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Processo nº 742/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A, identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, datado de 30 de Dezembro de 1997, que, nos termos do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, indeferiu o pedido de revisão da sua pensão de reforma.
O recorrente – que é militar do quadro permanente da classe de Administração Naval com o posto de capitão tenente, graduado em capitão de mar e guerra, na situação de reforma – foi vítima de lesão em serviço de campanha, sendo-lhe reconhecida a condição de deficiente das Forças Armadas (DFA), ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, com o grau de incapacidade de 64%. O Tribunal Central Administrativo (TCA), por acórdão de 18 de Novembro de 1999, concedeu provimento ao recurso, tendo anulado o acto recorrido por errada interpretação da norma do artigo 1º daquele Decreto-Lei nº 134/97, assim reconhecendo ao recorrente a 'qualidade' de deficiente das Forças Armadas, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76.
Em face do assim decidido, a entidade recorrida interpôs recurso para a Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), a qual, por acórdão de 18 de Outubro de 2000, revogou, por sua vez, o aresto anterior, por erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 134/97.
Nas alegações que apresentou perante o tribunal ad quem o interessado invocara problemática relacionada com uma questão de constitucionalidade.
Defendeu, então, que o artigo 20º do Decreto-Lei nº 43/76 dispõe que todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos nesse diploma, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, exceptuando os seus artigos 1º e 7º; no entanto, o artigo 1º deste último texto não foi 'anulado' pelo de 1976, 'antes pelo contrário houve a preocupação dele continuar a vigorar na ordem jurídica'; assim, ao ser o recorrente qualificado como DFA, foi-lhe aplicada a norma do nº
2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, 'que já existia no Decreto-Lei nº
210/73, de 9 de Maio, e que permaneceu em vigor'.
Assim, negar, ao então recorrido, os direitos previstos no Decreto-Lei nº
134/97, de 31 de Maio, 'seria atribuir-lhe tratamento desigual, relativamente
àqueles que em situação idêntica vêm a gozar de tais direitos, apenas pela circunstância de a decisão de qualificação de DFA ter sido proferida após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o que equivale a uma interpretação contrária ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa'.
Dado que ficou com uma percentagem de deficiência maior do que a daqueles que puderam optar pelo serviço activo e, em consequência, teve de ser reformado extraordinariamente, ao não o promoverem trataram-no de forma mais desfavorável, contrariando aquele preceito constitucional (além de se violar o artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97).
No entanto, não colheu, para o Supremo, a argumentação de inconstitucionalidade.
Como então se escreveu, a diversidade de situações – a dos DFA como tal considerados antes do Decreto-Lei nº 43/76 e a dos que só posteriormente obtiveram essa qualificação – não viola o princípio da igualdade a interpretação do preceito do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, que só contempla os primeiros.
Nesta linha de entendimento, reconhece-se que o legislador agiu no plano da liberdade da conformação legislativa, só existindo ofensa ao princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio, se a medida legislativa carece de suporte legal e se viole a imposição positiva do princípio, a exigir um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.
2. - Inconformado, A interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Ao limitar-se a indicar a violação do princípio constitucional de igualdade na aplicação do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, o recorrente não precisou claramente a dimensão interpretativa ou aplicativa da norma que pretende ver apreciada pelo que, já neste Tribunal, foi convidado a fazê-lo, ao abrigo do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82 e uma vez que a inicial admissão do recurso, por despacho do Conselheiro relator no Supremo, não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
Veio, então, expor o seguinte:
a) o recorrente passou à situação de reforma extraordinária e foi qualificado como DFA após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, não tendo optado pelo serviço activo; b) os factos que originaram a qualificação como DFA e a passagem à reforma extraordinária dos militares do quadro permanente que podem ser abrangidos pelo disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 ocorreram antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei nº 43/76; c) há, assim, militares do quadro permanente que apenas por motivo de ordem burocrática são qualificados como DFA e passam à situação de reforma extraordinária, após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 e não são abrangidos, na interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, pelo comando do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, uma vez que se considera o disposto neste preceito somente aplicável a quem tenha passado à situação de reforma extraordinária e sido qualificado como DFA antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei nº 43/76; d) pelo exposto, a não aplicação do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº
134/97 no concreto caso viola o princípio constitucional da igualdade.
Ou seja, a não observância do preceituado neste comando legal, subentende um determinado entendimento adoptado pelo tribunal a quo que ora se impugna em sede de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e se revela excludente da situação concreta do recorrente.
3. - Foi proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso, por se ter entendido não se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Deduzida reclamação foi a mesma atendida e, em consequência, pelo acórdão nº 328/2001, revogada a decisão sumária e ordenado o prosseguimento do recurso.
4. - Notificadas as partes para alegarem, ambas o fizeram oportunamente.
O recorrente conclui, em síntese:
a) que a interpretação da norma do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, por forma a não abranger os deficientes do quadro permanente das Forças Armadas com capacidade igual ou superior a 30% e que foram julgados incapazes para o serviço activo mas classificados como tal após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43//76, viola o princípio constitucional da igualdade estatuído no artigo 13º da Lei Fundamental;
b) com efeito daí resulta desigualdade na aplicação daquele artigo 1º em relação aos deficientes do quadro permanente que puderam optar pelo serviço activo, antes e depois deste Decreto-Lei nº 43/76 uma vez que, na medida em que se distinguem os que foram classificados deficientes antes ou depois da entrada em vigor do diploma de 1997, permitiu aos primeiros a promoção e a revisão da pensão de reforma e impediu-as aos segundos.
A entidade recorrida, por sua vez, formulou as seguintes conclusões:
'1. O artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15/11, na redacção dada pelas Leis nºs.
85/89, de 7/9 e 13-A/98, de 26/2, define os pressupostos de admissibilidade dos recursos para o Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais;
2. O recorrente invoca como base do presente recurso o disposto na alínea b) do nº 1 da referida norma, segundo a qual cabe recurso das referidas decisões que recusam a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
3. Alegando que o Acórdão do STA ora impugnado, faz uma interpretação do artº 1º do DL. 134/97, que viola o princípio da igualdade definido no artº 13º da CRP;
4. No entanto, carece o Recorrente inteiramente de razão;
5. Pois anão aplicação ao seu caso do artº 1º do DL 134/97 não traduz qualquer violação do princípio da igualdade;
6. Ensina esse Venerando Tribunal que tal princípio não proíbe as diferenças para o tratamento de casos diferentes, apenas proíbe o arbítrio ou a discriminação infundada;
7. Mais, tendo em conta o princípio tempus regit actum, a legalidade do acto administrativo afere-se pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação, no caso se acto expresso;
8. Se o Recorrente foi qualificado DFA à luz do DL 43/76, de 20/2, não lhe são aplicáveis as alíneas b) e c) do nº 1 do artº 18º daquele diploma, não sendo destinatário do DL 134/97.'
Cumpre decidir.
II
1. - Constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade a norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio.
A este respeito escreveu-se no acórdão nº 414/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Novembro de 2001, que se debruça sobre situação de grande similitude fáctica e que, por consequência, se transcreve:
'......................................................................................................................................................................................................................................... A norma cuja inconstitucionalidade vem suscitada é, pois, a constante do artigo
1º do Decreto-Lei nº 134/97, de 31 de Maio, que dispõe:
Os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos.
Como expressamente consta do respectivo preâmbulo, este diploma foi editado na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do já mencionado Acórdão nº 563/96 do Tribunal Constitucional. Com efeito, este Acórdão analisou de forma exaustiva a situação dos DFA's e o respectivo enquadramento jurídico, nele se podendo ler:
Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de 1963, eram afastados do serviço activo os militares dos quadros permanentes das forças armadas que, em consequência de ferimentos ou acidentes ocorridos em serviço, mesmo em casos de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública, ficavam diminuídos na sua capacidade física. Reconheceu-se, porém, que a plena validez física era dispensável no desempenho de alguns cargos da competência dos militares no activo, sendo certo que o afastamento da carreira das armas imposto aos militares que sofreram diminuição da capacidade física com manutenção de validez suficiente para continuarem a desempenhar utilmente funções para as quais foram preparados e dedicaram a sua vida, constítuia procedimento não coadunável com o 'reconhecimento que a Nação' lhes deve. O legislador de 1963 entendeu, a essa luz, que o aproveitamento da capacidade e da actividade dos militares em condições para o desempenho desse serviço, beneficiaria não só o Estado como, material e moralmente, os próprios e, por conseguinte, dispôs, no corpo do artigo 1º daquele diploma, que os militares dos quadros permanentes das forças armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública ou em serviço directamente relacionado, podem, se assim o desejarem, continuar no serviço activo ainda que a sua capacidade física apenas lhes permita o desempenho em cargos ou funções que dispensam plena validez (o respectivo § 1º, por sua vez, diz-nos o que são mutilados, para os efeitos do diploma, e o § 2º exclui do âmbito do corpo do artigo certas situações relacionadas, de um modo geral, com ferimentos e acidentes intencionalmente provocados). De acordo com o artigo 2º, os militares em questão são presentes a uma junta médica que julgará da aptidão para todo o serviço activo ou apenas para os cargos que dispensem plena validez. A regulamentação das medidas constantes no diploma veio a ser feita na Portaria
21 776, do Ministério do Exército, de 7 de Janeiro de 1966 (publicada no Diário do Governo, nº 5, da mesma data) aí se definindo, nomeadamente, os militares considerados abrangidos pela providência legal em causa e o regime da sua sujeição às JHI (juntas hospitalares de inspecção). Pouco depois, o Decreto-Lei nº 45 684, de 27 de Abril de 1964, revelando idêntica preocupação - considera-se preambularmente a necessidade de assegurar aos que se inferiorizam ao serviço da Pátria as condições indispensáveis à sua subsistência - reconhece terem direito à reforma extraordinária os militares que nesta qualidade são subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que se tornem inábeis para o serviço por algumas das causas enumeradas no seu artigo 1º
(concretizadas mais claramente pela Portaria nº 127/72, de 6 de Março) estabelecendo o artigo 3º os critérios de fixação da pensão de reforma extraordinária e a fórmula do respectivo cálculo, tendo em conta o posto no activo (o último posto no activo, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 45
684, e, posteriormente, do nº 1 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) - pensão que é de invalidez para os militares não subscritores daquela Caixa (cfr. o nº 1 do artigo 127º deste Estatuto).
2.2.- O Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, invocando o reconhecimento que 'a Nação deve àqueles que, no cumprimento dos seus deveres militares, se sacrificaram por ela', o qual exige se torne extensivo à generalidade dos militares o regime criado pelo texto legal de 1963, vem alargar o universo dos destinatários desse regime, de modo a abranger todos os militares do quadro permanente e do quadro de complemento do Exército e pessoal militar não permanente da Armada e da Força Aérea que se tornem deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública
(cfr. o respectivo preâmbulo e o nº 1 do artigo 1º), aos quais se concede poderem continuar na situação de activo ou optar pela passagem à situação de reforma extraordinária. Mantém-se a possibilidade de opção pela reforma extraordinária (ou pensão de invalidez), enunciam-se de novo as circunstâncias fácticas que originam acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha, para os efeitos do diploma, e revogam-se, entre outros, o Decreto-Lei nº 44 995 e a Portaria nº
127/72 (artigo 18º). De acordo com o nº 1 do seu artigo 15º, os militares que, pelos motivos indicados no artigo 1º, já se encontrem na situação de reforma extraordinária ou fruindo pensão de invalidez, podem voltar à situação de activo desde que o requeiram no prazo de um ano, a contar do início da vigência deste diploma
(preceitua, por sua vez, o nº 2 que os vencimentos e demais abonos a que vierem a ter direito são devidos somente a partir da data que coloca esses militares na situação de activo, acrescentando o nº 3 que os militares que regressem a essa situação serão colocados no posto e no lugar que lhes competiria se não tivesse havido interrupção de serviço). Pouco depois, o Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, passou a contemplar o problema das graduações dos militares dos quadros permanentes na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, determinando-lhes a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação (artigo 1º), logo a seguir se prescrevendo, no entanto, não conferir a atribuição da graduação ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação. É a norma do artigo 4º, ora sob sindicância, e que permanece em vigor, como veremos a seguir.
2.3.- Os textos legais referenciados aproveitam aos militares vítimas dos eventos que os deficientaram desde que ocorridos posteriormente a 1 de Janeiro de 1961 (Decreto-Lei nº 44 995, artigo 8º; Decreto-Lei nº 45 684, artigo 9º; Decreto-Lei nº 210/73, artigo 17º). A eclosão da guerra colonial e o subsequente aumento de acidentes ou doenças em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública constituíram a (não confessada) occasio legis da descrita actividade legislativa, desperto o legislador para a necessidade de exprimir reconhecimento aos que se sacrificaram em cumprimento dos seus deveres militares e, mormente, para uma desejável perspectiva de reintegração desses militares no meio social, permitindo que continuassem em serviço os que sofreram diminuição de capacidade física em consequência de acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública, desde que possível o desempenho desse serviço. O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Fevereiro, surgido no período subsequente à rotura institucional do 25 de Abril, cessada já a chamada guerra colonial, visou propósitos mais vastos ao instituir um regime de reabilitação e assistência 'aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar' (do nº 1 do artigo 1º), não apenas no serviço de campanha ou situações equiparadas mas também no exercício de quaisquer funções e deveres militares em condições de que resulte 'risco agravado equiparável' ao definido naquelas situações (o diploma foi objecto de várias rectificações: cfr. declarações publicadas no Diário do Governo de 13 de Fevereiro e de 16 de Março e Diário da República, de 26 de Junho, todos na I Série de 1976). Pretendeu-se, em vésperas de vigência de um novo texto constitucional onde o Estado se obrigaria a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes - cfr. o nº 2 do artigo
71º da Constituição de 1976 - afastar o regime instituído pelos anteriores diplomas que, designadamente, criara injustiças aos que se deficientaram nas campanhas pós-1961 - como se lê do preâmbulo respectivo - com desrespeito do
'princípio de actualização de pensões e outros abonos, o que provocou, no seu conjunto, situações económicas e sociais lamentáveis'. E, na verdade, o novo texto alarga o conceito de deficiente das forças armadas - artigo 1º - e reequaciona o direito de opção pela continuação no serviço activo, previsto no Decreto-Lei nº 210/73, direito esse que se manteve - cfr. artigo 7º
(o preâmbulo refere-se expressamente à manutenção desse direito 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo'). Ainda de acordo com o nº 1 do seu artigo 18º consideram-se, automaticamente, DFA: a) 'os inválidos da 1ª Guerra Mundial, de 1914-1918, e das campanhas ultramarinas anteriores'; b) 'os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de 1963, e que pelo nº 18 da Portaria nº
619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'; c) 'os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'. Pelo nº 2 do mesmo artigo 18º aplica-se o diploma aos 'cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo', o mesmo sucedendo, por via do nº 3, aos 'militares que venham a contrair deficiência em data ulterior à publicação deste decreto-lei e forem considerados DFA'. O artigo 20º - cfr. a rectificação publicada em 13 de Fevereiro - prescrevia, originariamente, que 'todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei, com expressa revogação do Decreto-Lei nº
210/73, de 9 de Maio, excepto nos seus artigos 1º e 7º', mas logo a rectificação publicada em 16 de Março veio aditar ao eixo sinalagmático 'presente decreto-lei' esse outro 'e no Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho', redacção que se mantém. A produção de efeitos foi, por sua vez, reportada a 1 de Setembro de 1975, 'data a partir da qual terão eficácia os direitos que reconhece aos DFA' (artigo 21º do texto rectificado'. A Portaria nº 94/76, de 24 de Fevereiro, disciplina o regime do serviço activo que dispense plena validez, constando do seu nº 9:
'Os militares que optarem pela continuação na situação do activo em regime que dispense plena validez podem, mediante declaração, no prazo de um ano, passar à situação de reforma extraordinária se dos quadros permanentes, ou pensão de invalidez, se dos quadros de complemento ou não permanentes, sendo-lhes atribuída a pensão correspondente ao posto em que nessa data se encontrem promovidos ou graduados'. Por seu lado, a Portaria nº 162/76, de 24 de Março, teve por objectivo regulamentar situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, nela se inserindo a segunda das normas postas em crise pelo Provedor de Justiça. A portaria em causa debruça-se, nuclearmente, sobre a 'revisão do processo' prevista no nº 2 do artigo 18º do decreto-lei, querendo significar, com tal expressão, a 'elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constante nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro', como nos diz o seu nº 1. A revisão do processo, adianta-nos o nº 3, efectua-se a pedido do interessado mediante requerimento que entrará na repartição competente no prazo que, na redacção inicial, se fixou em cento e oitenta dias contados a partir da data da publicação da portaria, mas que foi sendo sucessivamente prorrogado (Portarias nº 603/76, de 14 de Outubro, e 197/77, de 12 de Abril) até que a Portaria nº
114/79, de 12 de Março, veio eliminar definitivamente a exigência de prazo. Esta Portaria nº 162/76 pressupõe, na verdade, a existência de dois grupos diferenciados de destinatários: os que já eram considerados deficientes das forças armadas, anteriormente ao Decreto-Lei nº 43/76, e os que, não o sendo, requereram a revisão dos seus processos individuais para apreciação das suas situações pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado pelo artigo 2º do citado Decreto-Lei nº 43/76. Aos primeiros, 'encontrando-se nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor, não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo', diz-nos a alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76. Aos segundos - todos os que não se encontram naquela situação, ou a ela equiparados - a alínea a) do nº 8 permite-lhes, verificado um certo condicionalismo, optarem pelo serviço activo após a revisão do processo, podendo pedir o trânsito para a situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, consoante pertençam aos quadros permanentes ou aos quadros complementares ou similares [alínea c) do nº 8], indo, nos termos da alínea e) do mesmo número, 'recuperar o posto e a antiguidade a que teriam ascendido se não tivessem estado desligados do serviço activo'.
[...]
2.1.1.- O Decreto-Lei nº 43/76 - relembre-se - surge teleologicamente orientado para pôr termo a um regime legal que cuidava dos cidadãos portugueses deficientados no cumprimento do serviço militar mas que, no entanto, proporcionava situações de injustiça tidas por contrariarem, nomeadamente, o princípio de actualização de pensões e outros abonos. Na sequência do objectivo que o informou, o diploma pretendeu atingir um universo de destinatários com a amplitude que o seu artigo 18º lhe concedeu: vasta e indiferenciadamente - também já se consignou - o novo texto legal propôs-se aplicar o princípio de actualização de todas as pensões e abonos devidos aos DFA 'sempre que houver alteração de vencimentos e outros abonos do activo', alargou o regime jurídico do deficiente das forças armadas, atribuíu novos direitos e regalias sociais e económicas, tornou possível para todos os DFA o direito à opção entre o serviço activo que dispense plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez. Ou seja, o diploma de 1976 tem uma vocação universalista, extensível, na sua vertente benefícios/regalias, a todos os que, no cumprimento dos deveres militares se deficientaram, tendo havido o cuidado de manter o estabelecido no Decreto-Lei nº 210/73 sobre o direito de opção pelo serviço activo, ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, 'a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo' (do preâmbulo). No entanto, a contenção na diferenciação que o texto revela e que se pretendeu consagrar, tomando a situação de DFA como denominador comum, não foi tão longe que não se possa dizer que nem todos quantos se deficientaram e fariam parte, em princípio, desse universo, beneficiam do respectivo regime, mercê das normas sindicadas, ou, pelo menos, de alguma delas.
É o que se depreende, claramente, do artigo 20º, após as rectificações a que foi sujeito: 'Todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei e no Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, excepto os seus artigos 1º e
7º'. O que, no fundo, significa manterem-se as 'opções de 1973' a par das
'opções de 1976' (se assim podemos dizer): as primeiras, geradas em contexto de guerra, a exercerem-se em dado prazo e a darem lugar a uma pensão calculada com base no posto que o militar detinha no momento em que se deficientou, não sendo a graduação posterior mais do que honorífica; as segundas, com efeitos reportados a 1 de Setembro de 1975, criadas em diferente contexto histórico como expressão de um reconhecimento nacional, de exercício temporal incondicionado, proporcionando reconstituição integral da carreira, com pensão correspondente
(cuidando o legislador de preservar a lógica do novo regime, como ilustra, por exemplo, a alteração ao artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76, introduzida pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 203/87, de 16 de Maio).
9. Pois bem; o Tribunal Constitucional respondeu à questão de inconstitucionalidade colocada naquele aresto, afirmando que o que não seria admissível, por comportar efectiva violação do princípio da igualdade, seria tratar de forma diferenciada, discriminando-os, os DFA’s como tal reconhecidos anteriormente a 1976, ou seja, a consagração de um regime menos favorável para esses deficientados, pelo menos na medida em que lhes não fosse dada a possibilidade de optarem pelo regime consagrado para aqueles que apenas vissem ser-lhes reconhecida essa qualidade após a data em causa. Reconheceu o acórdão que a norma em questão, ao estabelecer um diferente condicionalismo para o exercício daquele direito a determinado grupo de deficientes – os assim declarados antes de 1976 – estava, de facto, a criar-lhes uma situação de impossibilidade prática para o exercício de um direito que, em teoria, se fazia consagrar para todos. Daí que, em cumprimento e execução da declaração de inconstitucionalidade constante desse acórdão, o Governo tenha emitido o Decreto-Lei nº 134/97. Ou seja, este diploma legal foi publicado para corrigir as situações de desigualdade detectadas pelo Acórdão nº 563/96, tendo assim a preocupação tónica de vir permitir, em concreto e na prática, a todos os DFA’s a opção pelo serviço activo, a fim de acederem às regalias previstas no Decreto-Lei nº 43/76, tais como promoções, alterações do montante da pensão, etc..
Mais concretamente, visou-se corrigir a desigualdade resultante do nº
7, alínea a), da Portaria nº 162/76, de 24 de Março (declarado inconstitucional pelo citado Acórdão), o qual, no âmbito da regulamentação das situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, retirara na prática o direito de opção pelo serviço activo a todos os DFAs que tivessem podido usufruir do direito de opção ao abrigo da legislação anterior – ou seja, num circunstancialismo injustificadamente mais restrito e desfavorável como condição para o exercício desse mesmo direito -, o que se traduzia, como já se referiu, numa diferenciação ou discriminação dos deficientados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei de 1976 face aos restantes.
Como se pode ler ainda no citado Acórdão nº 563/96: Na verdade, se todos podem (ou puderam) optar, seja porque o Decreto-Lei nº
210/73 o permitiu a alguns, seja porque o regime de 1976 o proporcionaria aos restantes, as condições de exercício do direito de opção são desiguais: àqueles, qualificados DFA em contexto legal mais exigente, foi reconhecido um dado prazo para a opção, num específico circunstancialismo sócio-político; aos últimos, de estatuto como DFA recente, ou porque o obtiveram mediante a revisão dos seus processos nos termos que passaram a ser permitidos pelo diploma de 1976, ou porque o novo regime lhes veio permitir a sua qualificação como DFA, mesmo com dispensa de qualquer relacionação com campanha ou equivalente, a esses, reconheceu-se-lhes poderem exercer a sua opção sem qualquer limitação temporal
(após sucessivas prorrogações dos prazos). A norma da alínea a) do nº 7 da Portaria não se compagina com uma visão holística e igualitária do Decreto-Lei nº 43/76. Como se diz no preâmbulo deste diploma, o direito à opção entre o serviço activo que dispensa plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez 'será agora possível para todos os DFA [...]' e se o preceituado sobre o direito de opção pelo serviço activo no Decreto-Lei nº 210/73 é mantido em vigor, 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961', o objecto confessado é o de 'contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo'. Não parece que a norma da portaria se compagine com a filosofia subjacente ao decreto-lei. A norma introduz um tratamento diverso para situações essencialmente iguais, não razoavelmente justificado: não só parte dos militares deficientes é afastada da plenitude de fruição do novo regime que, no entanto, visou alcançar 'um modo de compensar ou reparar uma injustiça' a todos tocante, sem que se apercebam ou denunciem as razões de marginalização assim provocada - o que figura arbítrio - como a diferença de tratamento se modela inadequada e injustificadamente.'
2. - Tomando em consideração o descrito enquadramento fáctico e tendo presente as transcritas considerações expressas no acórdão nº 414/2001, impõe-se o seu acompanhamento no juízo conclusivo que ele contém e ao qual se adere, no essencial. É que, tal como acontecia no caso versado naquele acórdão,
'o recorrente não esteve na situação dos que foram prejudicados por não terem tido possibilidade de optarem pelo serviço activo nas condições previstas no Decreto-Lei nº 43/76 e assim acederem às promoções decorrentes dessa mesma opção'; na verdade, ele foi reintegrado no activo já depois de 1976 e passou à situação de reforma extraordinária porque assim o requereu.
Tenha-se, nomeadamente, em conta esta parte final do aresto:
'A norma questionada, na interpretação e com o sentido indicado, visou primacialmente corrigir uma situação de desigualdade, essa sim, julgada inadmissível pelo Tribunal Constitucional. A invocada desigualdade de tratamento, resultante do Decreto-Lei nº 134/97, entre militares reconhecidos como DFA’s antes e depois da publicação do Decreto-Lei nº 43/76 não é, portanto, arbitrária ou destituída de fundamento racional – antes assenta num critério distintivo que decorre da linha de raciocínio que fundamentou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº
563/96. É que nesse aresto se entendeu que a possibilidade de opção pelo serviço activo antes da publicação do Decreto-Lei nº 43/76 não era «igual» à possibilidade de opção pelo serviço activo depois dessa mesma publicação. Assim, a situação do recorrente, que foi reconhecido como DFA já na vigência deste último diploma, não é igual à dos militares que foram reconhecidos como DFA’s anteriormente. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97 limita-se, portanto, a tratar diferentemente situações em si mesmas diferentes, como fora já reconhecido pelo Tribunal Constitucional.'
Impõem-se, por conseguinte, um juízo de não inconstitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta. Lisboa,17 de Abril de 2002- Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida