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Processo nº 603/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A, identificado nos autos, foi condenado, por sentença de
17 de Outubro de 2000, proferida no Tribunal Judicial da comarca de Loures – 2º Juízo Criminal –, como autor de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, com referência ao disposto nos artigos 1º, 3º, nº 1, e 4º, nº 1, alínea g), do mesmo diploma legal, na pena de dez meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano, e oitenta dias de multa, à taxa diária de setecentos escudos, o que perfaz a multa global de cinquenta e seis mil escudos.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Junho de 2001, pronunciando-se na sequência do recurso interposto pelo arguido, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Inconformado, recorreu o mesmo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, dado que, e como melhor ficou a resultar em consequência do despacho proferido neste Tribunal pelo ora relator, nos termos do artigo 75º-A do mesmo texto legal, 'se considera inconstitucional o artº 108º, nº 1, conjugado com os artºs. 3º, nº 1 e 4º, nº 1, al. g) do DL nº 422/89-12-02, na redacção vigente, por violação do princípio da proporcionalidade que foi suscitada na motivação do recurso interposta da decisão da 1ª Instância para o Tribunal da Relação de Lisboa, na medida em que, sendo o interesse juridicamente protegido pelas referidas disposições legais a tutela das concessões de jogo e dos interesses dos respectivos concessionários, por um lado tal interesse não é constitucionalmente protegido, e por outro, ainda que o fosse ou também fosse tutelado por essas normas interesse constitucionalmente protegido, é desproporcionada, por desnecessária, a restrição ao direito 'liberdade individual', porquanto, para tutela do referido interesse, adequada e suficiente
é a sanção contra-ordenacional, a exemplo do que abundantemente existe no Ordenamento Jurídico Português, requerendo a admissão do recurso, com efeito e regime de subida legais.'
2. - Em sede de alegações, oportunamente apresentadas, o arguido concluiu do seguinte modo:
'1. O interesse juridicamente protegido pelas disposições conjugadas dos artºs.
108º, nº 1 – 3º, nº 1 e 4º, nº 1, al. g) do DL nº 422/89-12-02 é a tutela dos interesses dos concessionários de jogo.
2. Este interesse não é constitucionalmente protegido.
3. Logo, não é admissível restrição ao direito fundamental ‘liberdade individual’ através de sancionamento penal em pena de prisão.
4. De qualquer forma, ainda que protegido constitucionalmente fosse aquele interesse ou fosse ou também fosse outro interesse também tutelado por tais normas, sempre a restrição ao direito ‘liberdade individual’ operada por sancionamento penal com pena de prisão é desproporcionada, por desnecessária.
5. Com efeito, mostra-se ultrapassada a medida da necessidade admitida pelo art.
18º, nº 2 da Constituição, com tal tutela penal.
6. Adequada, é à disposição do legislador, seria apenas tão só a tutela por via de sanção contra-ordenacional, a exemplo do que abundantemente existe no Ordenamento Jurídico Português.
7. Consequentemente, deve ser recusada a aplicação, por inconstitucionalidade material, das referidas normas conjugadas, por violação do art. 18º, nº 2 da Constituição e do princípio da proporcionalidade nele ínsito.'
Por sua vez, o Ministério Público, como recorrido, alegou igualmente e formulou as seguintes conclusões:
'1º - A tipificação do crime de exploração ilícita dos jogos de fortuna e azar – visando obviar a que tal exploração se processe de forma clandestina e sem qualquer restrição, controlo ou fiscalização – não ofende os princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas criminais.
2º - Termos em que deverá manifestamente improceder o recurso interposto.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.1. - Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a apreciação da norma do nº 1 do artigo 108º do Decreto-Lei nº 422/89, de 12 de Fevereiro – diploma conhecido por Lei do Jogo – conjugadamente com as normas dos nº 1 do artigo 3º e da alínea g) do nº 1 do artigo 4º, do mesmo texto de lei.
Após se definirem, no artigo 1º, jogos de fortuna ou azar como sendo aqueles cujo resultado é contingente para assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, o artigo 3º dispõe sobre zonas de jogo, preceituando, no seu nº 1:
'A exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6º a 8º.'
Ao debruçar-se sobre os tipos de jogos de fortuna ou azar, o artigo 4º, nº seu nº 1 e alínea g), dispõe:
'1. – Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
... g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.'
E, por sua vez, diz-nos o artigo 108º, sobre exploração ilícita do jogo:
'1.- Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
2.- Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.'
1.2. - Suscitando o problema na motivação do recurso para o Tribunal da Relação, o arguido questionou a constitucionalidade da norma daquele artigo 108º, nº 1, aplicado em conjugação com as demais citadas, por violação do princípio da proporcionalidade das penas, consagrado no artigo 18º da Constituição da República (CR) – enunciação que veio clarificar melhor, já neste Tribunal, na sequência do já aludido despacho do relator, nos termos que igualmente se deixaram oportunamente exarados .
2. - O acórdão recorrido teve como improcedente a alegada inconstitucionalidade, nos termos que se passam a transcrever:
'O recorrente refere.
‘A única finalidade da proibição é da salvaguarda de receitas para os concessionários dos jogos e, no caso particularmente através da proibição de concorrência dos casinos. Assim, atento o objectivo de protecção do lucro de alguns, da norma, e não a protecção de qualquer valor ético, consagrar sanção criminal viola claramente o sentido da proporcionalidade ínsito no artº 18º, nº 2 da Constituição da República’. O artº 18º nº 2 da CRP preceitua que ‘a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A sentença qualificou o jogo desenvolvido pela máquina referida como de fortuna ou azar. O direito de explorar jogos de fortuna ou azar pertence exclusivamente ao Estado, tendo em conta que a regulamentação e fiscalização dos jogos desta natureza têm de ter um controlo e fiscalização apertadas, efectuados pelo Estado. Por isso tais jogos só são permitidos mediantes concessão do Estado adjudicada a empresas, que exercem trais actividades em sítios determinados. Tendo em conta a natureza destes jogos, a violação das regras que o disciplinam que são de ordem pública, constituem crime p.p. pelos preceitos referidos.
Sendo assim, não se encontra violado o princípio constitucional da proporcionalidade, pois o meio – permissão do jogo de fortuna e azar, apenas a empresas concessionadas – é ajustado a alcançar o fim de ordem pública visado. E como refere Gomes Canotilho em Direito Constitucional, 4ª Ed. Pag. 316, ‘meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim’. Conhecendo-se o malefícios que o jogo causa (até com casos patológicos), deve ser restrito o seu exercício, e apertado o seu controlo e fiscalização pelo Estado. Punido-se criminalmente os violadores das regras que o disciplinam – pois estas normas não têm natureza administrativa – não se viola o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artº 18º, nº 2 da Constituição da República.'
3. - Muito recentemente, no acórdão nº 99/02, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Abril último, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de se pronunciar sobre idêntica problemática, equacionada, de resto, pelo mesmo arguido relativamente à condenação de que foi alvo no 2º Juízo Criminal da comarca de Lisboa.
Concordando-se, no essencial, com o que então se julgou e decidiu, remete-se para o mencionado acórdão.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa,17 de Abril de 2002 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida