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Processo n.º 6-A 10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., notificado do despacho do relator que indeferiu o seu requerimento de pagamento das custas do processo em doze prestações mensais, vem dele interpor «recurso para o plenário», invocando, para tanto, em síntese, além da impossibilidade financeira de suportar o respectivo montante, a inconstitucionalidade material, por violação do princípio de acesso à justiça, do despacho por esse meio impugnado, o qual, a seu ver, implica «denegação de justiça» por falta de meios económicos.
Cumpre decidir.
2. O meio processual pelo qual o requerente pretende impugnar a decisão do relator é manifestamente inidóneo.
Com efeito, o recurso para o plenário, como resulta do disposto no artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) é, no essencial, um instrumento de uniformização jurisprudencial, que, como tal, pressupõe, desde logo, a invocação, pelo recorrente, da existência de contradição de julgados, no seio das várias secções que compõem o Tribunal Constitucional, sobre a mesma questão de inconstitucionalidade.
De resto, o recorrente interpôs já um outro recurso para o Plenário de um anterior despacho do relator, proferido no âmbito do processo n.º 6/2010 (despacho de 5 de Maio de 2010), que não foi admitido, por ausência dos respectivos pressupostos processuais, pelo acórdão n.º 226/10, pelo que o recorrente não pode sequer desconhecer, em função dos diversos incidentes que suscitou, a completa inidoneidade do meio processual de que de novo lançou mão.
Nestes termos, visando o requerimento agora apresentado obter a reapreciação do despacho do relator que indeferiu o pedido de pagamento faseado de custas, sem que preencha os requisitos de que depende a admissão do recurso para o Plenário, deve entender-se como constituindo uma reclamação para a conferência.
3. Pelo acórdão n.º 233/2010, de 15 de Junho de 2010, proferido no Processo n.º 6/2010, decidiu-se, além do mais, extrair traslado de algumas das peças processuais, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso e determinar que o processo seja imediatamente remetido ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 2 do artigo 720.º do Código de Processo Civil (CPC), considerando-se o acórdão transitado com a extracção do traslado (alíneas c) e d) da decisão).
Em 18 de Junho seguinte, o recorrente deduziu um pedido de aclaração do acórdão n.º 226/2010, de 2 de Junho, relativamente ao qual recaiu o seguinte do despacho do relator:
Com a emissão do acórdão nº 233/2010, de 15 de Junho, pelo qual, além do mais, se ordenou a extracção de traslado para neles serem processados eventuais termos posteriores do processo, considera-se transitada em julgado a decisão de não conhecimento do objecto do recurso em relação aos recorrentes relativamente aos quais esse trânsito ainda não tinha ocorrido (A. e B.).
Por efeito dessa decisão, que se considera também imediatamente transitada, qualquer novo incidente será processado no traslado mas só depois de pagas as custas contadas no tribunal (artigo 84.º, n.º 8, da LTC).
Deve pois aguardar-se o pagamento de custas em cumprimento da referida disposição legal.
Em 6 de Setembro de 2010, o recorrente veio requerer o pagamento de custas em doze prestações mensais e sucessivas (fls. 1040-1041), que foi indeferido pelo despacho ora reclamado do seguinte teor:
«Tendo sido determinado pelo acórdão n.º 233/10 a extracção de traslado para nele serem processados os ulteriores termos do processo, nos termos do disposto no art. 84.º, n.º 8, da LTC e 720,º do CPC, e impondo aquela primeira disposição que os incidentes que venham a ser suscitados posteriormente só possam prosseguir depois de pagas as custas contadas no Tribunal, seria inteiramente contrário ao princípio da boa fé processual que o recorrente pudesse aproveitar-se da faculdade prevista no art. 33,º do RCP para, desse modo, obter uma dilação de doze meses na decisão do incidente, quando é certo que o fundamento para a extracção do traslado foi justamente a demora abusiva gerada pelos sucessivos incidentes pós-decisórios».
Sustenta o requerente que «o seu pedido foi indeferido com o argumento na urgência da decisão», o que, a seu ver, não pode constituir fundamento do indeferimento «uma vez que nem sequer se sabe quando será proferida a decisão final», que não dispõe de meios financeiros para pagar as custas e que o indeferimento do pedido de pagamento de custas faseado viola o princípio do acesso à justiça.
Como resulta, porém, com evidência, do despacho reclamado, o indeferimento do pedido baseou-se apenas em considerações atinentes ao princípio da boa fé processual.
Deve ter-se presente que se determinou a extracção de traslado para nele prosseguirem os ulteriores termos do processo, por se ter considerado justificado o uso dos poderes conferidos pelas disposições conjugadas do n.º 8 do artigo 84,º da LTC e do n.º 2 do artigo 720,º do Código de Processo Civil contra as demoras abusivas, em face dos sucessivos incidentes pós-decisórios de natureza dilatória que foram sendo suscitados pelos recorrentes, e implicando essa decisão que os incidentes a processar no traslado apenas prossigam depois de pagas as custas, como prescreve a primeira daquelas disposições.
Neste condicionalismo, seria inteiramente incongruente com essa decisão permitir ao recorrente o pagamento faseado de custas, no uso da faculdade prevista no artigo 33º do Regulamento de Custas Processuais, quando é certo que daí resultaria necessariamente uma dilação de doze meses na decisão do incidente, cujo conhecimento e apreciação se encontra dependente desse pagamento.
Por outro lado, o pagamento faseado de custas não constitui um mecanismo destinado a suprir a insuficiência económica da parte (que, aliás, nem se encontra demonstrada), sendo que, mesmo quando tenha sido concedida a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, a lei prevê a possibilidade de cancelamento do benefício «se, em recurso, for confirmada a condenação do requerente como litigante de má fé» (artigo 10,º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 34/20004, de 28 de Agosto).
O pagamento faseado de custas não pode, por conseguinte, servir como expediente dilatório para obter uma vez mais, em clara violação do princípio da boa fé, o protelamento do processamento do traslado.
Acresce que o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, não pode ser entendido como destinado a permitir às partes o uso de expedientes dilatórios com vista a obstruir a acção da justiça ou protelar, sem, fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões (o que representa um uso reprovável do processo) pelo que a interpretação normativa do artigo 33.º do Regulamento de Custas Processuais efectuada pelo despacho reclamado não padece de qualquer inconstitucionalidade.
4. Nestes termos, decide-se:
a) indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado;
b) determinar que qualquer novo incidente sobre esta matéria apenas seja processado após o pagamento integral das custas contadas no tribunal.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.