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Proc. nº 478/01 TC – 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 – A ..., identificado nos autos, recorre para este Tribunal ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea b) da LTC, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 246º nº. 3 do Código de Processo Tributário de 1991, com a interpretação dada pelo acórdão recorrido, proferido pela 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que o pagamento da dívida exequenda nos termos daquele normativo é um pagamento definitivo que dá lugar à extinção da instância executiva, o que determina a manifesta improcedência da oposição à execução por impossibilidade da lide (falta de objecto).
Admitido o recurso, o recorrente produziu alegações, que concluiu nos seguintes termos:
'1 – O Acórdão recorrido, tendo entendido que o pagamento feito pelo recorrente, de acordo com o nº. 3 do artigo 246º do CPT se trata de um pagamento definitivo da dívida exequenda e não de uma sua antecipação sem prejuízo do direito de defesa do recorrente, viola não só o princípio do Solve et Repete informador do nosso sistema tributário, mas também do artigo 20º da CRP.
2 – Efectivamente tendo o recorrente, logo após o adiantamento do capital da dívida, deduzir a sua oposição à execução, manifestando claramente o espírito com que fez o adiantamento e a sua intenção de demonstrar não ser responsável pela dívida.(sic)
3 – Pelo que, em nome do princípio do Solve et Repete o STA não podia dar ao gesto do recorrente o entendimento que deu.
4 – Com tal entendimento o STA decidindo pela não admissibilidade da oposição deduzida, vedou ao recorrente a possibilidade de defender os seus direitos, com que violou o artigo 20º da CRP.
5 – O Acórdão recorrido é por isso inconstitucional.'
Em contra-alegações, o representante da Fazenda Pública entende que o recurso não merece provimento.
Cumpre decidir.
2 – Resulta dos autos o seguinte:
- Contra M..., Lda., foi instaurada execução pela Fazenda Pública por dívidas à Segurança Social, tendo a executada sido declarada falida, sem qualquer pagamento da dívida exequenda..
- A execução foi revertida contra o recorrente, que fora gerente da executada, e que, citado, procedeu ao pagamento da quantia exequenda, ao abrigo do disposto no artigo 246º nº. 3 do CPT e deduziu oposição à execução, com fundamento em não ter sido gerente de facto da sociedade primitivamente executada.
- Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto de fls. 103 e segs., a Fazenda Pública foi absolvida da instância com fundamento na inadmissibilidade da oposição à execução, por esta se ter extinto com o pagamento da dívida exequenda nos termos do artigo 343º nº 1 do CPT.
- Inconformado, o ora recorrente, recorre, para o Tribunal Central Administrativo, que confirma a sentença impugnada.
- Novo recurso é interposto, agora para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de fls. 182 e segs., lhe nega provimento.
- Neste acórdão, ora recorrido, entendeu-se que, funcionando a oposição à execução como uma contestação à execução, cuja finalidade é impugnar a própria execução fiscal e conduzindo o pagamento da quantia exequenda à extinção da execução, aquela oposição é inadmissível quando proposta depois do pagamento, por não ter 'ab initio' objecto; considera-se, por outro lado, que, no caso não
é legalmente possível a convolação da oposição em impugnação, dados os fundamentos em que ela assenta.
- Invocada pelo recorrente a inconstitucionalidade da norma do artigo 246º nº 3 do CPT, por violação do artigo 20º da Constituição, o mesmo acórdão decide que ela se não verifica, nos seguintes termos:
'O acesso aos tribunais, caso pretendesse atacar o acto tributário, estava assegurado ao recorrente por via da impugnação judicial, nos termos do artigo
11º nº. 2 do CPT; por outro lado, caso pretendesse arguir a sua ilegitimidade na execução, nos termos do artigo 286º nº. 1 alínea b) do CPT, poderia lançar mão da oposição, desde que não efectuasse o pagamento da quantia exequenda'.
3 – Antes ainda de entrar no conhecimento do objecto do recurso, importa realçar que, nas conclusões das alegações de recurso supra transcritas, a imputação de inconstitucionalidade é feita, formalmente, ao próprio acórdão recorrido.
Pareceria, assim, que o recorrente questionava a constitucionalidade da decisão judicial e não de uma norma (ou de uma sua interpretação), sendo certo que os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta de constitucionalidade, se limitam à apreciação da constucionalidade das normas aplicadas (ou recusadas) na decisão impugnada.
Sucede, porém, que, do texto das alegações resulta, com suficiente clareza, que a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente se reporta, substancialmente, à interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma
ínsita no artigo 246º nº 3 do CPT, de acordo, aliás, com o que vem expresso no requerimento de interposição do recurso – '(...) apreciação de inconstitucionalidade do art. 246º nº 3 do C. P. Tributário, tal como foi aplicada por esse Venerando Tribunal.'.
E tal interpretação consiste no entendimento de que o pagamento da dívida pelo responsável subsidiário, nos termos do citado preceito legal, dá lugar à extinção da instância executiva, tornando impossível a oposição à execução por aquele deduzida.
4 – Sendo este o objecto do presente recurso, sustenta o recorrente que o pagamento da dívida tributária pelo responsável subsidiário - que alega, na oposição à execução subsequentemente deduzida, ter sido feito esse pagamento sem prejuízo do direito a discutir a legitimidade do pagador, contra quem foi revertida a execução - não extingue a instância executiva, antes a suspende até decisão da oposição. De outro modo, ou seja, como se decidiu no acórdão recorrido, violados são o princípio 'solve et repete' e o direito consagrado no artigo 20º da Constituição, este por se verificar uma impossibilidade de defesa dos direitos do recorrente.
Dispõe o artigo 246º nº 3 do CPT:
'Se os responsáveis pagarem a dívida no prazo para a oposição, não lhes serão exigidos juros de mora nem custas, valendo a citação como notificação.'
O disposto tem aplicação nos casos de reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários - como é, entre outros, o caso dos gerentes das empresas por dívidas destas à Segurança Social, por força do disposto nos artigos 13º nº 1 do CPT e 13º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio - e consagra, verdadeiramente, um incentivo ao pagamento da dívida, incentivo que ainda se reforça pelo facto de a falta de pagamento no prazo indicado ou o decaimento na oposição implicar, para os responsáveis subsidiários, o pagamento
'das custas a que deram causa e as que forem devidas pelos originários devedores' (nº 4 do mesmo artigo 246º).
Na situação em apreço, o recorrente veio a ser citado para a execução como gerente da empresa originariamente executada e, no prazo para a oposição, pretendendo fazer valer-se da isenção de juros de mora e custas prevista no citado artigo 246º nº 3 do CPT, pagou a dívida.
Deduziu posteriormente, porém, oposição à execução, invocando a sua ilegitimidade por não ter sido gerente de facto da referida empresa e pretendia, como se disse, discutir esta questão beneficiando, simultaneamente, do pagamento da dívida nos termos referidos.
Não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o modo como foi aplicado o direito infraconstitucional, ou seja, no caso, o entendimento de que o pagamento da dívida não dá lugar à suspensão da execução para ser decidida a oposição posteriormente deduzida.
Dir-se-á, no entanto, que, tratando-se de um pagamento voluntário, ele determina nos termos do artigo 343º nº 1 do CPT, a extinção da execução, no estado em que se encontrar, compreendendo-se, assim, que, extinta a execução, a oposição contra ela deduzida deixe de ter qualquer sentido, por ter perdido o seu objecto.
Mas estará a norma em causa, no entendimento dado pelo acórdão recorrido, ferida das apontadas inconstitucionalidades ?
É desde logo impertinente a invocação da violação do princípio
'solve et repete', como vício de inconstitucionalidade.
Na verdade, independentemente de quaisquer considerações sobre o acerto da tese do recorrente no que concerne à vigência no direito tributário do referido princípio, certo é que este se não mostra consagrado em qualquer norma constitucional.
De resto, nem o recorrente ensaia ancorar o princípio em preceito constitucional, limitando-se a afirmar a sua violação.
Tanto basta para se julgar improcedente uma tal alegação.
Mas, ocorrerá violação do direito de acesso aos tribunais ou à justiça, este sim, consagrado no artigo 20º nº 1 da Constituição ?
A resposta é, também, aqui, negativa.
É extensa a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre aquele direito.
Sobre o sentido da imposição constitucional que de tal direito decorre para o legislador, escreveu-se no Acórdão nº. 1144/96, (in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 35º vol., pág. 349):
'Ao legislador é apenas vedada a criação de obstáculos que dificultem ou prejudiquem sem fundamento e de forma desproporcionada o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral.'
E no Acórdão nº 266/2000 (inédito) considerou-se constitucionalmente proscrita qualquer regra que 'possa diminuir intoleravelmente as garantias processuais do recorrente, ou implicar um cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável (...)'.
Ora, no caso, não se verifica qualquer cerceamento das possibilidades de defesa do recorrente que se deva considerar desproporcionada ou intolerável.
Com efeito, a lei não impedia que o recorrente discutisse a sua legitimidade como responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda.
Foi o próprio recorrente, pagando a dívida com a isenção de juros de mora e custas, que se colocou, por acto voluntário, em condições de o não poder fazer.
Bastaria que o recorrente não procedesse ao pagamento para nada se poder opor ao prosseguimento da oposição à execução, o que – saliente-se – determinaria a suspensão da execução nos termos dos artigos 293º e 255º do CPT.
O 'ónus' que recairia sobre o recorrente seria o risco de, em caso de decaimento na oposição, ter que pagar a divida já sem o benefício concedido pelo artigo
246º nº 3 do CPT.
Simplesmente, este não deixa de ser, de algum modo, o risco de todos aqueles que não procedem ao pagamento de uma dívida que lhes é judicialmente exigido, firmados no entendimento de que, por uma ou outra razão, não são devedores, bem sabendo que o montante da condenação, em caso de improcedência da defesa, será, em regra, por via do acréscimo de juros moratórios, superior ao do capital em dívida.
De resto, em processo civil e em lugar paralelo, os embargos de executado não dão lugar à suspensão da execução, salvo se o embargante a requerer e prestar caução (artigo 818º nº 1 do CPC).
Por outro lado, não pode esquecer-se que a dívida era líquida e exigível, devidamente titulada, e que, o recorrente foi demandado na execução como responsável pelo seu pagamento, embora o seu património só possa ser afectado depois de excutidos os bens do originário executado.
Não se considera, em suma, que o entendimento de que o pagamento da dívida nos termos do artigo 246º nº 3 do CPT extingue a execução e inviabiliza a oposição à execução, no que dele decorre de que esta só é admissível se o executado por reversão se sujeitar, em caso de decaimento, ao disposto no nº 4 do mesmo preceito legal, cerceie as possibilidades de defesa em termos desproporcionados ou intoleráveis, de modo a ofender o disposto no artigo 20º nº 1 da CRP.
5 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 17 de Abril de 2002 Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa