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Processo n.º 69/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., B. e C., inconformados com a decisão sumária proferida a 17 de Fevereiro de 2011, vêm dela reclamar dizendo o seguinte:
“(…) 4.º Sendo que, conforme já foi decidido nos doutos Acórdãos deste Tribunal n°s 730/08 e 25/90, não existindo normas processuais na lei que regula o processo constitucional que verse sobre notificações e contagem dos prazos, aplicam-se sobre esta matéria, aos recursos do Tribunal Constitucional, por força do artigo 69° da Lei n° 28/82, o disposto na Lei de Processo Civil.
5.º Ora, no seu requerimento de interposição de Recurso (que não mereceu qualquer censura e portanto, qualquer notificação, para efeitos do disposto no artigo 75°-A, nos 5 e 6 da Lei n° 28°/82), os Recorrentes explicaram a razão de ser deste Recurso para o Tribunal Constitucional,
6° Que radica, no essencial, na interpretação/aplicação que o Acórdão do STJ, datado de 7/01/2009, de fls. 2185/2187 fez do artigo 400.º, n°3 do Código de Processo Penal,
7.º Reconhecendo que, pese embora a Lei n° 48/2007, de 29-8, tenha vindo introduzir no referido artigo 400° do CPP um n° 3, que estipula a recorribilidade da decisão cível, ainda que não seja admissível recurso quanto à matéria penal,
8° Esta alteração da lei não se aplica às decisões anteriores quando vem admitir recurso que anteriormente não existia.
9.º Interpretação/aplicação, do disposto no artigo 400°, n° 3 do CPP, então efectuada por aquele Acórdão do STJ, que logo os Recorrentes consideraram inconstitucional, no primeiro articulado em que processualmente puderam reagir (invocada Correcção/Aclaração), por violadora dos artigos 2°, 18°, n°s 1 e 2, 20°, n° 1 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
10° Tudo isto, apesar do artigo 5° do Código de Processo Penal preceituar que a lei processual penal é de aplicação imediata...
11° Daí que o próprio Tribunal da Relação do Porto tenha, inicialmente, admitido o pretendido Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do mencionado artigo 400°, n°3 do Código de Processo Penal (por entender, obviamente, ser esta disposição de aplicação imediata)!
12° Ou seja, o que pretenderam os Recorrentes no seu articulado de ‘Correcção/Aclaração’, que então apresentaram do referido Acórdão de fls. 2185/2187, foi, entre outras, invocara inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido da sua não aplicação às decisões anteriores quando vem admitir recurso que anteriormente não existia,
13° Por violadora dos artigos 2°, 18°, n°s 1 e 2, 20°, n° 1 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa (como fez o douto acórdão).
14° E que mais poderiam ter feito os Recorrentes-...
15° Daí que, salvo melhor opinião, os Recorrentes, no âmbito do seu articulado de ‘Correcção/Aclaração’ do Acórdão de fls. 2185/2187, suscitaram de forma adequada a invocada inconstitucionalidade, tendo, efectivamente, cumprido com o dever de individualizar norma ou dimensão normativa.
16° Sendo que, conforme refere a douta Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional aprecia preceito ou preceitos legais ou a interpretação que dos mesmos haja sido feita...
17° E salvo melhor opinião, resulta claro para nós, que sendo julgado inconstitucional o artigo 400°, n° 3 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido da sua não aplicação às decisões anteriores quando vem admitir recurso que anteriormente não existia,
18° como fez o aludido Acórdão do STJ de fls. 2185/2 187,
19° este Tribunal Constitucional poderá apresentar a sua decisão em termos de tanto os destinatários desta (os ora recorrentes), como em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para duvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por deste modo, afrontar a Constituição.
20° Recordemos, por último, o que diz o artigo 400°, n°3 do Código de Processo Penal: -‘Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil’.
21° Sendo que para além dos Recorrentes terem defendido no seu articulado de ‘Correcção/Aclaração’ que o recurso deveria ter sido admitido, nos termos do artigo 400.º, n°3, do CPP, aplicável por imposição do artigo 400°, n° 3 do CPP, aplicável por imposição do artigo 5° do mesmo CPP- item 7°;
22° Também lançaram mão da supra explicada e pretendida inconstitucionalidade,
23° quando invocaram que a não admissão do recurso, sempre importaria a manifesta inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo douto Acórdão de fls. 2185/2 187 dos artigos 400°, n° 3 e 5° do Código de Processo Penal - item 11,
24° Inconstitucionalidade essa, traduzida na violação dos artigos 2°, 18°, n°s 1 e 2, 20°, n° 1 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa — item 12°.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“2. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho de admissão do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3 daquele diploma).
2.1. Como é sabido, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade assentam numa arquitectura exclusivamente normativa. Estes recursos apenas podem ter por objecto normas ou dimensões normativas. O Tribunal Constitucional aprecia, deste modo, o preceito ou preceitos legais ou a interpretação que dos mesmos haja sido feita em termos de da mesma decorrer um critério normativo perfeitamente destacável da decisão e susceptível de aplicação a outros casos. Quando se sustenta a inconstitucionalidade de determinada dimensão normativa ou critério normativo, os quais hajam sido aplicados enquanto ratio decidendi, a suscitação de tal questão em moldes processualmente adequados – nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC – impõe ao respectivo sujeito processual a enunciação desse mesmo critério ou padrão normativo. A satisfação deste ónus processual em tais situações implica, assim, um esforço acrescido de concretização, em termos claros e perceptíveis, da norma que, em concreto, fundará a decisão recorrida. Atendendo a que tal norma não se identificará com o conteúdo objectivo ou literal de determinados preceitos legais, resultando antes da respectiva interpretação ou aplicação ao caso concreto, o sujeito processual em causa, se pretender posteriormente lançar mão da fiscalização concreta da constitucionalidade nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, incorre no ónus de enunciar, durante o processo, a ‘(…) regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica (…)’ (cfr. Lopes do Rego, ‘O objecto idóneo dos recursos de fiscalização da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional’, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, p. 7). Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 367/94 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 207, de 7 de Setembro de 1994): ‘(…) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição.’
2.2. Ora, no caso dos autos, não foi suscitada, de forma adequada, nenhuma inconstitucionalidade, não tendo sido individualizada qualquer norma ou dimensão normativa, nomeadamente no articulado referido pelos recorrentes (correcção/aclaração, a fls. 112), nem o Supremo Tribunal de Justiça conheceu de nenhuma inconstitucionalidade. Limitou-se a indeferir a pretensão dos mesmos recorrentes. Está-se assim perante uma reacção à decisão e não perante uma inconstitucionalidade normativa.
Os Recorrentes não se conformam com o decidido. O certo é que, no entanto, o modo como configuraram tal questão durante o processo não constitui uma questão de constitucionalidade normativa, e esta não é a sede idónea para proceder à sindicância da conformidade das decisões proferidas pelos outros tribunais. O Tribunal Constitucional aprecia normas ou dimensões normativas e não a concreta actividade judicativa que se traduz na decisão dada ao pleito.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a argumentação dos Reclamantes em nada abala a fundamentação da decisão sumária reclamada. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelos recorrentes, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo. Isso mesmo decorre não só de tal preceito, mas também do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
5. Como foi referido na decisão sumária, durante o processo os Recorrentes não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado. Não tendo suscitado a inconstitucionalidade de norma (ou dimensão normativa) durante o processo, quando tal lhes era exigível, improcede a sua pretensão de ver conhecido o objecto do recurso de constitucionalidade que tentou interpor.
Também na reclamação ora deduzida, nenhum facto novo vem invocado, pelo que é de reiterar o decidido.
III – Decisão
6. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Abril de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.