200$00, e adjudicada a propriedade da parcela acima referida à entidade expropriante. Discordando do valor atribuído à parcela em causa, quer a expropriante quer os expropriados interpuseram recurso, pedindo que o montante indemnizatório fosse fixado em Esc: 11.770.500$00 e Esc: 99.345.767$00, respectivamente. Foram indicados e nomeados os peritos, tendo apresentado os seguintes laudos de avaliação, resumidamente e no que ora importa:
'– Os peritos indicados pelo Tribunal classificaram a parcela como de ‘solo apto para construção’, junto á E. M. e até aos 50 metros de profundidade (...) Para além dos 50 metros, classificam o terreno como apto para produção florestal e vinha (...) Tudo desaguando no montante global indemnizatório de Esc:
59.761.100$00;
– O perito indicado pelos expropriados também considerou o terreno com capacidade construtiva, na área junto à E. M. e até à profundidade dos 50 metros
(...)
(...) chegou ao valor total de Esc: 71.687.000$00;
– O perito indicado pelo expropriante entendeu que o terreno não reúne condições para ser classificado como ‘solo apto para construção’, pelo que só poderá ser classificado como ‘solo apto para outros fins’, em função do rendimento agrícola possível de obter.
(...) E, entendendo que não há qualquer depreciação das partes sobrantes, concluiu que a indemnização deve fixar-se em Esc: 20.191.700$00.' Após alegações das partes, o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima proferiu sentença que fixou o montante indemnizatório em Esc: 59.761.100$00, sendo Esc: 14.905.200$00 relativos à desvalorização das partes sobrantes. Inconformada, com esta decisão, a expropriante veio interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto e concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
'1ª- A parcela expropriada fazia parte de um prédio rústico, afecto à exploração agrícola e florestal, denominado ‘ Q’;
2ª- Este prédio situa-se numa zona rural, onde existem construções dispersas, como é próprio das zonas rurais do Alto Minho;
3ª- A parte agrícola do prédio estava ocupada com vinha, encontrando-se o prédio explorado em regime de arrendamento;
4ª- A parcela expropriada confrontava com caminho público em terra batida, com cerca de 2,20m de largura, e não dispunha das necessárias infra-estruturas urbanísticas para poder ser classificada como solo apto para a construção;
5ª- Além disso, o prédio de que faz parte a parcela estava inserido em zona classificada como Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o PDM;
6ª- A parcela expropriada só podia ser classificada e avaliada como solo apto para outros fins que não a construção;
7ª- De acordo com a maioria dos peritos, ou seja, os três peritos nomeados pelo Tribunal, o valor da parcela expropriada, não sendo considerada a sua aptidão construtiva, é de Esc: 27.959.900$00;
8ª- A douta sentença recorrida não teve na devida conta a real situação da parcela expropriada e o que seria o seu valor real e corrente para um comprador normal, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública.
9ª- Deve ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão a fixar a indemnização devida aos expropriados em 27.959.900$00.' Contra- alegando, os expropriados pugnaram pela manutenção da sentença recorrida invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de 1997), que julgou inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ os solos integrados na R.A..N. expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola'.
2. Por Acórdão de 6 de Novembro de 2000, o Tribunal da Relação do Porto considerou, designadamente:
'As conclusões da recorrente delimitam, objectivamente, o recurso (arts. 660º, n.º2, 684º, n.º e 690º, n.º 1, todos do CPC) (...) E só se deve tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões (...) Assim, a única (mas melindrosa) questão suscitada pela apelante e que deverá ser apreciada por este Tribunal de recurso é a da classificação da parcela expropriada, com vista à fixação da indemnização devida pela respectiva expropriação, como ‘solo apto para construção’, ou como ‘solo para outros fins’, como pretende a expropriante, em discordância com o decidido e o propugnado pelos expropriados'. Vejamos:
4-I- O regime legal aplicável à expropriação por utilidade pública é o vigente à data da respectiva declaração. (...) Tendo a declaração de utilidade pública da expropriação a que se referem os autos a data de 09.04.96, os critérios legais a ter em conta na fixação da indemnização respectiva são os estabelecidos na Constituição da República Portuguesa(CRP) e no Código das Expropriações aprovado pelo DL n° 438/91, de
09.11. De acordo com o disposto no art. 62°, n° 2, da CRP, a expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização. O mesmo princípio constava do art. 27°, n° 1, do Cód. as Exp. de 1976 e consta do art. 22° do Cód. das Expropriações, na sobredita versão de 1991 (de ora em diante, abreviadamente, C. E.). Segundo sustenta Fernando Alves Correia (in ‘A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999’ – RLJ Ano 132°/231 e segs.), que iremos seguir de perto, o conceito constitucional de ‘justa indemnização’ leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação. Perante o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos. Como elemento normativo inderrogável, o princípio da igualdade desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: no âmbito da relação interna (não permitindo que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados) e no domínio da relação externa da expropriação (impondo que a expropriação seja acompanhada de uma indemnização integral ou de uma compensação total do dano infligido ao expropriado, com ‘carácter reequilibrador’ em benefício do sujeito expropriado, o que só será atingido se a indemnização se traduzir numa ‘compensação séria e adequada’, seja, numa compensação integral do dano suportado pelo particular, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor). Sendo que o critério mais adequado para alcançar uma tal compensação é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido em sentido normativo, ou seja, não especulativo e sujeito frequentes vezes, a correcções ditadas por exigências de justiça. Com efeito, por vezes a ponderação do interesse público que a expropriação serve impõe reduções àquele valor, enquanto que, noutros casos, a natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo conduz a correspondentes majorações. II—Debruçando-se sobre a aplicação prática dos princípios expostos a dois casos concretos e que o quotidiano forense com frequência reproduz, proferiu o Tribunal Constitucional os Acs. n.ºs 267/97 (DR, II Série, de 21.05.97) e 20/00
(DR, II Série, de 28.04.00), consagrando orientações algo diversas e que, por interferentes com as possíveis abordagens do caso dos autos, se trazem à colação. Assim, enquanto que, naquele, se entendeu que a norma do n° 5 do art. 24° do C. E.(que determina que ‘é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção’) é inconstitucional (por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, implicados no princípio da justa indemnização, quando interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na RAN que, depois de desafectados desta reserva, foram expropriados com a finalidade de neles se edificar, isto é, para fins diferentes dos de utilidade pública agrícola, no último dos citados arestos, diferentemente (ainda que salientando a natureza diversa dos casos em presença), decidiu-se não julgar inconstitucional a mesma norma, interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» solos integrados na RAN expropriados para construção de vias de comunicação e não já para neles se edificar. Conforme sustenta F. Alves Correia (local e obra citados), o sentido profundo daquela primeira decisão ‘é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas – venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção.’ Na verdade, acrescenta-se, ‘se o Tribunal Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse inconstitucional a norma do art. 24°, n°5 do C. E., na referida interpretação, estaria a legitimar a «manipulação» das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar para nele construir, adquirindo-o por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção’. Em contrapartida, segundo o mesmo autor, na última das referidas decisões, após se salientar a diversidade dos casos em apreço (no primeiro, fora expropriado um terreno integrado na RAN, da qual foi desafectado, para construir um quartel de bombeiros, enquanto que, no segundo, foi expropriada uma parcela de terreno integrado na RAN, que dela não foi concomitantemente desafectado, para construir um troço de auto-estrada e não para construir qualquer prédio urbano), considerou-se que ‘relevante para efeitos de averiguação da eventual violação do princípio da justa indemnização por expropriação e do princípio da igualdade é a circunstancia de o terreno expropriado ter (ou não) uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, a qual resulta de o expropriante lhe dar (ou não) uma utilização para construção.’ (Sublinhámos). Para, após, se concluir que,
‘não tendo o proprietário dos terrenos integrados na RAN expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação e não tendo a finalidade da expropriação (construção de uma auto-estrada) confirmado a existência de uma potencialidade edificativa excluída pela qualificação como
«solo para outros fins», que não a construção, não são invocáveis os princípios da igualdade e da justa indemnização para obrigar à avaliação do montante indemnizatório com base nessa potencialidade edificativa’. III- Volvendo ao caso dos autos, diremos, antes de mais, que, ressalvado o devido respeito, não subscrevemos, integralmente, o entendimento subjacente à posição consagrada no último dos referidos arestos do Tribunal Constitucional. Com efeito, em discordância com o, aí, entendido, maioritariamente, consideramos que a ‘muito próxima ou efectiva aptidão edificativa’ de um terreno integrado na RAN e objecto de expropriação não é, necessariamente, excluída pelo facto de a finalidade da expropriação ser a construção de vias de comunicação, designadamente, auto-estradas. Desde logo, porque um tal entendimento poderá desaguar na violação do princípio da igualdade a que, acima, foi feita referência, no mencionado âmbito da respectiva relação interna: os expropriados sujeitar-se-iam a que os respectivos montantes indemnizatórios fossem fixados em função e dependência do fim público específico prosseguido com a respectiva expropriação, a que inteiramente são alheios e que, de todo, os transcende. Depois, porque uma tal ‘próxima ou efectiva potencialidade edificativa’, pode perfeitamente coexistir e acompanhar a integração (à data da declaração da utilidade pública da expropriação), da parcela ou prédio objecto da expropriação na RAN, segundo o respectivo e aplicável PDM, o qual, longe de ser ‘eterno’, é revisível (sucedendo que, no caso dos autos e segundo esclarecem os senhores peritos do tribunal – fls.230 – ‘está a decorrer’ a revisão do PDM de Ponte de Lima, sendo de admitir que, aí, seja devidamente ponderada a circunstância de a parcela em expropriação confinar com a E. M. que liga as freguesias de I... e de J..., daquele concelho). A tudo isto acresce que a sobredita ‘potencialidade edificativa’ é bem patente, no caso dos autos, uma vez que, designadamente:
-- o prédio de que fazia parte a parcela expropriada confrontava, a Nascente, numa extensão de cerca de 120m, com a E. M. que liga X... a Z..., com pavimento em semi-penetração betuminosa, com cerca de 6m lineares de largura média, e dispondo aquela E. M. de redes de distribuição de energia eléctrica e de abastecimento de água;
-- o mesmo prédio enquadrava-se em zona de moradias dispersas, de tipologia rural, com logradouro e quintal, distando, aproximadamente, entre 500 e l000m da igreja, do cemitério, da sede da Junta de Freguesia, das escolas e de casas comerciais e, aproximadamente, l000m da E. N. 306;
-- nos termos do art. 30° do Regulamento do PDM de Ponte de Lima, nos terrenos classificados como outras áreas agrícolas está prevista a possibilidade das edificações terem a sua drenagem de esgotos assegurada por sistema autónomo, vulgo fossa séptica e poço absorvente;
-- nas proximidades, em zona envolvente e com frente para os caminhos públicos, existem algumas edificações dispersas. Ponderando quanto ficou expendido e aproximando-o de quanto emerge de I e II antecedentes, não pode deixar de entender-se e concluir-se pela caracterização da parcela expropriada como dotada de uma muito próxima e efectiva potencialidade edificativa (o que não é posto em causa pela existência do provado arrendamento, a que, sempre e com prováveis vantagens recíprocas, poderia ser posto termo, para além de não abranger todo o prédio em causa). Sendo, igualmente, de salientar que aquela conclusão não pode ser obviada pela provada não dotação de rede de saneamento, nas confrontações do prédio em causa: seria cínico e surrealista que os expropriados fossem compelidos a expiar as respectivas consequências, quando tal lacuna lhes não pode ser imputada, face ao tipo de esgotos prevalecente numa região em que cerca de 48 das 51 freguesias que integram o concelho de Ponte de Lima não dispõem, ainda, de rede pública de saneamento... Concluímos, assim, pela classificação da parcela expropriada como ‘solo apto para construção’, para efeitos de fixação do montante indemnizatório devido aos expropriados, improcedendo, destarte, as conclusões formuladas pela apelante.
5- Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência e na parte impugnada, a sentença apelada.'
3. O Ministério Público veio interpor o presente recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º n.ºs
1, alínea a) e 3, da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que no acórdão recorrido foi recusada a aplicação, com fundamento implícito na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, à norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91 de 9 de Novembro. No Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
'1º- O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados possam ser arbitradas indemnizações manifestamente insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da ‘teoria da diferença’, prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.
2º- Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao ‘jus aedificandi’ – resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da
‘justa indemnização’, de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
3º- Na verdade, destinando-se a desanexação ou desafectação da reserva agrícola exclusivamente à construção de equipamentos sociais – vias de comunicação – e não à transformação de prédio até então legalmente ‘rústico’ em ‘urbano’, situado em zona perfeitamente urbanizável, verifica-se que a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo a especial afectação de parcela à construção de infraestruturas várias – necessariamente distanciadas dos núcleos urbanos – absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
4º- Não se vislumbra, no caso dos autos qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em ‘manipulação da regras urbanísticas’, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público, o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão n.º 267/97.
5º-Termos em que deverá proceder o presente recurso.' Notificados para responder às alegações apresentadas pelo recorrente, os recorridos vieram dizer, em conclusão, que:
'1ª- A classificação como terreno da RAN depende de juízos de oportunidade política, formulados de acordo com a filosofia do Estado evolutivamente consagrada na Constituição da República e de acordo com as concepções de administração do Governo que estiver em funções
2ª- Na hipótese de alienação voluntária de um terreno ‘RAN’, transfere-se do alienante para o adquirente a expectativa da reconstituição da plenitude do
‘dominium’, até aí restringido, e a valorização do mercado tomá-la-á em consideração.
3º- No caso de expropriação por utilidade pública, o dono originário vê o seu direito extinguir-se, em ambiente subtraído às regras próprias do mercado livre, a benefício de um escopo que lhe é, individualmente, estranho.
4ª- Como as obras que levam à realização de expropriação, nada têm a ver com finalidades substancialmente agrícolas, o acto administrativo ‘classificação como RAN’ terá de ser expressa ou tácitamente objecto de uma prévia alteração ou revogação, de forma a que o terreno readquira o estatuto de ‘ domínio livre’ ou
‘ bem livre’.
5ª- Se não fosse assim, nem a própria Administração poderia decretar a utilidade pública da expropriação.
6ª- No momento da avaliação é como terreno livre, objecto de propriedade plena do seu dono, que o terreno expropriado deve ser avaliado, tendo em atenção todas as virtualidades físicas e funcionais que apresentar, incluindo a aptidão construtiva.
(...)
8ª- A justa indemnização imposta pelo artigo 62º- 2 da Constituição exige que a respectiva atribuição patrimonial recomponha o valor do terreno expropriado, consideradas as suas naturais virtualidades, examinadas em concreto, como valor de substituição.
9ª- O produto da venda do terreno expropriado em mercado livre resultaria muito diverso(para mais) do valor da indemnização em expropriação, se esta for calculada segundo a regra do art. 24º- 5 do Código das Expropriações de 1991.
10ª- O disposto no artigo 24º- 5 do Código das Expropriações de 1991não respeita os preceitos nos arts. 62º- 2 e 13º- 1 da Constituição da República Portuguesa, por violar o direito do expropriado à justa indemnização e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
11ª- O regime qualificatório dos terrenos, para efeitos de indemnização, estabelecido no Código aprovado pelo DL. N.º 438/91 nada mais é do que o regime anterior revestido com outras roupagens, mas com o claro intuito de conduzir a soluções materialmente idênticas.
(...)
14ª- Ora, o regime do art. 30º do Código de 1976 foi repetidamente declarado inconstitucional por este Tribunal.
15ª- Por tudo isto é que este Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º
267/97, de 19/3/97, julgou inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
16ª- O decidido no acórdão n.º 267/97, de 19/3/97, integra-se perfeitamente na situação concreta dos presentes autos, bastando, para tanto, substituir o termo
‘edificar’ por ‘construir’.
17ª- Que a finalidade da expropriação seja a construção de um edifício ou de qualquer outro equipamento é inteiramente indiferente, quer na perspectiva dos expropriados, quer do expropriante(C. Exp. 22º-2-1ª parte).
18ª- O que releva é que, tratando-se de uma construção alheia aos fins da classificação do terreno expropriado como reserva agrícola nacional, a expropriação desse terreno exige, como acto prévio, expresso ou tácito, ou, pelo menos, presumido, a desclassificação do mesmo terreno da sua categoria jurídica de RAN.
19ª- O expropriante deve pagar aquilo que leva, no circunstancialismo concreto em que o bem existe, o que abrange não só a sua realidade objectiva, a sua estrutura natural, mas também o seu enquadramento físico e, por ambas as razões a sua aptidão construtiva.
20ª- Este juízo de valor, aliás, mostra-se consagrado no art. 26º-2. C.E., ao definir o método de avaliação de ‘solos classificados com zona verde ou de lazer no plano municipal’.
21ª- Não há qualquer razão para o regime das zonas verdes ou de lazer ser diferente do regime dos terrenos ‘RAN’.
22ª- Não há que falar nas impropriamente designadas ‘cláusulas de redução’, por nada haver a atenuar ou reduzir, porque a aptidão construtiva do terreno já existia antes de qualquer auto-estrada e nela é que o Tribunal da Relação assentou o fundamento primário da sua decisão.
23ª- O interesse público da expropriação não pode relevar minimamente para a fixação da indemnização devida ao expropriado, sob pena de directa violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
24ª- Não devem ser presumidas cláusulas de redução nem de majoração, na fixação da indemnização, mas tão-só visar-se uma objectiva compensação dos prejuízos advenientes para o expropriado.
(...)
30ª- É insubsistente a sugestão do Recorrente no sentido de que a decisão tirada no acórdão n.º 267/97, deste Tribunal, emergiria de circunstâncias particulares do caso então em apreço. Pelo que os seus juízos de valor se tornariam inextensíveis a outros casos.
31ª- O P.D.M. de Ponte de Lima foi ratificado em 9/10/95 e a declaração da utilidade pública da expropriação foi feita em despacho de 9/04/96, conforme se vê da Resolução n.º 68/2001 e de fls. 297, pelo que o projecto da auto-estrada e os estudos sobre a RAN avançaram a par e, enquanto se proibiam os privados de construir, iam-se oferecendo à A. amplos espaços para granjear a sua cultura de asfalto e betão.
32ª- Mesmo que este Tribunal viesse, porventura a julgar que o referenciado art.
24º- 5 não é inconstitucional, o douto acórdão recorrido deveria manter-se, quanto ao sentido da sua decisão.
33ª- Como resulta do douto despacho de fls. 318 V.º, o acórdão recorrido não tomou por fundamento da sua decisão de negar provimento à apelação a inconstitucionalidade de qualquer preceito legal, tendo-se limitado a fazer uma opção de valorização da parcela expropriada dentro dos quadros do regime legal vigente.
34ª- O sentido da decisão do acórdão da Relação tornou-se, por isso, definitivo, por a sua apreciação exceder o âmbito da competência deste Tribunal Constitucional, tendo transitado em julgado, como deverá ser declarado.
35ª- As conclusões formuladas pelo Recorrente devem ser julgadas improcedentes e negado provimento ao recurso, com as consequências legais.' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de considerar equiparado a 'solo apto para outros fins', e, portanto, excluído da classificação como 'solo apto para construção', os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se construir uma via de comunicação (no caso, uma auto-estrada). A aplicação desta norma foi recusada pelo tribunal a quo, após confronto dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de 1997) e 20/2000 (DR, II série, de 28 de Abril de 2000). Discordando do decidido neste último aresto, considerou-se na decisão recorrida que 'uma ‘muito próxima ou efectiva aptidão edificativa’ de um terreno integrado na RAN e objecto de expropriação não é, necessariamente, excluída pelo facto de a finalidade da expropriação ser a construção de vias de comunicação, designadamente, auto-estradas', podendo tal entendimento conduzir a uma violação do princípio da igualdade – pois 'os expropriados sujeitar-se-iam a que os respectivos montantes indemnizatórios fossem fixados em função e dependência do fim público específico prosseguido com a respectiva expropriação, a que inteiramente são alheios e que, de todo, os transcende' –, e não considerando que 'uma tal ‘próxima ou efectiva potencialidade edificativa’, pode perfeitamente coexistir e acompanhar a integração (à data da declaração da utilidade pública da expropriação), da parcela ou prédio objecto da expropriação na RAN'. Ora, foi apenas por ter recusado (ainda que implicitamente) a aplicação da referida norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade, que o tribunal recorrido pode analisar seguidamente a possível potencialidade edificativa dos terrenos em causa, e concluir pela 'classificação da parcela expropriada como
‘solo apto para construção’, para efeitos de fixação do montante indemnizatório devido aos expropriados'. Pelo que se verificam os requisitos indispensáveis para se tomar conhecimento do recurso.
5. O artigo 24ºdo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
438/91, de 9 de Novembro; e entretanto já revogado pelo artigo 3º da Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações), depois de, no seu n.º 1, estabelecer que, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo se classifica em 'solo apto para a construção' e 'solo para outros fins', indica, no seu n.º 2, o que considera 'solo apto para construção'. Preceitua este n.º 2:
'2. Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações desocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública.' O n.º 3 do referido artigo estabelece o que se considera equiparado a 'solo apto para a construção' para efeitos de aplicação do dito Código: a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da
área de logradouro até ao dobro da primeira. No n.º 4 considera-se 'solo para outros fins' o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores. Segundo o n.º 5 do referido artigo 24º, em causa no presente processo, 'para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção' (esta
última norma desapareceu no artigo 25º Código das Expropriações de 1999, existindo agora apenas um n.º 3 que, a seguir à descrição, no n.º 2, das situações que determinam a qualificação como 'solo apto para construção', considera 'solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior').
6. Convém recordar, a este propósito, que a consideração da aptidão do solo para construção como critério para calcular o valor da indemnização a pagar aos expropriados, independentemente da localização em aglomerados urbanos, resultou já de condicionantes constitucionais, tal como decorriam da jurisprudência deste Tribunal a este respeito. Escreveu-se, a este respeito, no citado Acórdão n.º
20/2000:
«6. A introdução, como critério de cálculo do valor da indemnização a pagar aos proprietários de prédios expropriados, da distinção entre 'solo apto para construção' e 'solo para outros fins', ocorreu já na sequência de jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), e, em particular, à norma do seu artigo 30º, n.º 1 – vejam-se os Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87, 3/88 e 5/88 (publicados no DR, II série, respectivamente de 19 de Março de 1987, 17 de Fevereiro e 14 de Março de 1988), bem como o Acórdão n.º 131/88 (DR, I série, de 29 de Junho de 1988), que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação dos artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição da República. Essa norma do Código das Expropriações de 1976 impunha que o valor dos terrenos situados fora de aglomerados urbanos fosse calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico. Impedia, assim, que factores de outra natureza, que não os rústicos, embora susceptíveis de alterar o valor do prédio (entre eles o da
'potencial aptidão de edificabilidade'), fossem considerados no cálculo da indemnização por expropriação. Logo então teve este Tribunal ocasião de realçar que o jus aedificandi deveria ser
'considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.' Tal jurisprudência relativa à consideração da potencialidade edificativa na avaliação da justa indemnização por expropriação conduziu, depois, igualmente ao julgamento de inconstitucionalidade de normas do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização por expropriação – assim, no Acórdão n.º 184/92 (DR, II série, de 18 de Setembro de
1992) e no Acórdão n.º 259/94 (DR, II série, de 30 de Julho de 1994), bem como nos Acórdãos n.ºs 359/94 (DR, II série, de 3 de Setembro de 1994), 111/97,
286/97 (inéditos) –, repetindo-se, então, que, como se observara nos citados Acórdãos n.º 341/86 e 131/88, apesar da imposição, pela Administração, de vínculos aos particulares que lhes diminuam a utilitas rei sobre certos bens, deverá o direito a edificar, em princípio, constituir factor de fixação valorativa, 'ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'. Em relação ao Código das Expropriações de 1991, concluiu-se, no Acórdão n.º
194/97 (DR, II série, de 27 de Janeiro de 1999), que as normas das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º não são inconstitucionais, não violando, designadamente, nem o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição) – no mesmo sentido, o Acórdão n.º 671/98. Salientou-se nesse Acórdão n.º 194/97, fazendo a história da evolução legislativa e jurisprudencial a este respeito:
'5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os n.ºs 1 e 2 do artigo 30º daquele Código. Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora
– frisou –, nos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados – com o que se violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente). Claro é que – como nessa jurisprudência se acentuou – a Constituição não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém – sublinhou-se no acórdão n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1987) e repetiu-se no citado acórdão n.º 131/88 – parece que, ‘mesmo naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos’. E mais: o ius aedificandi ‘deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa’. A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela (cf., sobre isto, Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533). Há, pois – como se sublinhou no acórdão n.º 184/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992) –, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa, exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública – que é imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público – coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos. Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’ (cf. o citado acórdão n.º 52/90 e o acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula. O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma ‘onerosidade forçada e acrescida’ sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado acórdão n.º
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, ‘em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente’ (cf. o acórdão n.º 109/88, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988). O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado. Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir – acentuou-se no já citado acórdão n.º 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra. Depois de citar expressamente os acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, acima referidos, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
‘partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.’ O legislador começou por acentuar que a indemnização ‘não visa compensar o benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação’, e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa indemnização o valor do bem expropriado, ‘tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública’ (cf. artigo 22º, n.º 2). Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6º e 7º). No artigo 24º, n.º 2 [...], passou o legislador a definir o que é um solo apto para construção.
[...] O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou ‘um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa’ sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992. O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta como refere o mesmo Autor (loc. cit.) – ‘elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24º, n.º 2, alínea d)]’.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito fundamental do expropriado a uma justa indemnização? Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente, considerado ‘como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’? A resposta tem que ser afirmativa. Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem ‘uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’, quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infraestruturas urbanísticas, ‘de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz’ [alínea c) do n.º 2 do artigo 24º] ou, pelo menos, quando possuam ‘alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública’ [alínea d) do n.º 2 do artigo 24º]. Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para construção por um ‘plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz’ ou a existência de um ‘alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública’, o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se reconhecer aptidão construtiva ‘por parâmetros objectivos e naturais’ como, aliás, parece inculcar a sua afirmação ‘havendo sempre lugar à indemnização, no caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão construtiva de um terreno expropriado’.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º
196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido alterado pela Lei n.º 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho). Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’ (cf. citado acórdão n.º 381/89) e ser ‘desproporcionada à perda do bem expropriado’ (cf. acórdão n.º 184/92, citado). Ora, só quando os terrenos expropriados ‘envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’ (cf. o citado acórdão n.º 131/88) é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção. A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º
2 do artigo 24º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei Fundamental. Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação –, e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados.
6. Concluindo, pois: as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo
24º do actual Código das Expropriações não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição).'
7. A transcrição que antecede, das considerações expendidas no Acórdão n.º
194/97 (citadas já no Acórdão n.º 20/2000) afigura-se conveniente, por permitir recordar que não está em causa na norma discutida no presente processo – tal como não estava nos casos decididos pelos Acórdãos n.ºs 267/97 e 20/2000 – a legitimidade, à luz das normas constitucionais sobre a justa indemnização por expropriação, da consideração das restrições legais e regulamentares para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno. Como se referiu no Acórdão n.º 194/97, se não se exigisse uma prévia qualificação do terreno como solo apto para construção – ou, inversamente, se não houvesse que considerar uma proibição legal de construção para tal qualificação – o resultado seria, certamente ter que reconhecer-se essa aptidão, em termos puramente naturalísticos, a quase todos os terrenos, pois 'em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de
19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor [...]), senão, inclusive, sem loteamento (...) ou sem licença de construção (...)'. Diversamente, porém, a consideração de tais limitações legais e regulamentares não só é legítima, como tendo, mesmo, a corresponder ao critério do valor de mercado ou valor venal dos terrenos, pois que essas limitações influem, de forma decisiva, sobre este.
8. Como este Tribunal já teve ocasião de afirmar, afigura-se, aliás, evidente que não é possível extrair da jurisprudência deste Tribunal sobre a constitucionalidade do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
'enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola', qualquer conclusão no sentido de tal necessária irrelevância das limitações legais e regulamentares, como a integração na Reserva Agrícola Nacional (RAN), para o reconhecimento de uma 'muito próxima e efectiva potencialidade edificativa' e da qualificação como 'solo apto para construção'. Na verdade, no referido Acórdão n.º 267/97, essa norma julgada inconstitucional, num caso em que estava em causa a expropriação de um prédio integrado na RAN, para construção de um quartel de bombeiros, após desafectação daquela reserva. Já, porém, no Acórdão n.º 20/2000, também citado pela decisão recorrida, se decidiu 'não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
‘solo apto para a construção’ solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.' E, posteriormente, no Acórdão n.º 243/01
(ainda inédito), o Tribunal Constitucional veio novamente a não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado na RAN expropriado com a finalidade de nele se construir uma auto-estrada. No presente caso, a situação é semelhante à que determinou a prolação destes dois últimos arestos – a parcela de terreno expropriada, cuja indemnização está em causa, estava integrada na RAN, numa área, portanto, na qual não era admissível a construção urbana. Ora, quem – e mesmo em casos como o decidido pelo Acórdão n.º 267/97 – considerar que a Constituição da República, pela determinação do pagamento de uma 'justa indemnização', não impõe a qualificação como 'solo apto para construção' de terrenos nos quais se não podia construir, mesmo que expropriados para neles se edificar construções urbanas – isto é, quem não concorde com o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nesse aresto –, sempre chegaria, no presente processo (por identidade ou mesmo maioria de razão), igualmente a uma conclusão de inexistência de inconstitucionalidade. E esta posição poderia, designadamente, basear-se na circunstância de o expropriado não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que bem sabia (ou devia saber) que, estando o terreno integrado na RAN, já nele não podia construir. Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, que não era considerada no valor de mercado do terreno, e com a qual não podia contar.
9. Este Tribunal já teve, porém, também ocasião de distinguir entre o fundamento decisivo e o sentido do julgamento de inconstitucionalidade efectuado no Acórdão n.º 267/97 e as situações julgadas pelos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, semelhantes às que estão em causa no presente processo. Pode ler-se neste aresto n.º 243/01, a este respeito:
«Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado acórdão n.º 267/97 não decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24º também seja inconstitucional quando [...] a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de, como aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo, porque, embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma utilização não agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a libertação do terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto que, na hipótese julgada naquele aresto, foi necessário proceder à sua desafectação da referida Reserva. Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada, não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a não a revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado, se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno: esta, pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação. Como se sublinhou no acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000) – que concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
'interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação' –, a ratio decidendi daquele acórdão n.º
267/97 baseou-se 'não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração de ‘solo apto para a construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás acompanhada de desafectação da Reserva Agrícola Nacional – ser efectuada para edificação de construções urbanas'. E acrescentou-se nesse aresto: Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como ‘solo apto para a construção’, a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante. O que interessa, para efeitos de ‘justa indemnização’, não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada -, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como ‘solo apto para a construção’. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção. Um pouco mais adiante, o mesmo aresto n.º 20/2000 insistiu: Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como ‘solo apto para a construção’, pois não baseia a existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de construções urbanas, relevante para a qualificação como ‘solo apto para a construção’, como resultaria se a expropriação, com desafectação da Reserva Agrícola Nacional, fosse para construção de um prédio urbano. Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA – que dá nota da dissemelhança entre os casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nºs 267/97 e 20/2000 – sublinha que o 'sentido profundo' do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 'é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional
(Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção'. 'Na verdade – acrescenta –, se o Tribunal Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, na referida interpretação, estaria a legitimar a ‘manipulação’ das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar, para nele construir, adquirindo-o, por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção' (cf. A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52).» Ou seja, e por outras palavras: o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para a construção' para efeitos indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de comunicação, ou a existência de uma 'muito próxima e efectiva potencialidade edificativa' determinada segundo a análise do caso concreto considerando possíveis alterações da situação do terreno (como a possível alteração do Plano Director Municipal aventada na decisão recorrida) no sentido da desafectação da RAN. Foi, antes – como, aliás, se disse já nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, para os quais se remete –, a circunstância de a inexistência de uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, pressuposta na qualificação do solo como apto para outros fins (que não a construção), ser contrariada pelo próprio destino que o expropriante concretamente lhe dá, ao utilizá-lo para construção. E isto é assim porque, caso se não considerasse esta utilização, e se admitisse a indemnização do expropriado como se o solo não fosse apto para construção se estaria a coonestar a possibilidade de 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração.
10. Revertendo ao presente caso, verifica-se, de forma decisiva, que, no que, conforme se explicou e este Tribunal já havia precisado, interessa para a apreciação jurídico-constitucional, à luz dos critérios da 'justa indemnização' e da igualdade, da norma em crise, este caso se revela idêntico aos decididos pelos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01.
É certo que, em ambos os casos, o prédio expropriado deixa de ter a utilização a que estava destinado. Porém, como se salientou no Acórdão n.º 20/2000
'(...) no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’. Isto, enquanto no caso de implantação de uma auto-estrada [ou, no caso, de uma via de acesso] não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado, que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de prédios urbanos, ou que fosse assim ‘solo apto para construção’, sequer para o expropriante. Apenas no primeiro caso pode dizer-se que a exclusão de uma indemnização como
‘solo apto para construção’ se apresenta ofensiva dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade – apenas nesse caso a não consideração do valor do terreno como ‘solo apto para construção’ é injusta e conduz a uma desigualdade (em relação a outros expropriados), por ser desmentida desde logo pela utilização visada com a expropriação. Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 se baseou
(...) na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como ‘solo apto para construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás, acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas.' Na verdade, está em causa no presente caso a expropriação de uma parcela de terreno integrada na RAN, onde se não permitia a construção. Era, pois, em virtude de uma limitação legal que o proprietário não podia contar com a potencialidade edificativa do terreno, que se não reflectia concomitantemente no seu valor de mercado (sem que a mera possibilidade futura de revisão da integração nesta Reserva tenha de relevar). Estando o terreno integrado na RAN, nele não era legalmente possível construir, sendo a aptidão edificativa excluída, não pelo fim público específico prosseguido com a respectiva expropriação, mas logo pela integração naquela Reserva. Por outro lado, sendo o prédio expropriado para a implantação, nele, de uma auto-estrada, e não para edificação ou construção de qualquer prédio urbano, não se verifica que o expropriante, pelo facto de destinar o terreno a uma construção, infirma ele próprio a qualificação do solo com base na qual pretende ver fixado o valor a indemnizar – não sendo, pois, tal situação de equiparar à decidida pelo Acórdão n.º 267/97. Como se escreveu no Acórdão n.º 20/2000,
'(...) estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma auto-estrada).' Aliás, conforme notou o Ministério Público, não se detecta, no caso dos autos, qualquer indício de actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, para desvalorizar artificiosamente um terreno e mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público. Sendo, pois, que também neste aspecto o presente caso se afigura distinto do decidido pelo Acórdão n.º
267/97, onde se notou que a Administração classificou o terreno, 'bem ou mal
(...) como terreno de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na RAN' e que 'desvalorizado, a Câmara (...) adquire-o, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93, que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela).' III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação como 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação; b. Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 17 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (voto o Acórdão sem prejuízo da posição tomada no Acórdão nº 121/2002 e em face das razões diferenciadoras da situação esclarecidas na minha declaração de voto, produzida nesse Acórdão) Guilherme da Fonseca (vencido, pois optaria por um juízo de inconstitucionalidade, nos termos do voto de vencido aposto no acórdão nº
20/2000) José Manuel Cardoso da Costa