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Proc. nº 143/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – N..., SA, identificada nos autos, reclama do despacho do juiz relator do Tribunal Central Administrativo (fls. 142 e segs.) que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, interposto do acórdão proferido naquele Tribunal em 21/11/2000, documentado a fls. 89 e segs, com fundamento na sua intempestividade.
Neste Tribunal, o Exmo Magistrado do Ministério Público emite parecer no sentido do deferimento da reclamação, embora por razões diversas das que fundamentam a reclamação.
Cumpre decidir.
2 – Resulta dos autos:
- Notificado do acórdão do TCA de 21/11/2000 (fls. 28 e segs.), por carta registada em 23/11/2000, a reclamante veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional em 4/12/2000 (fls. 28 e 45).
- O recurso para o TC não foi admitido, por despacho notificado por carta registada em 19/1/2001, com fundamento em não se mostrarem esgotados os recursos ordinários (havia recurso para o STA) – fls. 146.
- Deste despacho de não admissão houve reclamação, em 25/1/2001, dirigida ao Presidente do STA.
- Por despacho documentado a fls. 75, entendeu-se remeter a reclamação ao Presidente do Tribunal Constitucional por ser o competente para a decidir (fls. 75).
- A ora reclamante interpôs, então, deste último despacho recurso para o STA (fls. 77).
- O recurso não foi admitido no TCA, mas, considerado como oposição
à referida remessa da reclamação para o TC, o relator no TCA remete a mesma reclamação para o Presidente do STA a quem ela fora dirigida (fls. 79).
- Por despacho do Presidente do STA, de 17/7/2001, a reclamação não foi conhecida, por se ter entendido não haver objecto idóneo de reclamação.
- Entretanto, em 25/1/2001, a reclamante interpusera recurso do já referido acórdão do TCA, documentado a fls. 28 e segs., para o STA (fls. 47), o qual não foi admitido por despacho de 6/2/2001, com fundamento em extemporaneidade (fls. 49).
- Também deste despacho a reclamante reclamou, em 19/2/2001, para o Presidente do STA que, por despacho de 17/7/2001, indeferiu a reclamação por entender que o prazo para interpor recurso para o STA expirara em 15/1/2001.
- O despacho foi notificado à reclamante por carta registada em
18/7/2001.
- Finalmente, a reclamante interpôs, em 13/9/2001, novo recurso para o Tribunal Constitucional do mesmo acórdão do TCA de fls. 28 e segs. (fls. 137).
- O recurso não foi admitido, por despacho de 20/11/2001, documentado a fls. 142, com fundamento em extemporaneidade.
É este despacho que vem agora reclamado, ao abrigo do artigo 76º nº
4 da LTC.
3 - O despacho reclamado considerou que:
Enquanto o primeiro recurso para o Tribunal Constitucional não observava o requisito do prévio esgotamento dos recursos ordinários, já no segundo (o que está agora em causa) tal requisito se mostrava preenchido, uma vez que o recurso interposto para o STA fora julgado extemporâneo e dado o disposto no artigo 70º nº 4 da LTC.
O recurso era, porém, extemporâneo, pois não fora interposto no prazo de dez dias, prazo este que deve ser contado a partir do termo do prazo do recurso ordinário e não, como a reclamante pretendia, a partir da notificação do despacho do Presidente do STA que indeferiu a reclamação contra a não admissão do recurso interposto para o STA – no artigo 70º nºs 3 e 4 da LTC 'apenas se prevêem condições de recorribilidade, designadamente definindo situações equiparadas a recursos ordinários, nada se estabelecendo, quanto ao prazo do recurso que está previsto noutro preceito'.
Contra este entendimento se insurge a reclamante, sustentando, em síntese, que o acórdão recorrido só transitou quando já não era possível recurso ordinário ou reclamação e, nos termos do artigo 70º nº 2 do LTC, só esgotados tais recursos e reclamações é possível recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, segundo a reclamante, a questão da extemporaneidade do recurso interposto para o STA em 25/1/2001 (por lapso, a reclamante refere a data de
25/2/2001) só ficou definitivamente decidida com o indeferimento da reclamação por despacho do Presidente do STA.
Mas, mesmo que assim se não entenda, a verdade é que, ainda segundo a reclamante, em 25/1/2001, apresentara reclamação contra a não admissão do primeiro recurso interposto para o Tribunal Constitucional em 4/12/2000, que só veio a ser indeferida em 18/7/2001.
A tese expendida pelo Exmo Magistrado do Ministério Público, no parecer que emite, também no sentido do deferimento da reclamação, assenta em outra ordem de considerações.
Muito embora sufragando o entendimento do despacho recorrido quanto
à impossibilidade de a reclamante tirar proveito do momento em que o recurso ordinário foi definitivamente julgado extemporâneo para só então se iniciar a contagem do prazo do recurso para o Tribunal Constitucional, sustenta aquele Magistrado que, no caso, foi ilegal o julgamento de extemporaneidade do recurso ordinário interposto em 25/1/2001, uma vez que, por força do disposto no artigo
75º nº 1 da LTC, o primeiro recurso de constitucionalidade, interposto em
4/12/2000, interrompera o prazo do recurso ordinário, interrupção essa que só cessara em 19/1/2001 quando a reclamante foi notificada do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade por se não mostrarem esgotados os recursos ordinários.
Admitindo que o Tribunal Constitucional, para o exclusivo efeito de aferir da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, possa 'corrigir' a decisão sobre a tempestividade do citado recurso ordinário, o mesmo Magistrado entende que, considerando ser tempestivo o mesmo recurso, se deverá concluir que o recurso de constitucionalidade interposto em 13/9/2001 é igualmente tempestivo, ao abrigo do disposto no artigo 75º nº 2 da LTC.
Vejamos, então, se as teses defendidas pela reclamante e pelo Ministério Público merecem acolhimento, contra o que foi decidido no despacho reclamado.
4 - Para a reclamante, como se viu, é decisivo o facto de considerar que só em 18/7/2001 – data da decisão do Presidente do STA sobre as duas reclamações apresentadas – se pode entender como esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam, pelo que só então também se iniciaria o prazo do recurso para o Tribunal Constitucional.
Sucede, porém, que, no caso da primeira reclamação, ou seja, a relativa à não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional de 4/12/2000, a questão ficou definitivamente decidida com o despacho do juiz do TCA notificado por carta registada em 19/1/2001, no ponto em que foi inidónea – e, logo, irrelevante – a forma como a reclamante impugnou esse despacho (reclamação para o Presidente do STA e não, como devia, ao abrigo do artigo 76º nº 4 da LTC, para o Tribunal Constitucional).
Quanto à segunda reclamação – do despacho que não admitiu o recurso interposto para o STA em 25/1/2001, por extemporaneidade – embora se aceite que a decisão definitiva só ocorreu com o despacho do Presidente do STA, de 17/7/2001, a questão que se coloca é a de saber se o prazo do recurso de constitucionalidade só começa a correr, com o trânsito em julgado daquele despacho.
E a resposta a essa questão só pode ser negativa.
Com efeito, nos termos do artigo 75º nº 1 da LTC, o prazo do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias; sobre o termo inicial desse prazo – que, em princípio e segundo as regras gerais, ocorre com a notificação da decisão judicial recorrida – o nº 2 do mesmo preceito legal ressalva apenas os casos de não admissão dos recursos ordinários por irrecorribilidade (o prazo inicia-se, então, no momento em que se torna definitiva a decisão de não admissão) e não é esta a situação em apreço.
Coisa diversa é a que vem regulada nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da LTC ou seja a definição das decisões judiciais que podem ser objecto de recurso ao abrigo do artigo 70º nº 1 alíneas b) e f), em que vigora a regra de aquelas serem apenas as que não são já susceptíveis de recurso ordinário.
Explicitou, ainda, o legislador que a insusceptibilidade de recurso ordinário ocorre em duas situações: quando a lei não admite o recurso ordinário ou quando já foram esgotados todos os que ao caso cabiam.
E acrescentou, por um lado, que se contam como recurso ordinário as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores dos despachos que o não admitiram ou o retiveram bem como as reclamações para a conferência dos despachos dos relatores e, por outro, que se consideram esgotados todos os recursos ordinários quando houver renúncia ao recurso, decurso do prazo do recurso sem a respectiva interposição, ou o não seguimento dos recursos ordinários por razões de ordem processual.
Ora o problema que aqui se coloca não é o de saber se se mostram esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam, requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade que se mostra preenchido, mas o de saber quando se inicia o prazo do recurso.
Poderá, em contrário, sustentar-se que o requisito do prévio esgotamento dos recursos ordinários tem necessariamente repercussões na determinação do termo inicial do prazo do recurso de constitucionalidade.
Tem-nas de facto quando, por exemplo, o recorrente deixa decorrer o prazo do recurso ordinário sem o interpor, só se iniciando o prazo do recurso de constitucionalidade quando aquele expira (neste sentido cfr. Acórdão nº 457/99 in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', vol. 44º, pags. 629 e segs.) – e foi, aliás, esta contagem a que foi feita no despacho reclamado para não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional.
E tem-nas ainda quando, interposto um recurso ordinário, não admitido por irrecorribilidade, o recorrente reclama para o presidente do tribunal superior que indefere a reclamação, caso em que o prazo do recurso de constitucionalidade se inicia no momento em que o recorrente é notificado da decisão de indeferimento (cfr. artigo 75º nº 2 da LTC).
Agora o que não pode aceitar-se é que, fazendo como que uma aplicação analógica do artigo 75º nº 2 da LTC (que contém uma norma excepcional), o prazo do recurso de constitucionalidade seja prorrogado em termos de só se iniciar quando notificado o despacho que julga definitivamente intempestivo o recurso ordinário.
Com efeito, não estando prevista tal prorrogação – que, nos termos do citado artigo 75º nº 2 da LTC, só se verifica em casos de irrecorribilidade da decisão de que se interpôs recurso ordinário – admiti-la, no caso, seria abrir a porta à admissibilidade dos recursos para o TC a todo o tempo, bastando para tal que o recorrente, perante uma decisão judicial transitada, viesse interpor dela recuso ordinário, forçando uma decisão de não admissão e uma reclamação para o presidente do tribunal superior, para, então, recuperar o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional.
A tese sustentada pelo Ministério Púbico também não merece acolhimento desde logo no ponto em que, como se disse, pressupõe considerar--se tempestivo o recurso ordinário interposto em 25/1/2001.
Na verdade, não se trata aqui de sindicar um juízo formulado no despacho reclamado em que o poder de cognição do Tribunal Constitucional se exerce em toda a sua amplitude, designadamente em situações em que o despacho sob reclamação se fundamenta no não esgotamento de recursos ordinários – o Tribunal Constitucional aprecia aqui o direito infraconstitucional aplicado sem quaisquer limitações.
Coisa diversa e ainda que só para efeitos de julgar da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, é o Tribunal Constitucional sobrepor-se ao juízo já definitivo formulado pelos tribunais ordinários, juízo esse que não enforma a decisão reclamada, ainda que nesta se possa repercutir.
No caso, a extemporaneidade do recurso ordinário estava já decidida e, não sendo esse o objecto da presente reclamação, terá o Tribunal Constitucional que a dar como assente para ajuizar da tempestividade do recurso de constitucionalidade. Ou seja, não pode fazer radicar uma decisão de tempestividade deste recurso na suposta tempestividade do recurso ordinário
(por, alegadamente, estar interrompido o prazo de interposição) em contrario do que oportunamente foi julgado pelas instâncias judiciais competentes.
De todo o modo, mesmo partindo da tempestividade do recurso ordinário interposto em 25/1/2001 – o que se não aceita – não se vê como se pode entender tempestivo o recurso de constitucionalidade, o que, na tese sufragada pelo Ministério Público, assentaria numa equiparação da não admissão do recurso com o (errado) fundamento de intempestividade às situações de irrecorribilidade da decisão, para efeitos do disposto no artigo 75º nº 2 da LTC, sendo inquestionável a natureza excepcional deste preceito.
Em suma, pois, não avançam a recorrente e o Ministério Público argumentos que ponham em crise o despacho reclamado que, face às datas da notificação do acórdão recorrido e da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e na ausência de fundamentos válidos para uma prorrogação do respectivo prazo (ou uma dilação do seu termo inicial) para além da que foi considerada (início no termo do prazo do recurso ordinário, por força do disposto no artigo 70º nº 4 da LTC) não poderia deixar de julgar extemporâneo o recurso.
5 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação
Custas pela reclamante, fixado-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa,17 de Abril de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa