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Processo n.º 125/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele Supremo Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(…)
A
1 — A decisão de inadmissão do recurso ora reclamada tem fundamentação sucinta e lapidar, quanto às normas dos art.°s 5.º, n.° 2, alínea a), 400.°, n.° 1, alíneas e) e f), e 4l0.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal, afirmando que o recorrente “(…) na reclamação apresentada não suscitou a inconstitucionalidade destas normas.”.
2 — Ora, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, carece de razão esta sustentação, por a mesma não se verificar.
3 — De facto e ad initio, como manifestamente se retira com muita segurança do texto da reclamação em causa, com expressão no seu item n.° 16, § 2.° do cap. B, relativamente à norma do art.° 5.º, n.° 2, alínea a), foi escrito textualmente o seguinte: “A nosso humilde entender, deverá atender-se ao que se estabelece na al. a) do n.° 2, do art.° 5.°, do CPP, pelo não deverá aplicar-se a nova legislação processual penal quando esta agravar, mesmo que sensivelmente, a situação processual do Recorrente - como é o caso, em face das alterações posteriores verificadas no CPP, depois dos factos subjacentes aos presentes autos.”.
4 — Depois, e também no que concerne à norma do art.° 4l0.°, n.° 2, al. c), tem essa suscitação prévia expressão expressa e explícita em sede de reclamação ante o Exm.º Presidente do STJ, a final do item n.° 10, § 1.° do cap. A, como agora se transcreve aqui: “Além de erro notório na apreciação da prova, estão claramente violados os preceitos estabelecidos no n.° 2, do art. 374.°, e ainda primeira parte da ali. c), do art.° 379.º, ambos do CPP — esta apreciação pelo STJ é excepcionalmente permitida pelo disposto na ali. c), do n.° 2, do art.º 410.°, também do CPP.”.
5 — Já no que tange ao art.° 400.º, n.° 1, alíneas e) e f), a sua invocação foi efectuada numa lógica de antonomia à aplicação da regra do seu n.° 2 que o Venerando Tribunal da Relação impunha, como não pode deixar de se alcançar facilmente da simples leitura do item n.° 16, § 1.º do cap. B desse texto reclamatório, na natural e escorreita concomitância com toda a demais matéria ali aduzida: “Para tanto, sustenta a sua decisão nas disposições do n.° 2 do art.º 400.° do CPP — de forma errada, pensamos nós respeitavelmente, pois recorre ao texto actual do referido preceito”,
6 — Sendo que a decisão tirada sobre a reclamação ante o Exm.º Presidente do STJ é clara, quanto à aplicação desses preceitos do art.° 400.°, por vezes referenciado sem indicação de parcela normativa.
7 - Afigura-se assim que a exigida apresentação em sede de reclamação ante o Exm.º Presidente do STJ, em tempo oportuno de apreciação prévia, foi efectuada de forma bastante e perceptível, pelo que humildemente se nos afigura carecer a decisão de inadmissão de revogação, admitindo-se o recurso para os ulteriores termos processuais.
B
8 — No que tange ao segundo grupo de normas objecto de decisão de não admissão do recurso, concretamente as dos art.°s 66.°, n.° 1, 67.°, 372.°, n.° 2, 374.°, n.° 3, alínea e), 379.º, n.° 2, 4l4.°, n.° 4, 416.°, 417.°, n.° 2 e 425.°, n.° 6, todos do C.P.P., cujo indeferimento se estriba no fundamento de que “(…)estas normas não terem sido critério e fundamento da decisão que indeferiu a reclamação (...)”, cumpre esclarecer e dizer o seguinte:
9 — Em causa na reclamação apresentada ao Exm.º Senhor Presidente do STJ estava, como está ainda, a possibilidade de recurso ante aquela instância superior de recurso tirado sobre matéria decidida pela Relação em 1.ª instância e respeitando a relevantes questões processuais que podem tanger com a liberdade e dignidade do arguido condenado.
10 — Estas questões são de extrema e capital importância, juridicamente relevantes, com clara influência na integral e eficaz defesa desse arguido, ora recorrente/reclamante, porquanto é a partir da sua correcta interpretação e aplicação que se alcança aquela que concerne às demais correlacionadas directamente quanto à defendida possibilidade de recurso das decisões tomadas pela primeira vez em sede de Tribunal da Relação.
11 — Perfila-se pois que a sua aplicação, ainda que indirecta, subsidiária e instrumental, é imanente à decisão, imerge nela mesmo sem expressão escrita ou sequer invocação formal, logo constitui parte integrante dos critérios de apreciação da vexata quaestio apresentada a juízo e dos fundamentos que presidem à decisão proferida,
12 — Uma vez que inevitavelmente para se decidir sobre a admissibilidade do recurso ante o STJ tem que se ter em consideração toda a demais matéria respeitante ao arguido, aos seus direitos de defesa, às regras processuais essenciais ou acessórias, a todo um edifício jurídico legislado no sentido imperativo da defesa da liberdade do arguido, abstracto ele, segundo os princípios humanistas que presidem às leis penais deste estado de direito, em submissão às convenções internacionais legitimamente ratificadas.
13 — Donde, a integração dessas regras processuais no âmbito e abrangência da matéria em apreço na reclamação considerada, e, por isso mesmo de aplicação e interpretação, directa ou indirecta, na questão controvertida ali apreciada, susceptível de ser levada ao juízo do Tribunal Constitucional, pela inerente relevância no julgamento requerido.
Nestes termos, sempre com o mesmo respeito e humildade de sempre, afigura-se-nos justificada a total admissão do recurso oportunamente interposto para este Tribunal Constitucional, requerendo-a aqui expressamente para que, assim, se faça a verdadeira JUSTIÇA! (…)»
2. Por despachos de fls. 111 e 124 foram solicitadas, ao tribunal recorrido, as peças processuais aí identificadas.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferida decisão que não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão daquela Relação que julgou extinto, por inutilidade superveniente, um e negou provimento aos outros recursos interpostos da sentença de 1.ª instância que condenou o reclamante na pena de 6 meses de prisão, substituídos por igual período de multa, à taxa de 3.50 euros, ou seja, na multa de 630 euros.
2. O Senhor Desembargador Relator entendeu que o recurso não era admissível porque a pena em que o arguido havia sido condenado não era privativa da liberdade, mas, mesmo que se entendesse o contrário, sempre o recurso seria inadmissível porque a pena era inferior a oito anos, ou seja, nunca seria de admitir o recurso por força das alíneas e) e f) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP e, quanto à parte atinente aos recursos interlocutórios, a inadmissibilidade decorria do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 400.°.
3. O arguido reclamou, então, para o senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação, aplicando as mesmas disposições do douto despacho reclamado.
4. Desta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 5.°, n.° 2, alínea a), 66.°, n.° 1, 67.°, 372.°, n.° 2, 374.°, 3, alínea e), 379.°, n.° 2, 400.°, n.º 1, alínea e), a contrario sensu e f), 410.°, n.° 2, alínea c), 414.°, n.º 4, 416.°, 417.°, n.° 2 e 426.°, n.° 6, do CPP, na redacção mais favorável ao arguido face à data em que os factos imputados ao recorrente foram praticados, com a interpretação oferecida nas decisões em crise (...)”.
5. Parece-nos claro que no requerimento, apesar de se referirem numerosos preceitos do CPP, não se enuncia nem se identifica qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
6. Por outro lado, como anteriormente já se disse, o douto despacho que na Relação não admitiu o recurso, fê-lo aplicando o disposto nas alíneas c), e) e f) do artigo 400.° do CPP, na redacção dada pela Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, como se vê, desde logo, pela transcrição que ali é feita dessas disposições legais.
7. Ora, na reclamação desse douto despacho para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - o momento processual adequado -, o reclamante nunca suscita qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquelas normas, que foram também, como se viu, as únicas aplicadas na decisão recorrida.
8. Assim, falta o pressuposto da admissibilidade do recurso, que consiste em a questão da constitucionalidade ser suscitada, de forma adequada, durante o processo
9. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. O reclamante pretende interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC) para apreciação da «inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 5.°, n.° 2, alínea a), 66.°, n.° 1, 67.°, 372.°, n.° 2, 374.°, n.º 3, alínea e), 379.°, n.° 2, 400.°, n.º 1, alínea e), a contrario sensu, e f), 410.°, n.° 2, alínea c), 414.°, n.º 4, 416.°, 417.°, n.° 2 e 426.°, n.° 6, todos do CPP, na redacção mais favorável ao arguido face à data em que os factos imputados ao recorrente foram praticados, com a interpretação oferecida nas decisões em crise de que
- os recursos tirados sobre decisões intercalares dos presentes autos não obtiveram conhecimento de mérito relativamente ao objecto do processo;
- a pena sentenciada ao recorrente tem natureza pecuniária, uma vez que foi convertida em multa, logo não contém a virtualidade de privar de liberdade o condenado;
- não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se a medida da pena for inferior a 8 anos de prisão; e
- a lei aplicável ao caso sub judice é a que resulta da redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto».
O recurso não foi admitido por despacho de fls. 106/107, com fundamento, quanto às normas dos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 410.°, n.° 2, alínea c), todos do CPP, na não suscitação da respectiva inconstitucionalidade na reclamação apresentada; e, quanto às normas dos artigos 66.º, n.º 1, 67.º, 372.°, n.° 2, 374.°, n.º 3, alínea e), 379.°, n.° 2, 414.°, n.º 4, 416.°, 417.°, n.° 2 e 425.°, n.° 6, todos do CPP, por estas normas não terem sido critério e fundamento da decisão que indeferiu a reclamação.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se igualmente pelo não conhecimento do objecto do recurso com fundamento, em síntese, na falta de suscitação, de forma adequada, no decurso do processo, da questão de constitucionalidade.
Efectivamente, resulta claro do teor da reclamação apresentada – que o ora reclamante dirigiu ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça contra o despacho do Tribunal da Relação que não lhe admitiu o recurso (cfr. fls. 128/133 dos autos) – que nessa peça processual o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa. O reclamante limita-se a invocar normas e princípios constitucionais, ou para defender a sua posição, ou para imputar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão reclamada.
Atendendo à natureza estritamente normativa do recurso de constitucionalidade, forçoso é concluir pela não suscitação de qualquer questão de constitucionalidade idónea a constituir objecto de um recurso de constitucionalidade, o que, só por si, obsta à admissibilidade do recurso.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade acima identificado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.