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Processo n.º 608/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com o seguinte fundamento:
2. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º LTC.
Nos termos do disposto na alínea b) desse preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Desde logo, não obstante o convite que lhe foi dirigido, a requerente não procedeu de forma minimamente satisfatória ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, na resposta oferecida ao despacho proferido pelo Relator, a requerente não enuncia de forma minimamente perceptível qual a norma cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Mesmo na hipótese de se entender que, ao afirmar que “[invocou a inconstitucionalidade material quer [d]os art.º 312º, 314º, n.º 1 e 4, 315º e 678.º, n.º 1, quer do art. 254º n.º 6 todos do Código de Processo Civil”, a requerente está a delimitar o objecto do recurso de constitucionalidade reportando-se a esses preceitos – o que não é nada óbvio, uma vez que, em rigor, tal deve antes ser interpretado como sendo feito em observância do ónus de indicação da peça processual em que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, nos termos do disposto no inciso final do n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC –, ainda assim, não poderia o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de constitucionalidade.
É que, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, exige-se que o recorrente enuncie de forma precisa e rigorosa qual o sentido que, na decisão recorrida, foi atribuído aos preceitos que indica e cuja conformidade com a Constituição pretende ver apreciada.
Ora, a delimitação da interpretação normativa dada aos preceitos indicados no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, depois de aperfeiçoado, não constitui objecto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, na medida em que não contém uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente, autonomizável da pura actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto e, portanto, passível de controlo jurídico-constitucional.
Com efeito, ao afirmar, no ponto 2 da resposta oferecida ao despacho proferido pelo Relator, que “[…] os referenciados artigos se interpretados no sentido ou com a dimensão normativa que ao caso lhe foi atribuída, desde logo, a não apreciação do objecto do recurso então interposto, com fundamento no facto do valor da causa o não admitir, quando nos encontramos perante uma norma de cariz imperativo, constituem de verdadeira e própria inconstitucionalidade material”, a requerente pretende a simples resolução do caso concreto, através da determinação sobre a conformidade com a Constituição da “[…] não apreciação do objecto do recurso então interposto”.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objecto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Assim, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificada dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC [por lapso, indica-se o artigo 77.º desse diploma, que está previsto para a reclamação para a conferência do despacho, proferido no Tribunal a quo, que indefira o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade], com os seguintes fundamentos:
Considerou o Venerando Conselheiro Relator que “em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, exige-se que o recorrente enuncie de forma precisa e rigorosa qual o sentido que, na decisão recorrida, foi atribuído aos preceitos que indica e cuja conformidade com a Constituição pretende ver apreciada.”
Sendo que, (...) a requerente pretende a simples resolução do caso concreto, através da determinação sobre a conformidade com a Constituição.”
Pelo que, (...) “inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objecto não urna questão de constitucionalidade mas a própria decisão judicial.”
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não podemos deixar de discordar de tal entendimento.
É que, do requerimento de interposição deve constar “a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie” bem como, “do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
Elementos insuficientes para poder esse douto Tribunal formular a decisão nos termos que então expostos.
Posto isto, alternativa não deveria restar que não a admissão do presente recurso.
No entanto, sempre se dirá,
A recorrente invocou a inconstitucionalidade material dos preceitos que pretendia ver apreciada e reportou forçosamente a sua actuação a momentos distintos.
Na motivação de recurso apresentada ao Venerando Tribunal da Relação invocou a inconstitucionalidade material do art. 254° n.° 6 do Código de Processo Civil.
Sendo que, esse douto Tribunal limitou-se a reproduzir a fundamentação aduzida pelo tribunal de 1ª Instância (repita-se, outrora sem suporte factual), em suma, limitando-se a concluir pela imputabilidade da ali agravante pela recepção tardia da notificação, sem ter curado de apreciar, afinal, a questão que lhe fora submetida, e que foi, antes de mais, o facto de o tribunal de 1ª instância não ter admitido produção de prova com vista a elidir a imputabilidade da ora recorrente pela recepção tardia da notificação.
Mais, no que concerne às considerações subscritas pelos Venerandos Desembargadores, não se compreende como é que se pode considerar que a contagem do prazo a partir da efectiva notificação, se traduz num alargamento ou ampliação, note-se, do mesmo, pondo em causa a igualdade das partes.
Só poderia, este prazo, considerar-se ampliado a partir do momento em que a recorrente tomasse efectivo conhecimento, ou seja, a partir da notificação, e a partir desse conhecimento se extravasasse o prazo legal.
Menos então, se poderá entender que subjaz uma violação do princípio da igualdade, quando na verdade é a própria lei que prevê a possibilidade dos actos serem praticados em data diferente da presumida, desde que seja essa a data do conhecimento efectivo – no caso, dia 17 de Maio.
Pelo que, só a partir de 17 de Maio ter-se-ia por iniciado o prazo para contestar.
A entender como o entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa interpretou o art. 254, n.° 6 do Código de Processa Civil de forma inconstitucional, na medida em que nega à recorrente o acesso à justiça, através dos tribunais, para defesa dos seus direitos, nos termos do art. 20°, da CRP.
Por outro lado, na reclamação apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça invocou a ora recorrente a inconstitucionalidade material dos art.° 312°, 314°, n.° 1 e 4, 315° e 678.°, n.°1, todos do C.P.C.,
Porquanto, dispõe o n.° 1, do art.° 314.°, do C.P.C. que, “No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição”.
Por outro lado, e de acordo com o n° 4 do mesmo art°, “A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor.».
Tratando-se, como se trata, de acção de divórcio litigioso não contestado, a ré não poderia ter impugnado o valor da causa.
E sendo certo que, ao contrário de todas as restantes disposições que dispõem acerca da determinação do valor da causa, o art.° 312.° é peremptório ao estatuir que “As acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre (sublinhado e realçado nossos) de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01”.
Tal imperatividade resulta, em nosso entender, do facto de em todas as outras acções, que não estas, estarem em causa interesses da mais diversa natureza, cujo valor, por isso mesmo, poderá variar, consoante o caso concreto.
O valor da causa é sempre de € 14.963,95, parece estar subtraída às partes a possibilidade de indicar outro valor, que não aquele, não sendo permitido à “forma iludir a substância”.
O Supremo Tribunal de Justiça a entender de forma diversa, interpretou de forma inconstitucional os art.° 312°, 314°, n.° 1 e 4, 315° e 678.°, n.°1, todos do C.P.C., porquanto estará a negar à recorrente o acesso à Justiça, através dos tribunais, para defesa dos seus direitos, violando, consequentemente, o art° 20.° da CRP.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Na reclamação apresentada, a reclamante começa por censurar a decisão sumária afirmando que o Tribunal não dispunha de elementos suficientes para poder formular a decisão nos termos em que o fez e que, assim sendo, outra alternativa não teria do que admitir o presente recurso de constitucionalidade.
Sustenta tal entendimento na circunstância de do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dever constar “a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie” bem como “[…] a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
Não tem razão a reclamante.
O requerimento de interposição do recurso apresentado pela ora reclamante era deficiente, nele apenas se indicando que o recurso de constitucionalidade é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, omitindo a indicação dos demais elementos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC.
Perante tal requerimento, apresentado nesses termos, o Relator no Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, proferiu despacho a convidar a recorrente, ora reclamante, a vir indicar, no prazo de dez dias, os elementos em falta.
Tal como se afirma na decisão sumária reclamada, não obstante o convite que lhe foi dirigido, a recorrente não procedeu de forma minimamente satisfatória ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não enunciando de forma minimamente perceptível qual a norma cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Disse ainda a decisão sumária reclamada que, mesmo na hipótese de se entender que na resposta oferecida ao despacho proferido pelo Relator a recorrente veio delimitar o objecto do recurso de constitucionalidade reportando-se aos preceitos aí indicados, ainda assim, não poderia o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de constitucionalidade, por inidoneidade do seu objecto, assim delimitado.
Assim, ao contrário do que afirma a reclamante, o Relator neste Tribunal dispunha de todos os elementos para poder decidir como decidiu, pelo que improcede, quanto a este aspecto, a reclamação apresentada.
Além desse argumento, a reclamante vem ainda sustentar ter invocado a inconstitucionalidade material dos preceitos que pretendia ver apreciada, em parte, na motivação de recurso apresentada junto do Tribunal da Relação de Lisboa, e, noutra parte, na reclamação apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça, acrescentando também que os referidos preceitos foram efectivamente aplicados nas decisões proferidas por esses Tribunais.
Sendo o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada o da inidoneidade do objecto do recurso (e não o da falta de suscitação prévia, de modo processualmente adequado, das questões de constitucionalidade ou o de não integrarem tais preceitos a ratio decidendi da decisão recorrida), não se percebe por que razão a reclamante vem agora, em sede de reclamação de decisão sumária, afirmar que suscitou previamente as questões de constitucionalidade e que os preceitos a que tais questões se reportam foram efectivamente aplicados pela decisão recorrida.
Uma vez que, quanto ao fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, a reclamação nada vem opor que pudesse eventualmente levar à sua reapreciação, não pode a mesma senão ser indeferida.
Assim, confirma-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do recurso.
III – Decisão
4. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.