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Processo n.º 126/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A fls. 1014 foi proferida a Decisão Sumária n.º 141/2011, com o seguinte teor:
«Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se:
1. A. recorre ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), dizendo:
(...) 2. Pretende-se com ele ver apreciada a inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas:
a) no art.º 78.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.ºs 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, invocados na conclusão 1.ª do recurso apreciado pelo tribunal a quo;
b) no art.º 303.º, n.º 4, da mesma lei adjectiva, como arguido na conclusão 7.º, da mesma peça processual; e
c) no art.º 308.º, n.º 1, do citado C.P.P., apontado nas conclusões 20.º e 21.º do aludido recurso;
sempre em reporte aos entendimentos transparecentes nas sucessivas decisões que foram proferidos mesmo quando imperfeitamente expressas, e/ou com posterior explicitação no derradeiro acórdão e que, num esforço de percepção se sumariam como sendo:
a) quanto à primeira das supra elencadas a tese não expressa mas emergente da actuação do tribunal de primeira instância ao fazer prosseguir a tramitação instrutória sem atender ao recurso interposto – sem que a Veneranda Relação sobre essa questão se tenha pronunciado invocando posterior decisão passada em julgado inadmitindo o recurso por razões meramente formais (cf. pág. 17, al. a, do acórdão TRG) – de que mesmo durante a pendência do recurso para o Tribunal Constitucional cujo objecto material seria supervenientemente inútil e, por isso, com efeito suspensivo do processo, como expressamente requerido no item 6 do correspondente requerimento de interposição e previsto na norma do art.º 408.º, n.º 3, do C.P.P.;
b) no que tange à segunda a tese expressa a final da página 1 do acórdão tirado sobre a nulidade, exprimindo que o tribunal de instrução não estava obrigado a remeter ao Ministério Público o acórdão da Relação que fixava a tipologia agravada ao imputado crime de difamação – retirando o impulso processual ao assistente – porque tal matéria não constituía qualquer alteração (substancial ou não) da factualidade indiciada;
c) e no que diz respeito à terceira e última das questões supra a interpretação que o tribunal de instrução faz quanto à falta do elemento subjectivo tipificante do ilícito, em critério arbitrário e desviante dos elementos probatórios relativos às relações de amizade entre a arguida e um dos sujeitos processuais dos autos onde foi praticado o denunciado crime, impedindo-os, ignorando-os, e/ou subvertendo-os, para além do entendimento da Relação a quo quanto a que os vícios respeitantes a erro notório na apreciação da prova indiciária não terem aplicação em sede de instrução por a norma do n.º 2 do art.º 410.º se reportar a “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”.
3. Estas interpretações normativas, mesmo quando inexpressas ou insuficientemente fundamentadas, com pouca clareza, afiguram-se desde sempre ao recorrente como violadoras, concomitantemente, dos imperativos dos art.ºs 9.º, alínea b), 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 32.º, n.ºs 7, 202.º, n.º 2, e 203.º da Constituição da República Portuguesa quanto à matéria arguida nas conclusões 2. e 7.º das conclusões recursivas ante o TRG e ainda dos art.ºs 13.º, 18.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, no que concerne à que é invocada na conclusão 21ª.
4. As questões de inconstitucionalidade interpretativa foram suscitadas prévia, expressa e cautelarmente, ainda que de forma sucinta, nas conclusões 2.º, 7º 21.º e 22.º do sobredito recurso.
5. As interpretações dessas normas legais consideradas pelo recorrente como correctas, na sua correlatividade, concomitância e complementaridade com todas as mais do edifício jurídico-penal, foram aduzidas, de forma bastante, ao longo das respectivas motivações recursivas e das conclusões que as coroam e sintetizam, em especial as das:
o) conclusão 1.ª que aqui se tem por integralmente reproduzida para estes efeitos;
b) conclusões 3.ª e 6.ª, de cujo texto completo não se deve dispensar a leitura como se aqui estivem transcritas, mas que se resumem a que sempre que se perfilem indícios da prática de qualquer outro ilícito cujo conhecimento não possa ser efectuado em sede instrutória por violação de direitos dos arguidos, deve ser extraída certidão e remetida ao Ministério Público, como taxativamente expresso na letra da norma em causa, uma vez que cabe ao Estado democrático e seus agentes submeter à lei e à constituição toda a actuação em defesa das vitimas de ilícitos criminais, disciplinares ou de qualquer outro tipo, e proteger de violações os direitos, liberdades e garantias fundamentais de todos os cidadãos mesmo que economicamente carenciados segundo processo equitativo e célere.
c) conclusões 8.ª a 19.ª cuja suficiência se tem nos seus textos, que deverão ser considerados como se neste item estivessem transcritos, mas que, em suma, assenta em que cabe ao Estado a perseguição tipificada como pública ou semi-pública, levando a cabo as diligências probatórias necessárias à acusação, em especial se requeridas e justificadas pela vítima do crime na sua conhecimento dos factos efectivos e instrumentais necessárias à pronúncia dos arguidos, havendo erro notório na apreciação da prova sempre que não se retiram todas as consequências lógicas e indutivas dos factos indiciados, erro notório que tem perfeita expressão em todas as sedes decisórias jurisdicionais, violando a posterga desses deveres processuais os direitos consagrados constitucionalmente segundo o padrão expresso no item anterior e sempre em submissão ao princípio da igualdade de cidadania.
6. O recorrente considera manter-se válida a arguição da inconstitucionalidade a que se reporta a alínea a) do item 1. supra, e útil o seu conhecimento, visto não ter sido conhecido no recurso antecedente por razões de adequação formas.
7. O presente recurso deverá subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo como seria aquele de onde é tirado.
Nestes termos e nos mais de direito se requer a sua admissão para os ulteriores termos processuais, onde com maior detalhe e profundidade se alegará sobre toda a matéria submetida ao superior juízo constitucional.
2. Acontece que os acórdãos da Relação de Guimarães não aplicaram as 'normas' com o teor que o recorrente enunciou no requerimento de interposição do recurso. Na verdade, tais enunciados traduzem, isso sim, uma crítica ao conteúdo (expresso ou implícito) da decisão recorrida, mas não concretizam a identificação de normas jurídicas para efeito de poderem ser fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional.
3. Decide-se, com este fundamento, não conhecer do recurso. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do beneficio com que litiga, que se fixam em 7 UC.»
Inconformado, o recorrente reclama para a conferência, nos seguintes termos:
A., residente na Rua …, n.º .. –.., …, concelho de Stº. António de Cavaleiros, Recorrente nos autos em referência,
Vem ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15/11, reclamar para a conferência, apresentando para o efeito os seguintes fundamentos:
O Reclamante através da interposição do recurso para esse douto Tribunal pretendeu com ele ver apreciada a inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos artigos 78º, nº 1 da Lei nº 28/85 de 15/11; artigos nos 406º, n.º 2; 407º, n.º 1 e 408º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, invocados na conclusão 1 do recurso apreciado pelo Tribunal da Relação de Guimarães; art. 303º, nº 4 Cód. Penal, conclusão 7 e art. 308º, nº 1 do mesmo diploma adjectivo, inserto nas conclusões 20.ª e 21.ª do referenciado recurso.
Do recurso interposto para esse Tribunal foi proferida decisão sumária de fls., nº 141/2011, que em conclusão pugnou que “os acórdãos da Relação de Guimarães, não as “normas” com o teor que o recorrente enunciou no requerimento de interposição de recurso. Na verdade, tais enunciados traduzem, isso sim, uma crítica ao conteúdo (expresso ou implícito) da decisão recorrida, mas não concretizam a identificação de normas jurídicas para o efeito de poderem ser fiscalizadas pelo TC “.
Diante do quadro jurídico ora reproduzido, o Exmo. Sr. Juiz Relator decidiu sumariamente não reconhecer do recurso.
As interpretações dos preceitos supra consignados, mesmo quando inexpressos ou insuficientemente fundamentados e não claros, salvo o devido respeito, por melhor opinião, afiguram-se ao recorrente como violadoras, concomitantemente, dos imperativos artigos 9º, al. b); 20.º n.ºs. 1, 4 e 32º, nº 7; 2002º, nº 2 e 203º da Constituição da República Portuguesa, quanto à matéria arguida nas conclusões 2.ª e 7.ª do recurso ante o Tribunal da Relação de Guimarães, além do mais dos artigos 13.º, 18º, nº 1 e 26º no que concerne à conclusão 21.ª
Assim, em suma, vem o recurso rejeitado com o sucinto e lapidar fundamento de que «(...)os acórdãos da Relação de Guimarães não aplicam as “normas” com o teor que o recorrente enunciou no requerimento de interposição do recurso.(...)».
Salvo o devido e merecido respeito, que muito é, o recorrente não encontra na sobredita Lei n.º 28/82 qualquer norma que obrigue o recorrente, abstracto ele, a que reproduza ipsis verbis o teor da decisão recorrida quanto à interpretação das normas alegadamente violadas, parecendo nada impedir que esse entendimento que ali se invoque seja uma súmula daquilo que o recorrente, bem ou mal, tenha percepcionado como tendo sido o perfilhado pelo tribunal a quo.
Aliás, a alínea a) dessa síntese interpretativa faz expressa e clara referência a que a tese subentendida não se encontra perfeitamente expressa mas emana da “actuação do tribunal”, sendo que essa lacuna – a de falta de fundamentação clara – não poderá jamais ser suprida por qualquer forma pelo recorrente, nem implica sequer que a norma não tenha sido aplicada só porque não foi textualmente fixada no texto decisório.
Como nas demais alíneas o recorrente teve de se socorrer do seu poder de síntese e percepção para retirar aquilo que lhe pareceu ser o entendimento das instâncias recorridas, em vista da deficiente expressão do texto decisório.
E com tanto se basta a citada lei de processo deste subido tribunal, no modestíssimo entender do ora reclamante, e entendimento diverso constitui exigência sem sustentação na letra e no espírito desse diploma legal, data venia, cerceadora de direitos essenciais constitucionalmente consagrados como também emergentes das exigência das convenções internacionais sobre direitos, liberdades e garantias ratificadas pelo Estado Português e, por isso, ao seu integral cumprimento obrigado.
Termos em que, julgado em conferência, deve o presente recurso ser admitido e apreciada toda a matéria colocada ao superior juízo deste tribunal, com prolação de acórdão que, na óptica do recorrente, deverá dar-lhe total provimento.
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal sustenta que a reclamação não merece deferimento.
4. O recorrente, ora reclamante, pretende ver apreciada seguinte matéria:
1º – «a tese não expressa mas emergente da actuação do tribunal de primeira instância ao fazer prosseguir a tramitação instrutória sem atender ao recurso interposto – sem que a Veneranda Relação sobre essa questão se tenha pronunciado invocando posterior decisão passada em julgado inadmitindo o recurso por razões meramente formais (cf. pág. 17, al. a, do acórdão TRG) – de que mesmo durante a pendência do recurso para o Tribunal Constitucional cujo objecto material seria supervenientemente inútil e, por isso, com efeito suspensivo do processo, como expressamente requerido no item 6 do correspondente requerimento de interposição e previsto na norma do art.º 408.º, n.º 3, do C.P.P.»;
2º – «a tese expressa a final da página 1 do acórdão tirado sobre a nulidade, exprimindo que o tribunal de instrução não estava obrigado a remeter ao Ministério Público o acórdão da Relação que fixava a tipologia agravada ao imputado crime de difamação – retirando o impulso processual ao assistente – porque tal matéria não constituía qualquer alteração (substancial ou não) da factualidade indiciada»; e
3º – a interpretação que o tribunal de instrução faz quanto à falta do elemento subjectivo tipificante do ilícito, em critério arbitrário e desviante dos elementos probatórios relativos às relações de amizade entre a arguida e um dos sujeitos processuais dos autos onde foi praticado o denunciado crime, impedindo-os, ignorando-os, e/ou subvertendo-os, para além do entendimento da Relação a quo quanto a que os vícios respeitantes a erro notório na apreciação da prova indiciária não terem aplicação em sede de instrução por a norma do n.º 2 do art.º 410.º se reportar a “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”».
Ora, perante a evidência de que nenhuma destas asserções corresponde à realidade que, no direito constitucional português, se chama norma jurídica, ainda que pretensamente retiradas de preceitos do Código de Processo Penal, o relator proferiu a Decisão Sumária em reclamação na qual se pretendeu explicar que «tais enunciados traduzem, isso sim, uma crítica ao conteúdo (expresso ou implícito) da decisão recorrida, mas não concretizam a identificação de normas jurídicas para efeito de poderem ser fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional».
A presente reclamação não exprime uma verdadeira crítica a este entendimento, antes reafirma o pedido de ver apreciada a aludida matéria por, no entender do reclamante, não haver «qualquer norma que obrigue o recorrente (...) a que reproduza ipsis verbis o teor da decisão recorrida quanto à interpretação das normas alegadamente violadas, parecendo nada impedir que esse entendimento que ali se invoque seja uma súmula daquilo que o recorrente, bem ou mal, tenha percepcionado como tendo sido o perfilhado pelo tribunal a quo».
Cumpre, no entanto, reafirmar o entendimento já expresso na Decisão Sumária n.º 141/2011, segundo o qual, tendo o presente recurso carácter normativo, ao Tribunal apenas cabe apreciar normas jurídicas. Ora, os enunciados formulados pelo recorrente como objecto do recurso não representam normas jurídicas e, por isso, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
Termos em que se decide indeferir a reclamação, mantendo a Decisão Sumária n.º 141/2011. Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Abril de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.