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Processo n.º 6/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B., S.A., C., S.A., D., S.A., E. e F., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 3 de Novembro de 2010.
2. Pela Decisão Sumária n.º 87/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, a recorrente limitou-se a questionar a constitucionalidade da decisão judicial de 1.ª instância, sustentando que o tribunal a quo violou princípios que fez decorrer de normas da Constituição da República Portuguesa: princípio da averiguação da verdade material ou da investigação, princípio do contraditório e princípio da presunção de inocência.
A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objecto, justificando-se a prolação da presente decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«(…) com a independência reconhecida pela lei, a Exmª Juíza Conselheira Relatora foi do entendimento de que não se verifica o requisito da suscitação prévia perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o de 1ª Instância), de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; já que a questão da inconstitucionalidade só foi levantada no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
5- Com o devido respeito, que sempre é muito, não nos parece assistir razão à Exmª Juíza Conselheira Relatora, uma vez que a interpretação que o Tribunal de 1ª Instância fez das normas que a reclamante invoca no seu requerimento de recurso para este Venerando Tribunal (e constantes da Decisão ora reclamada), surgiu de forma inusitada quer na audiência de discussão e julgamento quanto à matéria da perícia grafológica quer, inclusivamente, posteriormente ao encerramento da mesma quando decidiram prescindir do Relatório Social que aguardavam, e não o considerar na elaboração do Acórdão.
6- Ora, perante esta situação invulgar, inesperada e imprevisível, a posteriori, onde não havia possibilidade de reacção, a invocação da inconstitucionalidade só por via de recurso é que podia ser arguida, evidentemente – tal como se fez.
7- Acresce dizer que no recurso para o Tribunal Constitucional (e isso já havia sido referido no recurso para o Tribunal da Relação) o que entendemos estar em causa é a interpretação que se fez das aludidas normas (v.g. 379º, nº1, c); 374º, nº2; 370º, nº1; 410º, nº2, do CPP, etc), que entendemos violadora, nomeadamente, das seguintes normas constitucionais: 1º; 18º, nº2; 27º, nº2; 32º, nºs 2, 4 e 5; 2002ª, nº1.
8- Perante este quadro evidente, não é razoável querer que a reclamante se antecipasse a actos que nem sabia que iriam acontecer, pois a sua ocorrência foi posterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento; sendo impossível a sua antevisão. Por outro lado, a decisão do Tribunal de 1ª Instância, na audiência de discussão e julgamento, em recusar a perícia grafológica, nunca foi tida pela reclamante como medida de condenação: coisa que só amargamente soube com a leitura do Acórdão.
9- Assim, logo na primeira oportunidade, aquando do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, a reclamante levantou a questão da inconstitucionalidade, por ser esse, perante as circunstâncias, o momento adequado.
10- Entendimento que tem eco em jurisprudência defendida em inúmeros acórdãos deste Venerando Tribunal Constitucional».
4. Os recorridos foram notificados da reclamação. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento, argumentando o seguinte:
«1.º
Pela Decisão Sumária nº 87/2011, não se conheceu do recurso porque durante o processo a recorrente não suscitara qualquer questão de constitucionalidade normativa, limitando-se a questionar a decisão judicial de 1.ª instância.
2.º
Efectivamente, parece-nos evidente que a recorrente não cumpriu o ónus da suscitação prévia de uma questão de constitucionalidade normativa.
3.º
A própria recorrente, na reclamação agora apresentada, não questiona tal entendimento, apenas dizendo que a interpretação levada a cabo em 1.ª instância, surgiu de forma inusitada».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Pela decisão que é objecto da presente reclamação, o Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto com fundamento na não verificação do requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Ou seja, concluiu-se na decisão sumária que a recorrente não questionou a constitucionalidade de qualquer norma perante o Tribunal da Relação de Coimbra, o tribunal que proferiu a decisão que foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional. Diferentemente do que resulta da presente reclamação, a decisão reclamada não se funda na não suscitação de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal de 1ª instância. Improcede, por isso, toda a argumentação da reclamante.
Para abrir a via do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a recorrente tinha o ónus de questionar a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal da Relação de Coimbra, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), o que não sucedeu, manifestamente, nos presentes autos. A recorrente questionou apenas a constitucionalidade da decisão do tribunal de 1ª instância quanto recorreu para aquele Tribunal da Relação. Concluiu que:
«O tribunal “a quo” ao prescindir da perícia grafológica requerida violou, também, o seu poder-dever inerente ao Princípio da Averiguação da Verdade Material ou da Investigação (arts. 1º, 18º. nº 2, 27º nº 2, 3º nº 4, 202º, nº1 da CRP) e ao Princípio da Livre Valoração da Prova (arts. 125º e 127º do CPP), intimamente ligado ao anterior, impondo que a livre apreciação e valoração da prova se faça após exaustiva investigação da verdade material; ainda, o Princípio do Contraditório (consagrado no art. 32º, nº 5 CRP; art. 6º, nº 3, alíneas d) e e) CEDH, e art. 14º, nº 3, alínea e) do PIDCP) e o Princípio da Presunção de Inocência (art. 32º, nº 2 da CRP; art. 11º da DUDH; art. 6º CEDH e art. 14º, nº 2 do PIDCP)».
Há que indeferir, por conseguinte, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.