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Processo n.º 83/11
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro), visando impugnar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «que negou provimento ao recurso, proferido em 9 de Novembro de 2010, do qual é parte integrante o acórdão que indeferiu o requerimento apresentado em 23 de Novembro de 2010», nos seguintes termos:
[...] Para cumprimento do disposto no art. 75ºA, nº 1 e 2 da citada lei, passa a expor o seguinte:
1.- Nos nºs 31, 32 e 33 e na conclusão P) das alegações do recurso de revista, o recorrente alegou que, no caso de o Tribunal decidir que o pedido principal é improcedente e que o pedido subsidiário não é processualmente admissível, nesse caso deverá a R. ser condenada a efectuar a reparação dos defeitos em causa, por essa condenação se conter no objecto essencial do pedido indemnizatório formulado na petição inicial e resultar apenas de diferente qualificação jurídica dos efeitos dos factos provados, constituindo uma correcção do pedido inteiramente possível à luz do disposto nos arts. 661º e 664º do C.P.C., conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (nenhum dos acórdãos citados pelo recorrente se pronunciou, no que respeita ao “núcleo” dos factos, em caso idêntico ou semelhante ao dos presentes autos, pelo que a jurisprudência invocada respeita apenas à interpretação e aplicação daqueles artigos do C.P.C.).
Por considerar que o acórdão proferido em 9/11/2010 não se pronunciou sobre esta questão, o recorrente, em requerimento apresentado em 23/11/2010, arguiu a nulidade decorrente dessa omissão e, como consequência lógica e necessária da arguição, pediu que o tribunal suprisse a nulidade e conhecesse daquele fundamento do recurso, julgando-o procedente.
Como fundamento desse pedido, o recorrente invocou expressamente o art. 664º do C.P.C. e alegou que o disposto no art. 661.º, nº 1 do mesmo diploma não obsta à condenação da Ré a reparar os defeitos das partes comuns do edifício por ela construído.
Mais alegou o recorrente que o disposto no art. 202º., nº 2 da Constituição e o princípio da tutela jurisdicional efectiva expresso no art. 20.º da mesma Lei impõem essa condenação, pelo que a interpretação daqueles artigos do C.P.C. no sentido de que o tribunal não pode corrigir o pedido de indemnização pecuniária correspondente ao custo dos trabalhos de reparação dos defeitos, formulado na petição inicial, e condenar a Ré a efectuar essa reparação, é manifestamente inconstitucional.
2. - Pronunciando-se sobre a questão, o acórdão que recaiu sobre o aludido requerimento afirmou que ao A. cabe, nos articulados respectivos, indicar o pedido e a causa de pedir e eventualmente alterá-los e entendeu que o tribunal decidiu de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 664º e 264º do Código do Processo Civil, pelo que indeferiu o requerido.
Interpretando o art. 664º com o sentido de que este não permite a condenação da Ré a reparar os defeitos das partes comuns do edifício por ela construído por na petição inicial o A. ter pedido a condenação da R. a pagar o custo da reparação desses defeitos, o acórdão fez uma interpretação daquela norma que, além de contrária à jurisprudência do S.T.J., é inconstitucional, por violadora do princípio e das norma constitucionais atrás citados, nos quais está ínsito ou subjacente o princípio (citado, contraditoriamente, pelo acórdão) da mihi factum, dabo tibi jus, princípio fundamental da função jurisdicional que, como determina o art. 202º da Constituição, compete aos tribunais.
3. - A inconstitucionalidade dessa interpretação foi expressamente invocada, como já se referiu, no requerimento em que o recorrente arguiu a nulidade por omissão de pronúncia e pediu a reforma do acórdão recorrido.
Nestes termos, deve o recurso ser admitido, seguindo-se os demais trâmites.
2. O recurso foi recebido no Supremo Tribunal de Justiça e o processo enviado ao Tribunal Constitucional onde foi proferida a Decisão Sumária n.º 115/2011 pela qual se decidiu não conhecer do recurso, com fundamento no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) – Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro. Ponderou-se, na Decisão Sumária, essencialmente o seguinte:
(...) O recorrente pretende recorrer do acórdão proferido em 9 de Novembro de 2010, «do qual é parte integrante o acórdão que indeferiu o requerimento apresentado em 23 de Novembro de 2010». Mas o certo é que este acórdão que indeferiu o requerimento de 23 de Novembro, limitando-se a indeferir a reclamação formulada contra o anterior aresto, nada inova na ordem jurídica, sendo, para este efeito, irrecorrível. Quanto ao aresto que efectivamente decidiu a causa, negando a revista que o recorrente pedira, com data de 9 de Novembro de 2010, verifica-se que nenhuma questão de inconstitucionalidade foi nele tratada, em virtude de a parte interessada não ter adequadamente suscitado qualquer questão dessa natureza.
Deve, por isso, entender-se que o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, ao contrário do que impõe o citado n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC.
Por tal motivo, falta um pressuposto de admissibilidade do recurso.(...)
3. Inconformado, o recorrente reclama para a conferência nos seguintes termos:
I
1. - Nos nºs 31, 32 e 33 das alegações do recurso de revista interposto do acórdão da Relação que revogou a sentença da 1.ª Instância, e na alínea P) das respectivas conclusões, o A., ora reclamante, alegou que, mesmo na hipótese de se entender que o A. não pode pedir o pagamento do custo da eliminação dos defeitos em causa e que o pedido subsidiário de condenação da R. a efectuar essa reparação não é processualmente admissível, mesmo nessa hipótese deverá a R. ser condenada a efectuar tal reparação, por essa condenação ser conter no objecto essencial do pedido de indemnizatório formulado na petição inicial e resultar apenas de diferente qualificação jurídica dos factos provados, constituindo uma correcção do pedido inteiramente possível à luz do disposto nos arts. 661º e 664º do C.P.C., conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, jurisprudência que os acórdãos (sete) citados no nº 32 das alegações bem ilustram.
2. - O acórdão do S.T.J. que julgou a revista, proferido em 9/11/2010, não se pronunciou sobre esse fundamento.
3. - Esse acórdão confirmou o acórdão da Relação, afirmando que “o caminho mais consentâneo com a reparação dos defeitos seria o de reclamar, ab initio, a sua reparação pela própria vendedora/construtora e não exigir, desde logo, sem qualquer justificação, o pagamento de uma indemnização, com vista a obter o resultado pretendido (a reparação), por terceiro”.
4. - Quanto à alteração do pedido, consistente na dedução do pedido subsidiário de condenação da R. a reparar os defeitos do prédio, o S.T.J. pronunciou-se nos seguintes termos:
“Resta, por último, fazer uma referência (breve) à reclamada alteração do pedido, recusada – e bem – pela Relação.
Apague-se da lei a função dos articulados e dos recursos e podemos ter, então, por certa a pretensão do recorrente.”
5. - Afigura-se, pois, como incontestável que o acórdão não se pronunciou sobre a questão colocada na referida alínea das conclusões do recurso, questão que é, em resumo, a da não sujeição do Juiz às alegações das partes no que respeita à interpretação e aplicação do direito e, de harmonia com o princípio da mihi factum, dabo tibi jus, a do dever de corrigir o pedido, desde que essa correcção resulte de mera aplicação do direito aos factos e se contenha no objecto essencial do pedido (arts. 661º, nº 1 e 664º do C.P.C.).
6. - Em requerimento apresentado em 23/11/2010, o A. arguiu a nulidade resultante dessa omissão de pronúncia e, consequentemente, requereu, para suprimento da nulidade, que o S.T.J. se pronunciasse sobre a questão e reformasse o acórdão, corrigindo o pedido formulado na petição inicial e condenando a R. a proceder à reparação dos defeitos, inteiramente provados, das partes comuns do prédio.
7. - Não existe, salvo melhor opinião, incompatibilidade alguma entre a arguição de nulidade e o pedido de reforma do acórdão.
Essa arguição abrange, necessariamente, o pedido de suprimento da nulidade, suprimento que, em caso de omissão de pronúncia, consiste precisamente na pronúncia sobre a questão omitida e consequente reforma do acórdão, se a pronúncia implicar essa reforma.
8. - No requerimento de arguição da nulidade e reforma do acórdão, o A. alegou, além de violação das normas da lei processual nele citadas, a inconstitucionalidade da eventual interpretação dessas normas em sentido contrário ao por ele propugnado, por ofensiva do dever de fundamentação das decisões judiciais, do direito a um processo justo e equitativo, do direito a tutela jurisdicional efectiva e do dever dos tribunais assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (arts. 205º, 20º e 202º da Constituição da República).
9. - Por acórdão proferido em 7/12/2010, o S.T.J., apesar de afirmar que existe contradição entre os pedidos de nulidade e de reforma do acórdão anterior, apreciou esses pedidos.
10. - Quanto à arguida omissão de pronúncia, o S.T.J. limitou-se a remeter para as razões pelas quais a Relação entendeu não ser processualmente admissível o pedido subsidiário formulado pelo A. . Ora a omissão arguida não respeita a essa questão, mas sim à da correcção do pedido pelo Tribunal, de harmonia com o disposto nos arts. 661º e 664º do C.P.C., questão suscitada na alínea P) das conclusões do recurso de revista, alínea a que o acórdão do S.T.J. não faz referência, limitando-se a dizer, de forma vaga e inexacta, que o acórdão anterior “tomou posição sobre a questão vertida nas conclusões do recurso”, quando é certo que a questão em causa está vertida numa única conclusão, expressa na citada alínea P).
11.- Não obstante afirmar que não se verifica a omissão de pronúncia invocada – o que, logicamente, tomaria desnecessário e inútil voltar a pronunciar-se sobre a questão alegadamente omitida – certo é que o acórdão de 7/12/2010 se pronunciou, embora em termos muito sumários, sobre essa questão, fazendo referência ao art. 664º do C.P.C. – artigo a que o acórdão anterior não se refere – e afirmando que o tribunal decidiu “de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 664º e 264º do C.P.C.”.
12. - Pelas razões atrás expostas, não pode afirmar-se, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o acórdão de 23 de Novembro, “limitando-se a indeferir a reclamação formulada contra o anterior aresto, nada inova na ordem jurídica, sendo, para este efeito, irrecorrível”.
Com efeito, ao pronunciar-se sobre a questão suscitada na alínea P) das conclusões das alegações do recurso de revista, questão totalmente omitida no aresto anterior, o acórdão de 23 de Novembro realmente inovou na ordem jurídica, conhecendo de um fundamento do recurso sobre o qual o acórdão anterior não se pronunciou.
13.- Nos termos do nº 2 do art. 670º do C.P.C. (na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/2007, que é a aplicável ao caso por força do disposto no nº 1 do art. 11º daquele diploma legal), a decisão que indeferiu a arguição de nulidade ou pedido de reforma é insusceptível de recurso ordinário. Para efeitos de recurso, essa decisão integra-se na sentença arguida de nula ou cuja reforma se pede.
Isto mesmo o diz, de forma mais clara e rigorosa, aquele artigo na sua redacção actual.
O disposto no art. 670.º é aplicável aos acórdãos do S.T.J., nos termos das disposições conjugadas dos arts. 716º e 732º do C.P.C..
14. - Porém, a circunstância de a decisão proferida, nomeadamente em caso de arguição de nulidade por omissão de pronúncia e pedido de reforma, ser considerada parte integrante do acórdão anterior, não impede, salvo melhor opinião, que seja impugnável, ou por meio de recurso ordinário, se o acórdão em que se integra o admitir, ou por meio de recurso para o Tribunal Constitucional no caso contrário e se para tal existir fundamento.
Aliás, a entender-se que tal decisão é inimpugnável por meio de recurso interposto do acórdão em que se integra, então seria ela própria, per se, recorrível para o Tribunal Constitucional (art. 70º., nº 2 da LTC).
II
15. - A douta decisão reclamada afirma que no aresto que efectivamente decidiu a causa, negando a revista pedida pelo reclamante, datado de 9/11/2010, nenhuma questão de inconstitucionalidade foi tratada, em virtude de a parte interessada não ter adequadamente suscitado qualquer questão dessa natureza, devendo, por isso, entender-se que o recorrente não suscitou a questão de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, ao contrário do que impõe o nº 2 do art. 72º da LTC.
16. - Sem quebra do respeito devido ao ilustre magistrado que subscreve a decisão, o recorrente não pode concordar com tal entendimento.
17. - No requerimento apresentado em 23/11/2010 o recorrente acusou o acórdão de 9/11/2010 de omissão de pronúncia sobre a questão em causa e invocou a inconstitucionalidade de eventual interpretação de normas da lei processual relativas ao dever de fundamentação das decisões judiciais em sentido contrário ao por ela defendido, por essa interpretação violar a norma do art. 205º da Constituição.
18. - Parece-nos evidente que, quando apresentou as alegações do recurso de revista, o recorrente não podia nem tinha de pressupor ou admitir que o Supremo Tribunal de Justiça não iria pronunciar-se sobre o referido fundamento do recurso, pelo que igualmente não tinha de invocar a inconstitucionalidade de eventuais interpretações de normas da lei processual relativas ao dever de fundamentação das decisões judiciais em sentido contrário ao por ele defendido.
19. - A inconstitucionalidade que é objecto do presente recurso não é essa, é sim a da interpretação feita pelo acórdão recorrido dos arts. 661º., nº 1 e 664º do C.P.C., mencionados no requerimento de interposição do recurso.
20. - Será justo e conforme à lei, entender que o recorrente, ao elaborar as alegações do recurso de revista, deveria ter pressuposto ou admitido que o S.T.J., não só não iria pronunciar-se sobre tal questão, como, pronunciando-se, iria contrariar jurisprudência que pode considerar-se pacífica, claramente expressa nos vários acórdãos citados nessas alegações-!
21. - Mais: como poderia o recorrente pressupor ou admitir tal hipótese se o acórdão da Relação, invocando expressamente o art. 664º e o poder/dever de aplicação do direito aos factos por ele conferido ao Juiz, mais do que uma mera correcção do pedido, supriu a total falta de alegação, na contestação apresentada pela ré, do fundamento com base no qual concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença-!
22.- O entendimento defendido na decisão reclamada, se levado às suas consequências lógicas, implicaria que, sempre que autor ou réu invoquem determinada disposição legal para fundamentar a sua pretensão, por mais inquestionável e pacífica que seja a respectiva interpretação, terão desde logo, na primeira peça processual em que a invocação é feita, de alegar a inconstitucionalidade de hipotéticas interpretações contrárias ou divergentes da interpretação por eles sustentada, sob pena de posteriormente não poderem invocar essa inconstitucionalidade.
Não pode ser este, manifestamente, o sentido da lei.
23. - Poderá objectar-se que, sendo assim, não se compreende então por que motivo o recorrente, no requerimento apresentado em 23/11/2010, suscitou a questão da inconstitucionalidade de interpretação dos arts. 661.º e 664º contrária à por ele sustentada nas alegações de recurso.
A objecção não procede.
A inexplicável e surpreendente omissão de pronúncia do acórdão de sobre o já várias vezes referido fundamento do recurso, e o teor e a fundamentação desse acórdão, levaram o recorrente a admitir, justificadamente, como possível, que o S.T.J. não só considerasse improcedente a acusação de omissão de pronúncia — como efectivamente sucedeu — como ainda fizesse errada e inconstitucional interpretação daqueles artigos do C.P.C., como igualmente se verificou.
Daí que, para salientar a relevância das questões atrás referidas e a obrigação do o tribunal sobre elas se pronunciar, e para, em cumprimento do disposto no nº 2 do art. 72º da LTC, dar possibilidade ao Tribunal de conhecer – como efectivamente conheceu – da inconstitucionalidade de uma eventual interpretação daquelas normas contrária à interpretação por ele defendida, o recorrente tenha naquele requerimento suscitado essa questão.
Decorre do exposto que, salvo melhor opinião, a questão da inconstitucionalidade foi suscitada de forma processualmente adequada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
24. - Importa ainda referir que a questão de inconstitucionalidade suscitada no requerimento apresentado em 23/11/2010 – mais precisamente, no nº 7 desse requerimento – tem repercussão directa no julgamento do recurso interposto para o S.T.J., dado que, se for julgada procedente, implicará necessariamente a reformulação do acórdão proferido por aquele Tribunal.
III
Excelentíssimos Juízes Conselheiros
A Justiça é o valor supremo a que deve obedecer a interpretação e aplicação do Direito.
Será justo no presente caso, atentas as razões que vão expostas, interpretar a lei no sentido da inadmissibilidade do recurso e impedir por essa forma o Tribunal Constitucional de se pronunciar sobre a inconstitucionalidade invocada, assim se consumando definitivamente a gritante injustiça que é o não reconhecimento do direito dos condóminos representados pelo A. à reparação dos defeitos, inteiramente provados, do prédio na aquisição de cujas fracções investiram as suas economias-
O recorrente, conhecedor de tantos e tantos acórdãos do Tribunal Constitucional em que aquele valor foi a razão última e determinante da decisão, confia inteiramente em que Vossas Excelências farão Justiça, revogando a decisão reclamada e decidindo que o recurso é admissível.
4. O reclamado não respondeu, importando agora decidir.
Notificado do acórdão assinado no Supremo Tribunal de Justiça em 9 de Novembro de 2010 – aresto que decidiu a causa negando a revista que o recorrente pedira –, o ora reclamante apresentou reclamação a invocar a nulidade da decisão por omissão de pronúncia e a pedir, nessa parte, a sua reforma. Invocou, então, o seguinte:
5. - Nos termos do art. 205º da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Pelas razões atrás expostas, a interpretação, e consequente aplicação do art. 660º., nº 2 do C.P.C. no sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça não tem de pronunciar-se sobre a questão a que nos temos vindo a referir por a sua decisão estar prejudicada pela solução dada a outras seria inconstitucional, por não estar fundamentada de acordo com a lei.
E o mesmo se diga da interpretação e aplicação do art. 676º., nº 1 do C.P.C., e do princípio nele baseado, com o sentido de que essa norma legal e esse princípio impedem o Supremo Tribunal de Justiça de conhecer da questão em causa por se tratar de questão nova.
Tal interpretação, no caso sub iudice e em casos idênticos ou semelhantes, violaria igualmente o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais de harmonia com a lei.
Por acórdão de 7 de Dezembro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação formulada contra o anterior aresto, por haver entendido que tal decisão não enfermava de omissão de pronúncia e não carecia, por isso, de ser 'reformada'. É na sequência deste último acórdão que o ora reclamante apresentou o requerimento a interpor o recurso de inconstitucionalidade, nos termos já expostos. E é esse pedido que foi objecto da Decisão Sumária ora reclamada, pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso, por não se verificarem os pressupostos legais em virtude de o recorrente não haver suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, ao contrário do que impõe o citado n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC.
5. O recurso previsto na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, só podendo ser interposto pela parte que haja levantado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC). A inconstitucionalidade de que fala a LTC reporta-se exclusivamente a normas jurídicas aplicadas na decisão recorrida, como sua ratio decidendi. Acontece que nenhuma questão de inconstitucionalidade desta natureza foi efectivamente suscitada pelo reclamante.
Na verdade, o vício que o reclamante apontou ao acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça reporta-se à substância da decisão, ou seja, à actividade jurisdicional do tribunal, e não às normas que este aplicou para decidir; tal vício resultaria da aplicação incorrecta de preceitos do Código de Processo Civil orientadores da actividade do juiz, como os previstos no artigo 660º n.º 2 e no artigo 676º n.º 1 daquele diploma. E assim se explica que o reclamante só tenha dado conta da 'inconstitucionalidade' depois de, conforme afirma, a decisão ter sido proferida; os vícios apontados não decorrem da aplicação de uma norma inconstitucional, mas das opções jurisdicionais adoptadas. Deve, por isso, concluir-se que o ora reclamante nunca suscitou de modo processualmente adequado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, ao contrário do que impõe o citado n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC.
Acresce que a identificação do objecto do recurso não coincide com a questão levantada: na reclamação formulada contra o acórdão de 9 de Novembro, o reclamante denunciou a interpretação «inconstitucional» do artigo 660º n.º 2 do Código de Processo Civil (com o sentido de o Supremo Tribunal de Justiça não ter de pronunciar-se sobre uma questão por a sua decisão estar prejudicada pela solução dada a outras), assim como a do artigo 676º n.º 1 do mesmo Código («com o sentido de que essa norma legal e esse princípio impedem o Supremo Tribunal de Justiça de conhecer da questão em causa por se tratar de questão nova»). Mas, no requerimento de interposição do recurso, o objecto é delineado com referência aos artigos 661º e 664º do citado diploma, conforme é, aliás, reafirmado no ponto 19. da reclamação em análise. Também por isto o Tribunal não pode conhecer do recurso.
6. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, confirmando a Decisão Sumária n.º 115/2011 pela qual se decidiu não conhecer do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.