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Processo n.º 814/10
Plenário
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
(Catarina Sarmento e Castro)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, o Ministério Público interpôs recurso da sentença proferida, em 13 de Outubro de 2010, com fundamento na recusa de aplicação de norma, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. Por Decisão sumária da Relatora, datada de 25 de Janeiro de 2011, foi negado provimento ao recurso, tendo sido julgada inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectiva através do mecanismo de reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
A fundamentação de tal juízo de desconformidade constitucional foi feita através de remissão para anterior Acórdão do Tribunal Constitucional, que se pronunciou sobre questão idêntica e a que foi atribuído o n.º 24/2011. Tal acórdão, por sua vez, remeteu para a argumentação utilizada no Acórdão n.º 481/2010, por considerar que a mesma, não obstante se reportar a norma diversa – a plasmada no artigo 7.º-A do RJIFNA - era transponível para a apreciação da constitucionalidade da norma objecto do recurso.
3. O Ministério Público reclamou desta decisão sumária, sustentando a não inconstitucionalidade da norma do artigo 8.º do RGIT, em apreciação neste processo, com base na fundamentação constante dos Acórdãos n.ºs 129/2009 e 150/2009, que julgaram não inconstitucional a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, prevista nos artigos 8.º do RGIT e 7.º-A do RJIFNA, respectivamente.
Por Acórdão de 3 de Março de 2011, foi indeferida a reclamação, com base no seguinte:
“Na Decisão sumária reclamada seguiu-se a posição sustentada no acórdão n.º 24/11, desta Secção (acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Essa posição não é contraditória com o decidido no Acórdão n.º 129/09, uma vez que, enquanto naquele aresto da 2.ª Secção se apreciou a constitucionalidade duma dada interpretação normativa do artigo 8.º do RGIT, a qual foi efectuada pela decisão recorrida e se impôs ao Tribunal Constitucional como um dado adquirido, sem possibilidade de discussão sobre a sua correcção, já no Acórdão n.º 129/2009, o Tribunal Constitucional foi colocado perante a questão da constitucionalidade do próprio preceito legal, tendo-o interpretado duma forma diversa e julgado essa interpretação por si próprio efectuada como não desconforme à Constituição. Assim, apesar de terem por base o mesmo preceito legal, as duas decisões pronunciaram-se sobre a constitucionalidade de duas leituras normativas distintas desse preceito, isto é tiveram como objecto de fiscalização normas diferentes, pelo que não é possível dizer que o julgamento efectuado nesses Acórdãos seja antagónico e incompatível.
Ora, uma vez que na reclamação apresentada não são aduzidos quaisquer outros argumentos que possam justificar um repensar da questão objecto da decisão reclamada, mantém-se a posição sustentada no referido Acórdão n.º 24/11 (…)”.
4. Notificado de tal acórdão, o Ministério Público veio interpor recurso obrigatório para o Plenário deste Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, “com vista a dirimir o conflito jurisprudencial sobre a questão de constitucionalidade da norma constante do artigo 8.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectiva através do mecanismo da reversão de execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.”
Alega o recorrente que o juízo de inconstitucionalidade da referida norma, plasmado no Acórdão recorrido, que decidiu da reclamação, é contraditório com o juízo de não inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 35/2011, sendo que as normas e dimensões normativas apreciadas em cada um dos arestos coincidem integralmente.
5. Por despacho da Relatora, datado de 23 de Março de 2011, não foi admitido o recurso, com a seguinte fundamentação:
“(…) Uma vez que este Acórdão n.º 35/2011, da 1.ª Secção, ainda não transitou em julgado, não se encontrando, por isso, consolidado, não se pode concluir que exista, neste momento, uma posição definitivamente assumida pelo Tribunal que seja contrária à que vem subscrita no Acórdão n.º 125/2011, desta 2.ª Secção (…)”.
6. O Ministério Público vem agora reclamar deste despacho, referindo que, efectivamente, o Acórdão n.º 35/2011 ainda não transitou em julgado, mas tal circunstância deve-se ao facto de ter sido interposto recurso, já admitido, para o Plenário deste Tribunal Constitucional, com fundamento na contradição entre o juízo de não inconstitucionalidade que o mesmo formula e o juízo de inconstitucionalidade, constante dos Acórdãos n.ºs 24/2011, 26/2011 e 85/2011, que incidiu sobre a mesma norma.
O recurso agora interposto, relativo ao Acórdão n.º 125/2011, e o recurso, já interposto e admitido, do Acórdão n.º 35/2011, visam dirimir o mesmo conflito jurisprudencial: a questão da constitucionalidade da norma do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, interpretada com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectiva através do mecanismo da reversão de execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
Acrescenta ainda o recorrente que não lhe era possível aguardar o trânsito do Acórdão n.º 35/2011, para, apenas nessa altura, interpor o presente recurso, face à circunstância de, nessa hipótese, nada obviar ao trânsito do acórdão aqui recorrido.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Nos termos do n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC “Se o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido.”
Da letra da lei não decorre necessariamente que o acórdão-fundamento deva ser definitivo, no sentido em que a decisão do plenário sobre a eventual divergência de jurisprudência entre duas secções já esteja tomada, mas antes que o recurso que deu lugar ao referido acórdão esteja definitivamente julgado pela respectiva secção.
Por outro lado, do ponto de vista da teleologia da norma, o que se visa é evitar que se consolide como definitiva uma decisão de secção que está em contradição com uma decisão de outra secção.
III – Decisão
Ora, partindo desta interpretação do artigo 79.º – D, n.º 1, da LTC, os seus pressupostos de aplicação estão preenchidos no caso em apreço, pelo que o Tribunal decide:
a) Revogar o despacho, de 23 de Março de 2011;
b) Ordenar que o processo prossiga os trâmites legalmente previstos.
Lisboa, 11 de Maio de 2011. – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro – Carlos Pamplona de Oliveira – J. Cunha Barbosa – José Borges Soeiro (com declaração de voto que junto) – Catarina Sarmento e Castro (vencida, nos termos da declaração de voto junta) – Vítor Gomes (vencido, confirmaria o despacho reclamado pelos mesmos fundamentos) – Carlos Fernandes Cadilha (vencido, por considerar que o recurso para o Plenário, caracterizando-se como um recurso para uniformização de jurisprudência, pressupõe o trânsito em julgado do acórdão – fundamento, por ser essa a situação que corporiza a divergência de julgados e confere efeito útil à interposição do recurso) – João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração de voto apresentada pela Conselheira Catarina Sarmento e Castro) – Rui Manuel Moura Ramos (Vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Cons. Carlos Cadilha).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendo, também, não obstante concorde com a tese que fez vencimento que, pelos princípios gerais, sendo o recurso interposto para o Plenário (artigo 79-D, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional), um recurso extraordinário (artigo 676.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), o decidido transitou em julgado, na 1.ª Secção, por não ser possível dela interpor recurso ordinário, nos termos do artigo 677.º do Código de Processo Civil.
José Borges Soeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendo que o despacho de não admissão do recurso para o Plenário deveria ter sido mantido, uma vez que o Acórdão n.º 35/2011, da 1.ª Secção, que fundamenta a invocada contradição, ainda não se encontra consolidado, não se podendo concluir que exista, neste momento, uma posição definitivamente assumida pelo Tribunal que seja contrária à que vem subscrita no Acórdão n.º 125/2011, desta 2.ª Secção.
O n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC dispõe o seguinte:
“Se o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido.”
O recurso em análise visa uniformizar a jurisprudência contraditória das secções, porém, a sua admissibilidade depende da existência duma divergência consolidada, o que pressupõe que o acórdão-fundamento seja uma decisão anterior e definitiva, ou seja, já transitada em julgado.
No presente caso, tal circunstância não se verifica, o que impede que se possa afirmar a existência duma divergência actual.
De facto, o Acórdão n.º 35/2011 não consubstancia uma decisão definitiva, não sendo pois idóneo a alicerçar a conclusão sobre a existência duma posição consolidada do Tribunal Constitucional divergente da assumida no acórdão recorrido.
A específica circunstância, aludida pelo Ministério Público, para fundamentar a admissibilidade do recurso, não altera a reconhecida provisoriedade do acórdão-fundamento e a inultrapassável impossibilidade de o considerarmos suporte idóneo dum juízo “anteriormente adoptado” pelo Tribunal.
Por essa razão, deveria ter sido indeferida a presente reclamação e, em consequência, confirmado o despacho reclamado, não sendo admitido o recurso para o Plenário.
Catarina Sarmento e Castro