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Processo n.º 83/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público e Outros, foi proferida a Decisão Sumária n.º 178/2009 de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 1593/1596 dos autos):
«(…) 3 – Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º1, da LTC, e atento igualmente o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos termos seguintes.
4 – Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas pode traduzir-se em questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista, Coimbra, 2007, pp. 76 e segs., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, resulta claramente da decisão recorrida, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 2007, que o Tribunal a quo não fez aplicação da norma sindicanda, por considerar existir “trânsito em julgado da decisão lavrada sobre o conflito pelo Tribunal da Relação de Guimarães”, adiantando, em função disso, que tal “impede que se conheça agora dessa tardia alegação de inconstitucionalidade, pois tal decisão não pode mais ser alterada por via de recurso ordinário”.
Nessa medida, não vindo impugnada, sub species constitutionis, a(s) norma(s) que constituem ratio decidendi do Acórdão recorrido, subjacentes à decisão de existência de caso julgado quanto a tal questão, não pode este Tribunal, pelo motivo indicado, tomar conhecimento do objecto do recurso.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso. (…)»
2. Após diversos incidentes processuais, de que agora não releva dar nota, foi a recorrente notificada desta decisão sumária, tendo, na sequência, apresentado reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) A., agente da PSP, arguida nos autos em epígrafe, que lhe move o digno Magistrado do Ministério Público, notificada da decisão de fls., vem deduzir reclamação para o relator e, subsidiariamente, para a conferência, apresentando esta reclamação também subsidiariamente em relação ao questão da inexistência jurídica da decisão de 1.ª instância, que está já a ser discutida no processo — a qual é questão prévia e acarretará, se procedente, a inutilidade superveniente da presente reclamação — o que faz nos termos seguintes, arguindo a inexistência e, subsidiariamente, a nulidade da decisão ora reclamada.
Da inexistência jurídica
1-Quanto ao primeiro pretenso crime de burla
A - Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado
1.º
Os presentes autos resultaram de uma queixa apresentada por três indivíduos, de nome Jorge Miguel Baptista Vieira, António Fernandes de Araújo e Manuel Agostinho Cruz Magalhães, os quais «tendo [...] aceitado] encontros “amorosos”» (facto 9 da matéria provada em julgamento)», desde o «início» quiseram ter e tiveram «namoro» (facto 18 da matéria provada em julgamento) e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» com as arguidas (facto 13 da matéria provada em julgamento).
2.°
Esses indivíduos instigaram mesmo à prática do crime de aborto, então previsto e punido pela lei portuguesa (facto 20 da matéria provada em julgamento).
3.º
O certo é que, ao cabo de cerca de um mês, o namoro e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» (facto 13 da matéria provada em julgamento) entre a Palmira e o queixoso Vieira teve problemas e a ora requerente foi solicitada a servir de «mediadora do conflito» entre esse par de namorados (queixa apresentada pelo Vieira e pelo Araújo em 12 de Agosto de 1999) e, honrando o compromisso que assumiu, a arguida ora requerente «sempre se comportou como líder» (facto 24 da matéria provada em julgamento) na solução desse conflito e teve, aliás que insistir para que o contrato que veio a ser celebrado fosse cumprido (facto 29 da matéria provada em julgamento).
4.º
O queixoso Vieira, dos «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica» (facto 9 da matéria provada em julgamento), quis «sossegar a Palmira e evitar que revelasse o relacionamento sexual» que ele mantinha com essa namorada, também arguida.
5.º
Depois de passar por «muitas peripécias» (facto 25 da matéria provada em julgamento), mas a contento de todos, designadamente do queixoso Vieira e da Palmira, a requerente, «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito, acordou com os três indivíduos que o Araújo depositaria a quantia de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) na conta da mesma» (queixa apresentada e assinada pelo Vieira e pelo Araújo, em 12 de Agosto de 1999).
6.°
Assim, houve um «acordo feito» (facto 34 da matéria provada em julgamento), celebrado no dia 2 de Agosto de 1999 (facto 22 da matéria provada em julgamento). Sublinhe-se «ACORDO feito».
7.º
Este «acordo feito» é um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, que é um contrato de Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 2l9.° do mesmo diploma, celebrado entre a arguida Palmira e o queixoso Vieira, com a mediação da ora requerente.
8.°
Provadas na audiência de julgamento, as principais cláusulas desse Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de Agosto de 1999, celebrado ao abrigo do Direito Civil, são: Cláusula 1.ª - A Palmira compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o Jorge Vieira», com quem manteve um «namoro», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do Vieira ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 25 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª - Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a Palmira, o Vieira compromete-se a pagar à Palmira, imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00 (factos 25 e 26 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª - O pagamento é feito mediante depósito na conta da «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito» (queixa apresentada e assinada pelo Vieira e pelo Araújo, em 12 de Agosto de 1999, e facto 29 da matéria provada em julgamento).
B — Contrato de Mútuo
9.º
O queixoso Vieira não tinha o dinheiro necessário para fazer o pagamento imediato a que se comprometera pelo Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado e, por isso, pediu o dinheiro emprestado ao outro queixoso, o Araújo (facto 27 da matéria provada em julgamento).
10.º
A este pedido de empréstimo feito pelo queixoso Vieira o queixoso Araújo disse «que sim», tendo passado a existir entre ambos o contrato de mútuo (facto 27 da matéria de facto provada em julgamento).
11.º
Por isso, em 3 de Agosto de 1999, no âmbito das relações de contrato de mútuo entre os dois e sem a presença da requerente, o queixoso Vieira e o queixoso Araújo deslocaram-se à agência central da Caixa Geral de Depósitos, sita na Avenida Central, na cidade de Braga, e depositaram na conta da «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito», a importância de 30.000.000$00, assim dando o Vieira cumprimento à Cláusula 3.ª do Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de Agosto de 1999, celebrado entre ele, Vieira, e a Palmira (facto 30 da matéria provada em julgamento).
C - A má-fé
12.°
Os queixosos Vieira e Araújo são «gente de dinheiro, pois eram eles que pagavam sempre as contas de bons restaurantes que frequentavam, hotéis e tudo o mais, sem nunca regatearem despesas, passeando-se em bons automóveis e nunca lhes faltando dinheiro na carteira» (facto 17 da matéria provada em julgamento).
13.º
Apesar disso, estavam de má-fé nas suas relações com a Palmira, que não é gente de dinheiro, e queriam que a ora requerente também agisse como «mediadora do conflito» de má-fé, enganando a Palmira, enquanto parte do Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de Agosto de 1999.
14.°
Mais em concreto, pretendiam que o pagamento devido à Palmira, por força da Cláusula 3.ª do dito Contrato, fosse um pagamento a fingir e queriam que a mediadora devolvesse o dinheiro ao Araújo que este emprestou ao seu amigo Vieira, querendo que o dinheiro fosse apenas «para ser exibido à arguida Palmira» e não querendo que o mesmo lhe fosse entregue a título do cumprimento do referido Contrato (facto 30 da matéria provada em julgamento).
15.º
Bem sabiam eles que a arguida ora requerente nada tem a ver com as relações entre os dois, Vieira e Araújo, nem com o empréstimo de 30.000.000$00 que o Araújo fez ao Vieira e não sabe nem tem a obrigação de saber de o Vieira já saldou o empréstimo que o Araújo lhe fez, em 3 de Agosto de 1999.
16.°
Os arguidos só se queixaram, não por que fossem enganados, mas porque não conseguiram que a ora requerente colaborasse com eles no engano que pretendiam fazer à Palmira, namorada do Vieira (facto 35 da matéria provada em julgamento).
17.º
Estas pessoas «de dinheiro», não apenas se queixaram infundadamente como, faltando à verdade, conseguiram que o Ministério Público deduzisse acusação pela prática de «em co- autoria, um crime de extorsão, p. e p. pelo art.º 223.°, n.° 1 e 3 al. a), por referência ao art.º 204.º n.° 2 al. a) do C. Penal».
18.°
Em julgamento, ficou provado que não existiu qualquer extorsão. Mesmo assim, essa «gente de dinheiro» sempre querendo reaver os 30.000.000$00 de quem nada lhes deve, conseguiu, de modo incompreensível, obter o acórdão em epígrafe do Tribunal da Comarca de Braga, que sentencia criminalmente a arguida em 4 (quatro) anos de prisão, acórdão que muito convém aos queixosos para justificar a sua conduta irregular junto das famílias, do meio social e da banca, pois, além de «gente de dinheiro», são «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica» (facto 9 da matéria provada em julgamento).
19.º
Como era necessário obter uma fundamentação para a aplicação dessa pena e não podendo ser a pena de extorsão, o Tribunal percorreu o Código Penal e escolheu a pena correspondente ao «crime de burla, previsto e punível pelo artigo 218.° n.° 2 alínea a) do Código Penal».
20.°
No entanto, há manifesto lapso, porque o crime de burla, definido na lei portuguesa (artigo 217.°, n.° 1, do Código Penal) consiste na conduta em que um indivíduo «com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou. determin[a] outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
21.º
Ora, não existe enriquecimento ilegítimo de ninguém, a arguida não «provocou factos» sobre nada, não provou astuciosamente coisa nenhuma, e antes impediu que uma das parte fosse enganada pela «gente de dinheiro» que são os queixosos Vieira e Araújo, sendo ainda certo que a arguida ora requerente nada determinou, limitando-se a cumprir o seu solicitado papel de «mediadora do conflito» entre a Palmira e o Vieira.
22.°
Na verdade, muito singelamente, os factos são os seguintes: a arguida foi solicitada a servir de «mediadora do conflito» entre namorados, o queixoso Vieira e a arguida Palmira, donde resultou, a 2 de Agosto de 1999, um «acordo feito» entre ambos, que é um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A Palmira compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o Jorge Vieira», com quem manteve um «namoro», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do queixoso ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 25 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª —Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a Palmira, o Vieira compromete-se a pagar à Palmira, imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00 (factos 25 e 26 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito mediante depósito na conta da «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito» (queixa apresentada e assinada pelo Vieira e pelo Araújo, em 12 de Agosto de 1999, e facto 29 da matéria provada em julgamento). O Vieira não tinha logo o dinheiro para cumprir o contrato e pediu 30.000.000$00 emprestados ao Araújo que lhos emprestou.
II— Quanto ao segundo pretenso crime de burla
23.°
O Estado Português, através da Polícia, do Ministério Público e dos juízes, resolveu investigar a moral sexual da arguida e a intimidade da sua vida privada, interessando-se por saber onde, quando, como e com quem ela tem relações sexuais.
24.º
Assim, o Estado Português, através da Polícia, do Ministério Público e dos juízes, quis saber e soube que, no final de 1999, a arguida tinha um novo namorado, casado, de nome Guilherme, dono de uma fábrica de mármores, e logo o Estado pós em campo os polícias, os magistrados do Ministério Público e os juízes, para investigar esse namoro.
25.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes quis saber se o namoro da arguida com o Guilherme envolvia sexo e apurou que realmente existia «envolvimento sexual entre ambos» (factos 39 da matéria provada em julgamento).
26.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber onde a arguida e o namorado tinham tido relações sexuais e apurou que foi num «apartamento» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
27.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida tinha e o namorado tinham tido relações sexuais longe ou perto do cemitério e apurou que foi «junto ao cemitério» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
28.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber quantos actos sexuais tinham existido entre a arguida e o namorado Guilherme, e apurou que os houve «pelo menos duas vezes» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
29.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber quais as datas em que a arguida tinha tido relações sexuais com o seu namorado Guilherme, e apurou que as teve «em datas que não foi possível determinar» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
30.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes. quis saber se a arguida telefonava ao namorado, e apurou que «telefonou» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
31.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida e o namorado falavam sobre gravidez ao telefone, e apurou que, por telefone, uma vez, no ano de 1999, ela disse ao namorado que «estava grávida» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
32.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida estava mesmo grávida do namorado Guilherme e apurou «que só alegadamente se encontrava grávida» (facto 42 da matéria provada em julgamento).
33.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida e o namorado conversavam sobre aborto, e apurou que o namorado da arguida. o Guilherme. lhe sugeriu «que interrompesse voluntariamente a gravidez» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
34.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber qual era a razão pela qual o namorado da arguida sugeriu a esta que fizesse um aborto, e apurou que essa razão era que «ele tinha família estável e não pretendia assumir a paternidade» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
35.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber qual a resposta da arguida à proposta de fazer um aborto que o namorado lhe fazia, e apurou que, em 1999, ela respondeu que «não podia abortar pois tinha sido operada a um cancro de pele e o médico disse-lhe ser um grande risco» (facto 42 da matéria provada em julgamento).
36.°
O Estado Português, através da Policia, dos magistrados do Ministério Publico e dos juízes, quis saber se o namoro da arguida com o namorado Guilherme continuava, tendo apurado que, afinal, ele lhe marcou um encontro para terminar esse namoro (facto 43 da matéria provada em julgamento).
37.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se o namorado da arguida lhe oferecia alguma coisa pela cessação do namoro, tendo apurado que ele «começou por oferecer 1.000 contos, acabando por aceitar dar àquela 10.000 contos» (facto 44 da matéria provada em julgamento).
38.º
Assim, ficou o Estado Português a saber que a arguida celebrou com o namorado Guilherme um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, que é um contrato de Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.º do mesmo diploma.
39.º
Mais ficou o Estado Português a saber que as principais cláusulas desse Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, celebrado em 18 de Janeiro de 2000, ao abrigo do Direito Civil, são: Cláusula 1.ª — A Eduarda (ora arguida requerente) compromete-se a, relativamente ao namorado Guilherme, «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do Guilherme ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 40 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a Eduarda, o Guilherme compromete-se a pagar à Eduarda, imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00 (facto 44 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue à Eduarda (facto 45 da matéria provada em julgamento).
40.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se o namorado da arguida cumpriu a sua cláusula do contrato cessação de namoro, e apurou que sim (facto 45 da matéria provada em julgamento), indicando os autos que a arguida também tem cumprido a sua parte.
41.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber em que data o namorado da arguida cumpriu a sua parte do contrato, e apurou que esse cumprimento ocorreu em 18 de Janeiro de 2000 (facto 45 da matéria provada em julgamento).
42.°
Nunca o namorado da arguida, Guilherme, apresentou qualquer queixa ou moveu processo judicial contra a arguida.
43.º
Na verdade, o próprio Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, apurou na acta da audiência do julgamento e a páginas 26 da sentença de 31 de Outubro de 2003, que o namorado da arguida, Guilherme, «nunca se sentiu coagido ou ameaçado tudo tendo sido uma negociação entre ele e a Eduarda com esses objectivo» de «ela se calar» e não lhe dar «cabo da vida familiar».
44.º
Vale a pena sublinhar «tudo ... negociação».
45.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, entende que, em 1999, a arguida não deveria ter dito ao namorado a frase «estou grávida», porque ele, Estado Português, tem o controlo das conversas namorados e só permite que uma namorada que tenha sexo com o namorado diga a este que está grávida, se ela estiver mesmo grávida.
46.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, não gosta que as pessoas, especialmente as mulheres, sejam livres e celebrem contratos onerosos.
47.º
Assim, o Estado Português, através do Ministério Público, considerando que o Guilherme, namorado da arguida, era ofendido pela conduta da arguida, deduziu contra ela acusação pelo «crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.°, n.° 1 e 3 al. a)».
48.º
Em julgamento, ficou provado que não existiu qualquer extorsão de 10.000.00$00 ao Guilherme, tanto mais que, repete-se, ficou provado e registado em acta de julgamento que o Guilherme «nunca se sentiu coagido ou ameaçado tudo tendo sido uma negociação entre ele e a Eduarda», ora arguida requerente.
49.º
Mesmo assim, de modo incompreensível, o Estado Português, no acórdão em epígrafe do Tribunal de Braga, conseguiu que a arguida fosse sentenciada criminalmente a 3 (três) anos de prisão, o que muito convém ao Estado, para exibir alguns bodes expiatórios do sistema de justiça.
50.°
Como era necessário obter uma fundamentação para a aplicação dessa pena e não podendo ser a pena de extorsão, o Tribunal percorreu o Código Penal e escolheu a pena correspondente ao «crime de burla, previsto e punível pelo artigo 218.° n.° 2 alínea a) do Código Penal».
51.º
No entanto há manifesto lapso porque, uma vez mais, o crime de burla, definido na lei portuguesa (artigo 217.°, n.° 1, do Código Penal) consiste na conduta em que um indivíduo «com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determin[a] outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa. prejuízo patrimonial».
52.°
Ora, não existe enriquecimento ilegítimo de ninguém, a arguida não «provocou factos» sobre nada, não enganou ninguém, não provou astuciosamente coisa nenhuma e nada determinou, limitando-se a aceitar uma proposta contratual que livremente lhe foi feita.
53.º
Na verdade, muito singelamente, os factos são os seguintes: em 1999, em conversa telefónica entre os dois, a arguida disse ao namorado Guilherme: «estou grávida»; e, em 2000, a arguida celebrou com o Guilherme um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A Eduarda (ora arguida requerente) compromete-se a, relativamente ao namorado Guilherme, «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do Guilherme ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 40 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a Eduarda, o Guilherme compromete-se a pagar à Eduarda, imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00 (factos 44 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue à Eduarda (facto 45 da matéria provada em julgamento).
54.º
A condenação da arguida pelo crime que tem como alegado ofendido o namorado Guilherme é particularmente chocante, pois a acção da namorada dizer ao namorado «estou grávida», mesmo quando se venha a verificar «que só alegadamente se encontrava grávida» (facto 42 da matéria provada em julgamento), não é acção que faça parte de um qualquer tipo legal de crime, nem pode ser parte de facto criminoso, porque esse género de conversa pertence à reserva privada da pessoa e o Estado está proibido, por leis que protegem os direitos humanos fundamentais, de se intrometer nessa esfera, havendo, no caso, clara violação do artigo 12.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do artigo 8.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Artigo 26.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. O Estado Português, através da Polícia, dos Magistrados do Ministério Público e dos juízes, não tem o direito de controlar as conversas entre namorados, averiguando se estas conversas são verdadeiras ou falsas, nomeadamente conversas sobre gravidez e aborto.
III — Conclusão
55.º
Por lapso, devendo tê-la absolvido, o Tribunal da Comarca de Braga sentenciou a ora arguida requerente na pena de 4 anos de prisão pela seguinte acção, que, por comodidade, podemos designar por «acção A», a saber: servir como «mediadora do conflito» entre namorados, resultando um «acordo feito» entre ambos, realizado em 2 de Agosto de 1999, que consiste num Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, contrato de Direito Civil, celebrado ao abrigo do artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, mediante as partes acordam o seguinte: Cláusula 1.ª — A namorada compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o» namorado caso, prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do namorado ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto; Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a namorada, o namorado compromete-se a pagar à namorada, imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00; Cláusula 3.ª — O pagamento é feito mediante depósito na conta da «mediadora do conflito».
56.°
Por lapso, devendo tê-la absolvido, o Tribunal da Comarca de Braga sentenciou a ora arguida requerente na pena de 3 anos de prisão pela seguinte acção, que, por comodidade, podemos designar por «acção B», a saber: dizer ao namorado, em 1999, em conversa telefónica entre os dois: «estou grávida»; e, em 2000, celebrar com o namorado um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A namorada, compromete-se a, relativamente ao namorado, «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do namorado ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto; Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a namorada, o namorado compromete-se a pagar à namorada, imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00; Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue em mão própria à namorada.
57.º
Nenhuma destas acções, A ou B, se encontra declarada punível por lei.
58.º
De acordo com o artigo 29.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção», por exemplo, ninguém pode ser condenado criminalmente por ter celebrado um contrato de direito civil, legal e plenamente válido hipótese destes autos —, ou por não ter cumprimentado o vizinho ou o juiz que passava.
59.º
O acórdão em causa, na medida em que, visivelmente por lapso, «sentencia criminalmente» a arguida por acções A e B que a lei não declara puníveis, constitui um caso típico do vício da inexistência jurídica.
Da nulidade
59.º
A decisão ora reclamada foi, como nela expressamente se diz, proferida ao abrigo do artigo 78.°-A, n.° 1, da LTC.
60.°
Ora este preceito, exigia que a arguida tivesse sido ouvida por 5 dias.
61.º
Resulta dos autos — e também da decisão do habeas corpus que a arguida não foi notificada para ser ouvida sobre a exposição do Exm.° Conselheiro Relator.
62.º
Omitiu-se assim, o cumprimento dessa formalidade essencial, cuja omissão é tanto mais quanto é certo que se trata de um processo-crime.
63.°
Há, pois, nulidade da decisão em causa.
Termos em que requer:
— Sejam os autos remetido à jurisdição comum, para decisão definitiva da questão prévia à da inexistência jurídica da decisão ora impugnada, por ser tal jurisdição a competente em razão da matéria;
— Caso assim se não entenda, seja a decisão declara nula ou anulada, por falta de audição da arguida, prevista no artigo 78.°-A, in fine, da LTC, devendo a arguida ser notificada para se pronunciar sobre a exposição do Relator.
Mais se dá conhecimento ao Tribunal
— Que a arguida vai desencadear procedimento criminal apropriado contra os queixosos Vieira e Araújo;
— Que a arguida vai requerer junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem providência cautelar, em ordem a impedir que o Estado Português a prive da liberdade, no âmbito deste processo, como já a privou uma vez, por dias, ilegalmente, conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em providência de Habeas Corpus;
— Que vai participar às organizações de Direitos Humanos e, em especial, às organizações de defesa dos direitos de mulheres, a situação em que foi posta pelo Estado Português.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos seguintes termos:
«1º
A recorrente, notificada da douta Decisão Sumária n.º 178/2009, veio reclamar.
2º
Assim, será exclusivamente sobre esta matéria que, no exercício do contraditório, nos iremos, por ora, pronunciar.
3.º
Pela Decisão Sumária n.º 178/2009 não se tomou conhecimento do recurso quanto à norma que a recorrente sujeitava à apreciação do Tribunal Constitucional, ou seja, do artigo 426.º-A do CPP, porque a decisão recorrida - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007 – não a tinha aplicado como ratio decidendi.
4.º
Efectivamente, disposto aquele preceito sobre qual o tribunal competente para um novo julgamento em caso de reenvio, essa questão já tinha sido decidida por Acórdão da Relação de Guimarães, transitado em julgado, nada tendo dito a recorrente no momento próprio, ou seja nas Alegações que podia ter apresentado (tendo sido notificado para esse efeito) no conflito de competências, resolvido por aquele Acórdão da Relação.
5.º
Na reclamação agora apresentada, a recorrente nada diz sobre as razões processuais porque entende que se devia conhecer o objecto do recurso.
6.º
Quanto à arguição de nulidade da Decisão Sumária por a recorrente não ter sido previamente ouvida “por 5 dias”, ela não faz qualquer sentido.
7.º
Na verdade, o que no artigo 78.º-A, n.º 1, do LTC, estabelece é que deve ser proferida Decisão Sumária quando se verifiquem os requisitos aí expressos e, sendo dado aos recorrentes a possibilidade de reclamação para a conferência (n.º 3), aqueles sempre poderão conhecer e impugnar os fundamentos da decisão.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. Os outros recorridos não apresentaram resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na não aplicação, pelo decisão recorrida (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.12.2007), da norma (artigo 426.º-A do CPP) cuja inconstitucionalidade a reclamante pretende ver apreciada.
A extensa reclamação agora apresentada em nada abala esta conclusão.
É manifesto que o Tribunal Constitucional não se pode pronunciar sobre a invocada “questão prévia” intitulada da “inexistência jurídica da decisão de 1.ª instância” (cfr. n.ºs 1.º a 59.º da reclamação), por se tratar de questão para a qual não é competente e que, além disso, é estranha ao objecto da presente reclamação. A este respeito, saliente-se que os autos serão oportunamente remetidos ao tribunal recorrido, nos termos da tramitação legalmente prevista.
No que respeita à invocada “nulidade” da decisão sumária reclamada (n.ºs 59.º a 63.º da reclamação), é totalmente desprovida de sentido a invocação de que a reclamante devia ter sido previamente ouvida “por 5 dias” sobre a “exposição do Conselheiro Relator”. Como é sabido, as decisões sumárias são proferidas pelo relator sem qualquer audiência prévia do interessado, como é próprio deste tipo de decisão “liminar” (cfr. artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Ao interessado assiste, antes, o direito de reclamar da decisão do relator para a conferência, como aconteceu no presente caso (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC).
Resta dizer que a reclamação em apreço nada invoca que pudesse fundamentar uma alteração da decisão de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, a qual é de manter na íntegra, atentos os fundamentos nela já constantes e que nos prescindimos de repetir.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.