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Processo n.º 541-A/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 376/2010, proferida nos termos do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu-se não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., decisão que foi confirmada em conferência pelo acórdão n.º 463/2010.
O recorrente veio ainda arguir, além do mais, a nulidade processual por falta de audição quanto à resposta do Ministério Público em relação à reclamação para a conferência, alegando que o Ministério Público, na sua resposta, tinha suscitado questões novas que não haviam sido apreciadas antes e relativamente às quais o recorrente deveria ter tido oportunidade de se pronunciar. E invocou ainda a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 77.º da LTC, quando interpretada no sentido de que «a pronúncia que o Ministério Público efectuar sobre a reclamação, apresentada pelo arguido em processo penal, de um despacho que indeferiu o requerimento de recurso, não deve ser comunicada ao arguido reclamante para que emitir a sua resposta, antes de ser proferida a decisão da conferência sobre a reclamação», por violação dos princípios da igualdade de armas e do contraditório, consagrados respectivamente, nos artigos 13.°, 32.°, n°s 1 e 5, da Constituição.
Pelo acórdão n.º 68/2011 decidiu-se indeferir a arguição por se considerar que o novo argumento invocado pelo Ministério Público, a título subsidiário, para a manutenção da decisão reclamada – o não cumprimento do ónus de suscitação, de modo processualmente adequado, em relação a duas das questões de constitucionalidade que constituíam objecto do recurso -, não tinha sido utilizado na decisão que apreciou a reclamação (acórdão n.º 463/2010), a qual se limitou a confirmar a decisão anterior pelos mesmos fundamentos, pelo que não foi considerado, nessa decisão, qualquer aspecto inovatório sobre o qual o recorrente não tivesse tido oportunidade de aduzir as suas razões.
Quanto à matéria de inconstitucionalidade, o Tribunal considerou que não houve qualquer violação do direito à igualdade de armas, nem tão pouco do princípio da decisão surpresa, porquanto o Tribunal não adoptou quaisquer novos fundamentos decisórios relativamente aos quais o reclamante não tivesse podido pronunciar-se.
Notificado desse acórdão, o recorrente veio então interpor recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que se declare a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional, quando interpretada no sentido de que «a pronúncia que o Ministério Público efectuar sobre a reclamação, apresentada pelo arguido em processo penal, de um despacho do relator, que indeferiu o requerimento de recurso, não deve ser comunicada ao arguido reclamante para que este possa emitir a sua resposta, antes de ser proferida a decisão da conferência sobre a reclamação».
Pelo acórdão n.º 102/2011, o Tribunal considerou que o incidente pós-decisório assim suscitado era manifestamente anómalo e não tinha outro objectivo que não seja obstar ao trânsito em julgado da decisão de não conhecimento proferida no recurso, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional e 720.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, decidiu ordenar que «o incidente se processe em separado só prosseguindo no traslado depois de pagas as custas contadas no Tribunal» e ordenar ainda a baixa do processo, para efeito de se considerar verificado, com a prolação dessa decisão, o trânsito em julgado do acórdão n.º 68/2011.
O recorrente veio entretanto juntar ao traslado o documento comprovativo do pagamento das custas contadas no Tribunal, requerendo que incidisse decisão sobre o referido recurso de constitucionalidade.
Cabe decidir.
2. O recurso de constitucionalidade a que se refere o artigo 280º da Constituição, e que se encontra igualmente previsto no artigo 70º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, faz parte integrante do sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, na qual o Tribunal Constitucional apenas intervém a título de instância de recurso de outros tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição, Coimbra, pág. 940). O disposto nesses preceitos deve, pois, ser entendido em conjugação com o que estabelece o artigo 204º da Constituição, quando prevê uma fiscalização difusa e incidental da inconstitucionalidade pelas diferentes ordens de tribunais na dirimição dos litígios que sejam colocados à sua apreciação. A consagração de um sistema de recursos para o Tribunal Constitucional significa, portanto, que os tribunais não têm a última palavra quanto à questão de constitucionalidade das normas aplicáveis nos feitos submetidos ao seu julgamento, pois das suas decisões cabe recurso para o órgão com competência específica para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, págs. 742-743).
É assim patente que não há lugar a recurso de constitucionalidade de decisão proferida pelo próprio Tribunal Constitucional, visto que este Tribunal intervém justamente no âmbito de um recurso desse tipo para se pronunciar sobre uma questão de constitucionalidade que tenha sido colocada, na resolução de um qualquer litígio jurisdicional, perante um outro tribunal. E qualquer questão de constitucionalidade que venha a suscitar-se relativamente à própria tramitação do processo no Tribunal Constitucional terá de ser apreciada e resolvida no âmbito do mesmo recurso de constitucionalidade através das decisões que nele caibam segundo o respectivo regime processual.
É assim óbvio que não é possível enxertar num recurso de constitucionalidade interposto da decisão de um outro tribunal um outro recurso para o Tribunal Constitucional sobre qualquer decisão que este Tribunal venha a proferir em matéria de constitucionalidade, pelo que a pretensão agora deduzida revela-se como um incidente manifestamente anómalo.
Assim sendo, a questão de constitucionalidade que o reclamante pretende colocar através do presente incidente foi já definitivamente decidida através do acórdão n.º 68/2011, que indeferiu a arguição de nulidade processual e tomou expressa posição quanto à alegada violação dos princípios da igualdade de armas e do contraditório, sendo que esse acórdão transitou em julgado por força do que se determinou no subsequente acórdão n.º 102/2011.
3. Pelo exposto, decide-se:
a) indeferir o requerido;
b) condenar o reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em 35 unidades de conta, nos termos do artigo 9.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, tendo em atenção a actividade contumaz do vencido.
c) determinar, por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional e 720.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que qualquer novo incidente que venha a ser suscitado no traslado apenas seja processado depois de pagas as custas devidas em cumprimento desta decisão.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.