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Processo n.º 610/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, foi proferida a seguinte decisão sumária:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., C.R.L. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 24 de Maio de 2010 (fls. 674 a 686), para que seja apreciada a constitucionalidade das normas extraídas dos artigos 287º, n.ºs 1 e 2, 283º, n.º 3, alíneas a), b) e c), e 303º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal (CPP), por considerar que aquele “Acórdão ora recorrido se fundamenta numa interpretação dos preceitos em causa muito mais exigente do que o legislador pretendeu estabelecer e impor à formulação do requerimento de abertura de instrução, interpretando-os de forma a restringir, de forma inadequada, indevida e desproporcional, o direito do assistente a ver judicialmente fiscalizada a legalidade da decisão de arquivamento do processo (…)” (fls. 701).
Cumpre apreciar.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 709), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que os mesmos não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título preliminar, importa frisar que a recorrente – através de extenso requerimento, no qual insiste em questões que não cabem na competência do Tribunal Constitucional – acaba por nunca identificar, de modo preciso e especificado quais as concretas interpretações normativas entende terem sido aplicadas pela decisão recorrida, relativamente a cada uma das normas extraídas dos artigos 287º, n.ºs 1 e 2, 283º, n.º 3, alíneas a), b) e c), e 303º, n.º 3, todos do CPP.
A omissão dessa indicação precisa justificaria, em tese, o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso, conforme determinado pelo n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. Porém, na medida em que, mesmo que tal omissão fosse suprida, sempre subsistiria outro fundamento que obstaria ao conhecimento do objecto do recurso (sendo este último insuprível), a Relatora optou por abster-se de proceder a tal convite que sempre redundaria em acto processual inútil.
4. Porém, constata-se que a recorrente não cumpriu, de modo processualmente adequado, o ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade que pretende ver agora apreciada, de modo a que o tribunal recorrido dela pudesse ter tomado conhecimento (artigo 72º, n.º 2, da LTC). É, aliás, a própria decisão recorrida que revela a notória – e compreensível – dificuldade em determinar qual seria a questão de inconstitucionalidade que a recorrente pretendia ter visto apreciada pelo tribunal recorrido. Senão, veja-se o excerto da decisão recorrida:
“Finalmente, quanto ao alegado na conclusão 18ª não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade. Aliás, a recorrente limita-se a alegar que uma decisão contrária à perfilhada na motivação do recurso «implica uma interpretação do que se dispõe nos arts 287º, nº 1 e 2, 283º, nº 3, alínea b) e c) e ainda do disposto na parte final do nº 3 do artigo 303º do Código de Processo Penal, que torna tais preceitos feridos de inconstitucionalidade. Designadamente por violação do que se dispõe no art. 32º, nºs 1, 4, 5 e 8 da CRP». Ou seja, a recorrente não concretiza as razões da sua invocação…” cfr. fls. 685).
E, com efeito, é verdade que a recorrente não suscitou de modo processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade, não alegando quaisquer razões precisas e objectivas que permitissem avaliar uma questão de inconstitucionalidade normativa por parte do tribunal recorrido. Desde logo, na motivação de recurso (fls. 615 a 629), a recorrente limita-se a apresentar a sua interpretação sobre a correcta aplicação das normas extraídas dos artigos 287º, n.ºs 1 e 2, 283º, n.º 3, alíneas a), b) e c), e 303º, n.º 3, todos do CPP, limitando-se a qualificar de inconstitucional qualquer outra interpretação em sentido contrário, sem que, contudo, proceda a uma identificação inequívoca da potencial interpretação divergente.
Acresce ainda que nem sequer na resposta ao parecer do representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 659 a 663) se vislumbra qualquer suscitação de um incidente de fiscalização de constitucionalidade que vise avaliar da inconstitucionalidade normativa de qualquer um daqueles preceitos legais. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a insistir na sua interpretação daquelas normas legais, terminando apenas com a seguinte afirmação enigmática:
“Pelo exposto, não se vislumbra, com o devido respeito, como poderão ser acolhidos os doutos pareceres do Ministério Público neste processo, insistindo-se mesmo que, na interpretação que defendem dos preceitos referidos, a sua aplicação acarretará, além de tudo, grave violação de direitos constitucionais da assistente, designadamente, dos que se definem nos artigos 20º, 29º e 32º nºs 1, 4 e 5, da C.R.P..” (fls. 662 e 663)
Ou seja, mesmo em sede de resposta ao parecer do Ministério Público, a recorrente limitou-se a alegar, de modo genérico e não especificado, que o acolhimento da interpretação daquele configuraria uma violação dos seus direitos constitucionais. Porém, nem indicou que interpretação seria essa, nem quais as normas alvo de interpretação, nem tão pouco de que modo é que a mesma feriria os referidos preceitos constitucionais.
Como tal, por não ter sido suscitada, de modo processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mais não resta a este Tribunal que recusar conhecer o objecto do presente recurso.
III – Decisão
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.”
2. Inconformada com esta decisão, a recorrente apresentou a seguinte reclamação, que ora se sintetiza:
“(…)
VIII) Ou seja: na interpretação do artigo 283° nº 3 do C.P. Penal que fundamentou o douto despacho que rejeitou o requerimento de Abertura de Instrução apresentado pela assistente, este preceito terá de ser havido como inconstitucional, porquanto tal interpretação conduz ao facto de se conferir a tal preceito a exigência de uma alegação de factos que o mesmo realmente não exige nem requer, situação que acarreta um agravamento das dificuldades ou mesmo o total impedimento da assistente de ver feita justiça no caso de que é vítima, como se verifica nos presente autos.
IX) De igual modo, o artigo 303° do C.P. Penal, na sua actual redacção, não pode ser interpretado, como foi nas decisões recorridas e que não admitiram o requerimento de Abertura de Instrução, como fundamento para rejeitar a Abertura de Instrução, como foi requerida pela assistente, no caso de, após a Instrução, tal requerimento acarretar alteração substancial dos factos que do requerimento constam.
Na realidade, nos casos de acontecer alteração substancial dos factos constantes do requerimento de Abertura de Instrução, essa situação deverá ser ultrapassada pelo Sr. Juiz de Instrução nos precisos termos que vem referidos no nº 3 desse mesmo preceito.
A interpretação que assim foi conferida a esse preceito nas decisões que rejeitaram a Abertura de Instrução, ao considerar justificativo da rejeição do requerimento de Abertura de Instrução a simples possibilidade de resultar esta uma alteração substancial dos factos constantes do mesmo requerimento, é uma interpretação que restringe, limita e até impede o cesso á justiça e ao seu direito à descoberta da verdade nesta lide, tornando tal preceito inconstitucional por violação do que se dispõe nos artigos 20º, 29° e 32° nºs 1, 4 e 5 da C.RP.
X) Todas estas aqui referidas inconstitucionalidade foram suscitadas pela recorrente, previamente ao presente recurso para esse Alto Tribunal, nas suas alegações de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, como também, com o devido respeito, na resposta que a recorrente ofereceu ao douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal.
XI) A douta decisão do Venerando Tribunal da Relação, de que ora se corre, manteve claramente o entendimento perfilhado na decisão da 1ª Instância, mantendo, por isso, a interpretação por esta perfilhada dos preceitos contidos nos artigos 287° nº 1 e 2, 283° nº 3, alíneas b) e c) e do preceito contido no artigo 303° nº 3 do C.P. Penal.
XII) Ora, porque, respeitosamente, se entende que a interpretação de tais preceitos, nos termos da qual foi indeferido o requerimento da assistente para a Abertura de Instrução no presente processo, tornará inconstitucionais esses mesmos normativos, nos termos e pelas razões já referidas, vem a recorrente reclamar da douta decisão sumária proferida sobre o recurso interposto, para feito de prolação de Acórdão em Conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78° - A nº 3 da Lei 28/82, de 15 de Novembro (redacção da lei nº 13°-A198, de 26 de Fevereiro), mantendo-se, no mais, quanto se deixou legado na minuta do recurso interposto.” (fls. 730 a 734)
3. Notificado para tal, o Ministério Público veio responder, nos seguintes termos:
“1º
Pela Decisão Sumária nº 393/2010 não se conheceu do objecto do recurso porque se entendeu que, durante o processo, não tinha sido suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa respeitante aos artigos 287º, nº 1 e 2, 283, nº3 alíneas a), b) e c), e 303º, nº 3, todos do CPP.
2º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente - que é assistente no processo - insiste em reafirmar as razões porque entende - ao contrário das instâncias – que o requerimento para a abertura de instrução contém os elementos legalmente exigidos, resultando do indeferimento do pedido, uma violação dos seus direitos (20º, 29º e 32º, nº 1, 4 e 5 da Constituição).
3º
Parece-nos, pois, claro, que a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada.
4º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
4. Apesar de devidamente notificada para o efeito, a recorrida B. deixou esgotar o prazo legal, sem que viesse aos autos apresentar qualquer resposta.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamante não apresenta qualquer argumento novo, limitando-se a reiterar que suscitou, de modo processualmente adequado, a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa que, aliás, nem sequer chega a identificar. Assim sendo, a reclamante limita-se a manifestar a sua discordância com o fundamento da decisão reclamada, mas não esgrime qualquer argumento apto a contrariar aquela decisão, que se encontra suficientemente fundamentada.
Em suma, mais não resta do que rejeitar a reclamação deduzida e confirmar o teor da decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.