Imprimir acórdão
Processo n.º 73/2011
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho do Vice-Presidente daquele Tribunal de 4 de Janeiro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 130/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. A decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com o disposto no artigo 150º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data da apresentação do recurso de constitucionalidade (20 de Janeiro de 2011), aplicável ao caso por força do que dispõem os artigos 69º da LTC, 30º, nº 1, da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, e 11º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A (Portaria nº 114/2008). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os actos processuais também podem ser praticados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia.
Nos presentes autos, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi enviado através de correio electrónico, ou seja, foi apresentado por forma não prevista no artigo 150º do Código de Processo Civil.
Há, por isso, que concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando o seguinte:
«5º
Com efeito “a data de entrada do requerimento (de recurso) é de 20 de Janeiro de 2011”.
6º
Sendo que o mesmo deu “entrada” nessa data, na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
7º
Ou seja, ainda que não se considere a prática do acto processual como abrangida pelo n.º 1 do art l50º do Código de Processo Civil, sempre terá que se considerar como tendo sido entregue na secretaria do tribunal a quo.
8º
Estando assim abrangida pelo normativo do nº 2 do art. 150 da Portaria nº 114/2008 que prevê que “os actos processuais podem ser praticados por entrega na secretaria judicial”.
9º
O requerimento foi de facto entregue na secretaria do STJ por correio electrónico, devendo considerar-se aquele envio do requerimento de recurso como correspondente a uma entrega na secretaria judicial.
10º
Não sendo a invocada prática do acto de requerimento “por forma não prevista” motivo bastante para não se conhecer do objecto do recurso.
11º
Acresce que o requerimento dá entrada na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça tendo sido posteriormente enviado para a secretaria do Tribunal Constitucional, a fim de ser distribuído.
12º
E o Supremo Tribunal de Justiça conheceu do recurso recebendo o requerimento de recurso e considerando-o como admissível, por interposto por quem tem legitimidade e por a decisão ser recorrível».
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1º
A. reclamou para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do douto despacho que, na Relação do Porto, não admitiu o recurso interposto para aquele Tribunal, do acórdão que, na mesma Relação, rejeitara o recurso interposto da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, por o considerar extemporâneo.
2º
Como o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, a recorrente, dessa douta decisão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada “a inconstitucionalidade e a ilegalidade da aplicação e da interpretação das normas consignadas nos artigos 400.º, n.º 1, c), 412.º, n.º 2 a 5, 417.º, n.º 3 e 432.º, n.º 1 b) do CPP”.
3.º
Como se vê, a recorrente não identifica qual a interpretação normativa que sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional.
4.º
Quanto a nós, no entanto, não se justifica o recurso ao disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, porque falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5.º
Efectivamente, sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o momento processual próprio para suscitar a questão de inconstitucionalidade era a reclamação, como a própria recorrente indica.
6.º
Nessa peça processual, a recorrente sustenta que o recurso deve ser admitido e explica as razões desse entendimento, não enunciando, contudo, qualquer questão de natureza normativa, como, seguidamente, iremos demonstrar.
7.º
Na verdade, o que ela entende ser violador do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição são “as sucessivas decisões do Tribunal da Relação” que, afirma, limitam o seu direito de defesa (artigo 16.º da Reclamação)
8.º
Acrescenta ainda que se o actual regime leva à inadmissibilidade, deverá aplicar-se ao recurso o regime anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, “e ao não se considerar esta possibilidade limita-se gravemente o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP”.
9.º
Falta, pois, o pressuposto de admissibilidade do recurso que consiste em a questão da constitucionalidade ser suscitada, de forma adequada, durante o processo.
10.º
Pelo exposto, mesmo entendendo-se que o meio utilizado para interpor o recurso para este Tribunal era válido, ou que poderia ser dada oportunidade à recorrente de suprir alguma incorrecção, a reclamação, ainda que com fundamento diferente, sempre seria de indeferir».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto, com fundamento na apresentação do requerimento de interposição do recurso por forma não prevista no artigo 150.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 69.º da LTC), mais precisamente por este requerimento ter sido apresentado a juízo por correio electrónico.
Para contrariar esta decisão, a reclamante começa por sustentar que «ainda que não se considere a prática do acto processual como abrangida pelo nº 1 do art. 150º do Código de Processo Civil, sempre terá que se considerar como tendo sido entregue na secretaria do tribunal a quo”, “estando assim abrangida pelo normativo do nº 2 do art. 150 da Portaria nº114/2008 [artigo 150º daquele Código] que prevê que ‘os actos processuais podem ser praticados por entrega na secretaria’».
O artigo 150º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, estatui que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou seja, através do sistema informático CITIUS (artigo 4.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os actos processuais também podem ser apresentados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia.
Face à redacção vigente deste artigo, entrada em vigor no dia 7 de Fevereiro de 2008, aplicando-se imediatamente aos processos pendentes nesta data, por força do estatuído nos artigos 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/2008 e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, é manifesto que “entrega na secretaria judicial” significa entrega em mão, “entrega directa”, na secretaria do tribunal (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil I, Almedina, 2004, p. 157). Indo neste sentido a redacção anterior do artigo 150.º que previa no n.º 1, alínea d), o envio por correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, como uma outra forma de apresentação a juízo de acto processual, a par da entrega na secretaria judicial.
Ora, foi esta forma de apresentação, envio por correio electrónico, que a lei deixou de prever, tendo sido até expressamente revogada a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que regulava a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico (artigo 27.º, alínea a), da Portaria n.º 114/2008). Pelo que, o envio de peça processual por correio electrónico, forma não prevista numa lei que define taxativamente as formas de apresentação a juízo de acto processual, é razão bastante para não se conhecer do objecto do recurso interposto.
Esta conclusão em nada é abalada pela circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça ter conhecido do recurso, recebendo o requerimento e considerando-o como admissível. A decisão que admite o recurso de constitucionalidade não vincula este Tribunal, como resulta expressamente do artigo 76.º, n.º 3, da LTC.
Face ao que vem de ser dito, não se vislumbra razão bastante para inverter o juízo firmado na decisão sumária ora reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.