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Processo n.º 286/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., notificado que foi do Acórdão nº 112/2011, proferido pela 3ª Secção do Tribunal Constitucional a 2 de Março de 2011, e em que, negando provimento ao recurso que o mesmo A. havia interposto, se decidiu “[n]ão julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se dever considerar no cômputo da pena única as penas parcelares, desconsiderando-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior”, vem agora requerer a reforma do referido acórdão, bem como “esclarecimentos/aclaração”, invocando para tanto os fundamentos que a seguir se transcrevem:
Na página 10 do douto Acórdão No 112/2011 diz-se o seguinte:
“Entende o recorrente que, a partir do momento em que uma pena única, alcançada em cumulo jurídico, é julgada cumprida e extinta, a mesma deve considerar-se esgotada para todos os efeitos, o que implica deverem considerar-se esgotadas todas as penas parcelares que lhe deram origem, pelo que jamais poderão as mesmas relevar, autonomamente, para efeitos de cumulo jurídico superveniente, pelo que seria inadmissível, á luz do principio constitucional de culpa, desconsiderar-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização do cumulo jurídico anterior.
Mas sem razão o faz.
Desde logo, porque nos termos do disposto no inciso final do n° 1 do artigo 78° do Código Penal (inciso que, face ao disposto no n° 1 do artigo 81°, seria, em rigor, dispensável), em caso de conhecimento superveniente do concurso, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Assim sendo, é manifesto que a circunstância de, para efeitos de determinação da medida da pena única, se considerar a pena de prisão efectiva já cumprida, em nada prejudica o arguido”.
Conforme resulta inequívoco dos autos a pena única ora em causa “já julgada cumprida e extinta” é de 6 anos. A pena que no caso em apreço foi descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes foi de 6 anos, ou seja a pena alcançada em cúmulo jurídico julgada e extinta resultante das penas parcelares que lhe deram origem: uma pena de 4,5 anos e três penas de 1,5 anos cada uma, as quais antes do cumulo perfaziam um total de 9 anos. Todavia, para efeitos de determinação de cúmulo superveniente foi considerada a pena máxima que decorreu da soma de todas as penas parcelares aplicáveis, ou seja 23 anos, os quais incluem 9 anos das penas parcelares de 4,5 anos, e 1,5 anos vezes três que originaram o primitivo cúmulo da pena única de 6 anos já julgada cumprida e extinta.
Temos assim, que: i) para a SOMA aritmética do cúmulo superveniente a pena única de 6 anos já julgada cumprida e extinta valeu por 9 ANOS; ii) para efeitos do DESCONTO (subtracção) a pena única de 6 anos já julgada cumprida e extinta já valeu como o então cumulo, isto é somente 6 ANOS.
Temos assim, que a aplicação do disposto no inciso final do nº 1 do artigo 78° do Código Penal (inciso que, face ao disposto no nº 1 do artigo 81º, seria, em rigor, dispensável), em caso de conhecimento superveniente do concurso, MANIFESTAMENTE PREJUDICA O ARGUIDO, (no caso em apreço em 3 ANOS de prisão...)
O douto Acórdão Nº 112/2011 ao considerar que esta forma de cumular penas em nada prejudica o arguido e que por isso o alegado por ele no recurso quanto a esta matéria é sem razão enferma de ERRO na qualificação jurídica dos factos e como tal deve ser objecto de REFORMA (alínea a) do número 2 do artigo 669 do CPC).
Na mesma página 10 (último parágrafo) do douto Acórdão Nº 112/2011 diz-se ainda o seguinte:
Em segundo lugar, porque justamente face ao princípio da culpa, seria dificilmente compreensível qualquer norma que impusesse que, em sede de cumulo superveniente, fosse necessariamente considerada a pena única que resultasse de cumulo jurídico anterior. Com efeito, proceder-se a um “cúmulo de cúmulo “, na acepção que o recorrente adopta, comportaria dois juízos globais de culpa que parcialmente se sobreporiam.
Não se vislumbra, nem o douto Acórdão o esclarece em que medida é que o “cúmulo de cúmulo” comporta dois juízos globais de culpa, especialmente tratando-se de um cúmulo com uma pena cumulada já julgada cumprida e extinta. São diferentes dos juízos globais de culpa no caso de cúmulo com várias sentenças parcelares-
Igualmente não se entende porque é que seria dificilmente compreensível qualquer norma que impusesse que, em sede de cúmulo superveniente, fosse necessariamente considerada a pena única que resultasse de cúmulo jurídico anterior-
Na página 12 do douto Acórdão Nº 112/2011 diz-se o seguinte:
“Desde logo, não decorre da desconsideração de uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cumulo jurídico anterior, para efeitos de determinação da pena única em sede de cumulo jurídico, que o mesmo facto seja valorado duas vezes, isto é que uma mesma conduta ilícita seja apreciada, com vista à aplicação da correspondente sanção, por mais do que uma vez”.
Também aqui o douto Acórdão enferma de ERRO na qualificação jurídica dos factos e como tal deve ser objecto de REFORMA (alínea a) do número 2 do artigo 669 do CPC). O cumulo superveniente, nos termos em que foi realizado, e aceite pelo douto Acórdão, constitui na realidade uma dupla condenação (“valoração”...) já que se SOMAM mais 3 ANOS e se valorizam como tal 3 ANOS a mais, que era suposto estar totalmente cumpridos por a respectiva sentença já estar definitivamente cumprida e extinta, por cumprimento INTEGRAL da pena de 6 anos que resultou de um cumulo que a originou e levou ao seu cumprimento integral.
Na mesma página 12, mais adiante, o douto Acórdão Nº 112/2011 diz ainda:
“Justamente na medida em que é desconsiderada a pena única anteriormente aplicada, fica sem efeito a valoração que lhe serviu de base, pelo que, ao proceder-se à valoração global dos factos e da personalidade do agente, em sede de cúmulo jurídico superveniente, a pretensão punitiva do Estado apenas se exerce uma vez”.
A “nova” valoração global dos factos e da personalidade do agente, nos termos aqui doutamente referidos, tem como consequência que o arguido veja aumentada em mais 3 ANOS a pena que cumpriu na ÍNTEGRA e que, por via disso desse integral cumprimento foi depois julgada cumprida e extinta. Temos assim que, justamente ao contrário do que o Acórdão doutamente conclui, esta desconsideração e desvalorização da pena única anteriormente aplicada tem como efeito que a pretensão punitiva do Estado acaba por ser exercida por duas vezes: i) uma no cumprimento integral da pena de seis anos que resultou do cumulo que a originou e que foi julgada cumprida e extinta por integral cumprimento; ii) outra no cumprimento de MAIS TRÊS ANOS da mesma pena já cumprida na íntegra e extinta, porque supervenientemente cumulados com uma outra pena como se ela não fosse cumprida e extinta.
Temos pois, que também nesta parte o douto Acórdão enferma de ERRO na qualificação jurídica dos factos e como tal deve ser objecto de REFORMA (alínea a) do número 2 do artigo 669 do CPC).
Por fim, na página 13, o douto Acórdão No 112/2011 diz o seguinte:
Com efeito, a decisão que nos termos do n° 1 do artigo 78° do Código Penal, procede à determinação da pena única, aceita integralmente a condenação e as penas que haviam sido, anteriormente aplicadas ao arguido. E aceita-as justamente com o intuito exclusivo de as colocar ao lado de outra ou outras penas, para assim ser possível uma correcta avaliação do comportamento global do agente...”
Também aqui o douto Acórdão enferma de ERRO na qualificação jurídica dos factos e como tal deve ser objecto de REFORMA (alínea a) do número 2 do artigo 669 do CPC). A decisão que, nos termos do n° 1 do artigo 78° do Código Penal, procede à determinação da pena única, NÃO aceita integralmente a condenação e as penas que haviam sido, anteriormente aplicadas ao arguido. Acrescenta-lhes mais 3 ANOS de uma pena já cumulada, cumprida na íntegra e extinta por via desse integral cumprimento.
2. Notificado dos pedidos de reforma e aclaração do Acórdão nº 112/2011, veio o Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnar pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir
II – Fundamentação
3. Nos termos do nº 2 do artigo 669.º do Código de Processo Civil (aplicável aos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas por força do disposto no artigo 69.º da Lei nº 28/2, de 15 de Novembro), é [ainda] lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando
a) Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração
No caso, vem A. requerer a reforma do Acórdão nº 112/2011 por entender, em quatro dos cinco pontos que integram o texto do seu requerimento, que o mesmo enferma de “erro na qualificação jurídica dos factos”.
Sendo os recursos para o Tribunal Constitucional restritos à questão da constitucionalidade (e da legalidade, se tal for o caso) de normas (artigo 280.º, nº 6 da Constituição), não detém o mesmo Tribunal, neste tipo de recursos, poderes que impliquem a “apreciação” ou “qualificação” de factos. Disso mesmo dá conta o texto do Acórdão nº 112/2011 no seu ponto 6, onde se sublinha que sob apreciação estará apenas a interpretação dada pela instância recorrida às normas pertinentes do Código de Processo Penal, e a sua conformidade (ou desconformidade) com a Constituição.
Limitando-se os pontos seguintes da fundamentação do Acórdão ao tratamento, nestes precisos termos, da questão da constitucionalidade normativa, aliás colocada ao Tribunal pelo requerente no requerimento de interposição do recurso e resolvida através da fórmula decisória acima transcrita, em momento nenhum se ocupou o Tribunal de “factos” ou da sua “qualificação jurídica”, matéria que se situa para além dos seus poderes cognitivos.
Assim, e nos termos do disposto no nº 2 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, nada há que reformar.
2. No seu pedido, coloca o requerente certas dúvidas quanto à fundamentação do Acórdão.
Em primeiro lugar, sustenta essencialmente o requerente que terá sido prejudicado pela interpretação dada pela instância recorrida às normas do Código de Processo Penal que constituíam o objecto do recurso – interpretação essa que o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal veio a confirmar – por a mesma conduzir ao achamento a final de uma pena única que seria superior àquela outra que se obteria se tivesse sido adoptada a interpretação por si propugnada.
Ora, em relação à questão de saber se é ou não inconstitucional, por esse motivo, a interpretação adoptada pelo tribunal a quo, responde o Acórdão nº 112/2011 nos pontos 6 e 7 da sua fundamentação.
Por outro lado, coloca ainda o requerente dúvidas quanto a certas passagens insertas no ponto 8 [da fundamentação].
No entanto, o Tribunal responde, nesse e nos outros pontos seguintes, às restantes questões de constitucionalidade que o mesmo requerente lhe havia colocado, a saber: se a interpretação adoptada pela decisão recorrida seria ou não lesiva do disposto nos artigos 27º, nº 1; 29.º, nºs 4 e 5; 32.º, nº 1 da CRP; do princípio da culpa e do princípio do non bis in idem.
Como, na resposta a estas questões, não contém a sentença qualquer “ambiguidade” ou “obscuridade”, nada há, quanto a ela, que aclarar, nos termos do disposto no nº 1, alínea a), do artigo 669º do Código de Processo Civil.
III – Decisão
Nestes termos, indefere-se o requerido a fls. 5996
Custas pelo requerente, fixadas em 15 ucs. da taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.