Imprimir acórdão
Processo n.º 560/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 25 de Novembro (LTC):
“1. Vem interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão do Relator do recurso no Tribunal da Relação de Coimbra, proferida em reclamação deduzida nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil (CPC), que manteve o despacho de não admissão de um recurso interposto pela recorrente no processo de insolvência da sociedade recorrida.
2. O recurso de constitucionalidade foi admitido no tribunal a quo. Cumpre apreciar liminarmente a possibilidade do seu prosseguimento (artigo 76.º, n.º 4 e artigo 78.º-A da LTC).
Efectivamente, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º da LTC está subordinado ao requisito ou pressuposto de esgotamento dos meios ordinários, nestes se incluindo as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (n.º 2 do artigo 70.º da LTC).
Ora, a reclamação contra o despacho de não admissão dos recursos em processo civil, que anteriormente era dirigida ao presidente do tribunal superior, passou a caber ao tribunal competente para conhecer do recurso não admitido (n.º 1 do artigo 688.º do CPC). A competência primária para a apreciação de tal reclamação é do relator (n.º 4 do artigo 688.º). Mas o despacho proferido no exercício dessa competência, como qualquer outra decisão do relator que não seja de mero expediente, é impugnável pela via normal de reacção contra os despachos do relator: a reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC).
Na verdade, nenhuma razão se vislumbra para subtrair tais despachos à garantia que resulta da possibilidade de submisssão do processo à conferência nos termos gerais. A reclamação é dirigida ao tribunal e o titular último do poder jurisdicional é, nos tribunais superiores, a formação colegial de julgamento. A decisão de deferimento ou indeferimento da reclamação contra a não admissão do recurso afecta o interesse da parte para a qual é desfavorável – pelo menos no caso de indeferimento da reclamação, de modo irremediável –, não se justificando que aí haja menos possibilidade de reexame do que perante qualquer outra decisão singular do relator.
Nem se objecte com o disposto na primeira parte do n.º 3 do artigo 700.º. O que neste inciso se exceptua da possibilidade de reclamação para a conferência são aqueles despachos proferidos pelo relator de não admissão de recurso de decisões proferidas no próprio tribunal, que tem a sua via especial de impugnação na reclamação para o tribunal superior, como antes a encontravam na reclamação para o presidente do tribunal superior. Neste aspecto nada mudou, mantendo o preceito a redacção que anteriormente tinha. Mas seria desrazoável sacrificar a tendencial uniformidade inerente à concentração da competência nos presidentes das relações sem o acréscimo de garantia que a intervenção do órgão colegial, por via da reclamação das decisões do relator, é susceptível de proporcionar. Assim, a ressalva da parte inicial do n.º 3 do artigo 700.º é restrita ao n.º 1 do artigo 688.º. Se na Relação não se admitir um recurso interposto de acórdão aí proferido reclama-se para o Supremo Tribunal de Justiça (ou para o Tribunal Constitucional, se for o caso – n.º 4 do artigo 76.º da LTC) e não para a conferência da Relação. Mas da decisão do relator que aprecia a reclamação de despacho de não admissão de recurso para o próprio tribunal reclama-se para a conferência (Neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 112; Abrantes Geraldes, “Reforma dos recursos em processo civil”, in Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril de 2008, pág. 68; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Tomo I, 2.ª ed. pág. 75).
Assim sendo, tem de concluir-se que a recorrente não esgotou os meios ordinários que no caso cabiam de reacção contra a decisão recorrida, pelo que o recurso não é admissível (n.º 2 do artigo 70.º da LTC)
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso;
b) Condenar a recorrente nas custas, com 7 unidades de conta de taxa de justiça.”
2. A recorrente reclama para a conferência, sustentando, em síntese:
- Que a ressalva constante do n.º 3 do artigo 700.º abrange o artigo 688.º do Código de Processo Civil (CPC), no seu todo. De outro modo, o legislador afastar-se-ia do modelo simplificado, célere e de decisão singular que sempre tem caracterizado a reclamação, para um modelo mais complexo e moroso que, inclusivamente comportaria recurso ordinário para o tribunal superior da decisão da conferência que recaísse sobre a reclamação (n.º 5 do artigo 70.º do CPC). O processo de reclamação tem autonomia relativamente ao processo do recurso, não sendo os despachos do relator proferidos naquele subsumíveis ao n.º 3 do artigo 700.º, que respeita somente aos despachos do relator proferidos após a admissão do recurso.
- Que deve reduzir-se o montante das custas a uma unidade de conta, atendendo à simplicidade da questão.
A parte contrária não respondeu.
3. Os argumentos da recorrente não abalam os fundamentos da decisão reclamada, enfermando de um erro de perspectiva que resulta de não tomar em consideração que a competência para decidir a reclamação passou a caber ao tribunal superior (n.º 1 do artigo 688.º: “o tribunal que seria competente para dele conhecer”). Consequentemente, o poder de decisão final reside no órgão colegial e não no relator como é próprio dos tribunais superiores, embora as decisões do relator possam tornar-se definitivas se não forem impugnadas. Não se pretendeu substituir um órgão singular (o presidente do tribunal superior) por outro órgão singular (um dos juízes do tribunal superior), mas um órgão singular por um órgão colegial.
Como diz Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 103 “a actividade a desenvolver pelo relator, na apreciação da reclamação, [identifica-se] com a por ele levada a efeito quando, na fase preliminar do julgamento do recurso, é chamado a verificar se alguma circunstância obsta ao seu conhecimento [artigos 700.º, n.º 1, alínea b), e 704.º]; e ainda por o não conhecimento do objecto do recurso tanto poder resultar da confirmação pelo relator do despacho que não admitiu o recurso no tribunal a quo como da decisão do relator que, já em fase de julgamento do recurso, decide não tomar conhecimento do mesmo por verificar que existe alguma circunstância impeditiva”.
Aliás, o mesmo Autor, juntando a sua voz à daqueles outros que já foram referidos na “decisão sumária”, afirma seguidamente: “A decisão do relator, quer atenda quer desatenda a reclamação do recorrente, é passível de reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do art. 700.º. A decisão do tribunal superior que confirme o despacho reclamado, quer provenha do relator por não impugnada, quer provenha da conferência, bem como a decisão do tribunal superior provinda da conferência que defira a reclamação fazem caso julgado formal (art. 672.º). Mas, se a decisão que deferir a reclamação provier do relator, por não ter havido reclamação para a conferência, terá a mesma carácter provisório podendo ser alterada, na pendência do recurso, por sugestão dos adjuntos (art. 708.º, n.º1, com referência ao art. 704.º, n.º 1).
O acórdão da conferência (e não o despacho do relator, por nos tribunais de recurso o poder jurisdicional residir no órgão colegial) que decida a reclamação é passível de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, competindo ao relator a apreciação do requerimento em que se consubstancie a interposição desse recurso”.
A mesma opinião manifestam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3ª ed. revista, 2010, pág. 947, que afirmam “A decisão do relator que atenda ou desatenda a reclamação contra o indeferimento do recurso é passível de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27.º, n.º 2, conforme também prevê o artigo 700.º, n.º 3, do CPC”.
Assim, pode concluir-se que a reclamação, antigo recurso de queixa, mudou de natureza e estrutura, passando a constituir uma fase preliminar da apelação ou revista que se pretende fazer seguir, no âmbito da qual os despachos do relator passaram a ficar sujeitos aos meios de reacção que podem ser usados contra qualquer outra decisão por ele proferida.
Face ao exposto, e não tendo a recorrente dado notícia de uma prática jurisprudencial consistente que seja divergente daquela que vem perfilhada na decisão sumária e que, eventualmente, pudesse justificar que o Tribunal Constitucional ajustasse o exame dos pressupostos do recurso de constitucionalidade em conformidade, não se vislumbram razões para não adoptar a interpretação perfilhada na decisão reclamada.
4. Também não há razão para alterar a decisão respeitante às custas que se mostram graduadas em conformidade aos critérios estabelecidos pelo n.º 2 do artigo 6.º e pelo n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento das Custas aprovado pelo Decreto-lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, em montante que corresponde à prática jurisprudencial reiterada. A redução do montante das custas exige a verificação de razões excepcionais, que não ocorrem.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas com vinte unidades de conta de taxa de justiça, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do referido Regulamento.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.