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Processo n.º 768/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de fls. 28 que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A. arguido e com os sinais nos autos, notificado da douta decisão que S. Exa. o Presidente do STJ proferiu no sentido de admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional para apreciação de inconstitucionalidade imputada à alínea f) do n.° 1 do art.° 400.º CPP, e não admitir o recurso para o referido Tribunal no segmento de apreciar a inconstitucionalidade imputada à norma do art.° 417.°/b) do CPP, vem reclamar deste segmento do douto despacho, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Diz o douto despacho a rematar: “no respeitante à inconstitucionalidade imputada à alínea b) do art° 417.º do CPP não se admite nesta parte o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por esta norma não ter sido aplicada na decisão que indeferiu a reclamação, o que inviabiliza qualquer julgamento sobre ela por parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental. Daí o Tribunal Constitucional só poder conhecer de uma questão de constitucionalidade quando ela exerce influência no julgamento da causa, o que não se verifica na situação dos autos”
2. Salvo o devido respeito, o arguido não pode deixar de discordar desta douta interpretação e decisão, pois que:
3. Em tempo levou à aclaração perante o STJ, a informação que o reclamante/arguido não suscitou directa e imediatamente o problema da nulidade, mas invocou-o como argumento de recorribilidade para o STJ.
4. Com efeito, o douto aresto da Relação está viciado por resultado do cometimento da nulidade insuprível de não ter sido ouvido o arguido sobre o parecer do MP em 2 Instância, conforme tipificado no art.° 417.°/b), do CPP.
5. Nulidade essa insanável, nos termos do art.° 119.º CPP, cuja cominação vem tipificada no art.° 122.º do CPP.
6. Ou seja, salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação de Lisboa, deveria, oficiosamente ter conhecido do problema e prescrever o remédio previsto no art.° 122.°/1 do CPP, o que não aconteceu.
7. E, nesta matéria, entendeu o arguido, que caberia recurso para o STJ, pois tratava- se da 1a decisão que deveria ter tomado conta do problema, oficiosamente, pois os direitos constitucionais da defesa do arguido não foram tidos em conta.
8. Logo, decisão essa do Tribunal da Relação, recorrível, não se aplicando aqui o dispositivo da irrecorribilidade por dupla conforme.
9. Argumentação essa que não teve o acolhimento do Supremo Tribunal de Justiça.
10. Ora, neste conspecto, duvidas não restam que as garantias processuais de defesa do arguido não foram salvaguardas.
11. E, essas garantias de defesa, com respaldo constitucional, vêm tipificadas no art.° 32.°/1/5 da CRP.
12. Ora, como é consabido, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (art.° 32/1 CRP)
13. E, é no segmento de não ter sido aplicada, precisamente, a norma do art.° 417°/b do CPP, quando o deveria ter sido, que estão postos em crise os direitos constitucionais do arguido.
14. Diz o douto despacho:”Daí o Tribunal Constitucional só poder conhecer de uma questão de constitucionalidade quando ela exerce influência no julgamento da causa, o que não se verifica na situação dos autos”
15. Com a devida vénia, permite-se o arguido discordar, pois que, dúvidas não restam que por omissão, a questão em causa exerceu influência directa no julgamento, pois, se a mesma fosse inócua, não a tinha o legislador tipificado no CPP e garantido o seu acolhimento constitucional, cominando a sua não aplicação com nulidade.
16. A não ser que seja entendido que o contraditório, garantido constitucionalmente, seja letra morta na defesa dos direitos processuais do arguido.
17. É por isso, que a V. Ex.ª. é levada a presente reclamação, no sentido de a final ser também admitido recurso para o Tribunal Constitucional, no segmento que acima ficou descrito.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. A. reclamou para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão que, na Relação, não lhe admitiu o recurso interposto para aquele Tribunal do acórdão que confirmou a condenação na pena de dois anos de prisão que havia sido imposta em primeira instância.
2. Na reclamação, o arguido levanta a questão de não ter sido notificado da resposta do Ministério Público ao recurso - em que este levantava a questão do seu eventual não conhecimento -, não tendo podido, consequentemente, responder.
3. Segundo ele, devia ter sido aplicado o regime previsto no artigo 417º, nº 2 e não o previsto no artigo 411º, nº 6, ambos do CPP, como teria ocorrido.
4. O Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, indeferiu a reclamação porque considerou que o recurso não era admissível, face à alteração ao regime dos recursos operada pela Lei nº 48/2007, o aplicável.
5. Quanto à eventual nulidade consistente em o arguido não ter tido conhecimento da resposta do Ministério Público, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça entendeu que a questão só poderia ter sido suscitada no processo “sendo exterior aos poderes de arguição na decisão da reclamação definidos no artigo 405º do CPP”, posição confirmada posteriormente quando da apreciação de um pedido de aclaração.
6. Com efeito, tendo o arguido afirmado que invocara o problema de nulidade como argumento de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Presidente deste Tribunal, diz: “ o reclamante na parte inicial da fundamentação da reclamação, arguiu, como inequivocamente consta do texto, a nulidade resultante da falta de notificação da resposta do Ministério Público relativa à inadmissibilidade do recurso” (fls 25).
7. O arguido recorreu para o Tribunal Constitucional e no que respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 417º, alínea b) do CPP “ no sentido de não ser permitido o contraditório ao arguido” (fls. 26), o recurso não foi admitido.
8. Ora, dizendo-se nas decisões proferidas no Supremo Tribunal de Justiça, que na reclamação não poderia ser apreciada a questão da eventual nulidade, porque se tratava de matéria que se situava fora da sua competência, parece-nos evidente que a decisão recorrida não aplicou qualquer norma relacionada com a ausência de notificação ao arguido da resposta do Ministério Publico.
10. De qualquer forma ainda acrescentaríamos que na reclamação o arguido defende a aplicação do regime previsto no artigo 417º e não aquele que lhe havia sido aplicado, o do artigo 411º, nº 6, do CPP.
11. Nesta matéria, o recorrente nunca enunciou uma questão de inconstitucionalidade que se revestisse de natureza normativa.
12. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. O reclamante pretende recorrer para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 325 e s., com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 417.º, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de «não ser permitido o contraditório ao arguido».
O recurso não foi admitido por despacho de fls. 28, por se entender que a norma não foi aplicada na decisão de que se pretendia recorrer.
Efectivamente, o recurso em causa não pode ser admitido.
Como já foi salientado, quer no despacho reclamado, quer na resposta do Ministério Público, a norma do artigo 417.º, alínea b), do CPP, que constitui objecto do pretendido recurso de constitucionalidade, não foi aplicada pelo despacho de que se pretende recorrer. Nesse despacho e respectiva aclaração (cfr. fls. 20/22 e 25), o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça afirma expressamente que “os limites de cognição impostos pelo artigo 405.º do CPP não permitem a pronúncia sobre uma eventual nulidade posterior à decisão recorrida”.
É por isso manifesto que a decisão de que se pretende recorrer não fez aplicação da norma arguida inconstitucional, o que, só por si, é fundamento bastante para a não admissão do recurso.
Sem prejuízo, dir-se-á, ainda, que o reclamante não suscitou uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido. Na reclamação que apresentou junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 15/19), o reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma do artigo 417.º do CPP ou de uma sua interpretação normativa. Antes se limitou a defender a aplicação, ao caso concreto, do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
Também por este motivo, o recurso não pode ser admitido.
4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Novembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.