Imprimir acórdão
Processo n.º 411/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Por sentença do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca do Seixal foi o arguido A. condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de cinco meses de prisão efectiva.
Inconformado, dessa decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por despacho proferido em 19 de Fevereiro de 2009, foi o recurso rejeitado, com fundamento em extemporaneidade, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP): sendo o prazo para a sua interposição de 20 dias (uma vez que o arguido não impugnou a matéria de facto, sendo o recurso restrito à matéria de direito, mais concretamente à medida da pena concretamente aplicada), e não se suspendendo esse prazo no período de férias judiciais, por força da alínea c) do n.º 2 do artigo 103.º do CPP, o mesmo já havia sido largamente ultrapassado.
Do despacho que não admitiu o recurso, reclamou o arguido para o Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, na parte que releva para o presente recurso de constitucionalidade, que é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição, a norma do artigo 411.º, n.º 1 conjugada com a alínea c) do n.º 2 do artigo 103.º do CPP, interpretada no sentido de que o prazo para a interposição de recuso em processo sumário sem arguidos presos se não suspende em férias judiciais.
Por decisão singular do Exmo. Desembargador Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida em 21 de Abril de 2009, foi a reclamação indeferida, entendendo-se, no que à questão de constitucionalidade suscitada pelo arguido na sua reclamação diz respeito, que a norma ao abrigo da qual se rejeitou o recurso em nada contende com as garantias de defesa do arguido consignadas nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois o direito de recorrer do arguido, no referido prazo, não é de modo nenhum afectado, sendo tal prazo adequado a assegurar uma defesa eficaz ao arguido já que este é conhecedor de que a contagem neste tipo de processos é feita da referida forma.
2. É dessa decisão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Através dele pretende o recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 103.º conjugado com o artigo 411.º, n.º 1 do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo para a interposição de recuso em processo sumário não se suspende em férias judiciais, apesar de não existirem arguidos presos e não julgados logo após o flagrante delito.
Entende o recorrente que tal norma viola os artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição bem como o princípio da igualdade (consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição) e o princípio da proporcionalidade (consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Notificado para o efeito, o recorrente veio apresentar alegações, tendo concluído do seguinte modo:
1. A interpretação da norma da al. c) do nº 2 do artº 103 do C.P.P., deve ser efectuada nos moldes estabelecidos no artº 9º do Cód. Civil, ou seja fazendo uso do elemento histórico e teleológico.
2. E assim sendo o espírito do legislador teria de ser a aplicação daquela norma no que tange ao carácter urgente do processo sumário, até ao julgamento e consequente sentença, feito e elaborado em consequência de uma detenção em flagrante delito.
3. A partir do momento que se acautela a prova e se põe a pessoa em liberdade, o processo deixa de ter carácter urgente à semelhança de qualquer processo-crime com arguidos presos e posteriormente tratado dentro da tramitação normal em consequência de inexistência de presos.
4. Ao se generalizar o carácter urgente para todas as fases do processo independentemente de não existirem arguidos presos está-se a prejudicar a tramitação urgente de processos complexos com arguidos privados da liberdade.
5. É inconstitucional por violação do art.º 20º-nº 1 e 32º nº 1 da C.R.P., a norma do art.º 411º nº 1 conjugada com a al. c) do nº 2 do art.º 103º do C.P.P., interpretada no sentido que o prazo para a interposição de recurso em processo sumário sem arguidos presos e não julgados logo após o flagrante delito não se suspende em férias judiciais.
6. Não se entendendo que o prazo para interposição do recurso não se suspende em férias o nº 2 al. c) do art.º 103, conjugado com o art.º 411 nº 1 do C.P.P., quando dele decorre um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade consagrada no art.º 13º nº1 18 nº2 e art. 32 nº1 da C.R.P.
O Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou contra-alegações, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A questão com a qual o Tribunal Constitucional é confrontado no caso dos autos é a da conformidade com a Constituição da norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 103.º conjugado com o artigo 411.º, n.º 1 do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo para a interposição de recurso em processo sumário não se suspende em férias judiciais, apesar de não existirem arguidos presos e não julgados logo após o flagrante delito.
Entende o recorrente que tal norma viola os artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição bem como o princípio da igualdade (consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição) e o princípio da proporcionalidade (consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
O recorrente assenta a sua argumentação no entendimento de que todas as excepções previstas no n.º 2 do artigo 103.º do CPP – preceito que estabelece que os actos processuais aí previstos podem praticar-se em dias não úteis e durante as férias judiciais – visam garantir a celeridade do processo em que se inserem, tendo todas essas excepções em comum o facto de estar em causa a liberdade das pessoas.
Partindo dessa leitura do regime aí contido, o recorrente afirma que o prazo para a interposição de recurso em processo sumário, sem que haja arguido preso, não pode senão suspender-se durante as férias judiciais, pois entendimento diferente – designadamente aquele adoptado na decisão recorrida, segundo o qual o prazo para a interposição de recurso em processo sumário, sem que haja arguido preso, se não suspende durante as férias judiciais – redunda em prejuízo efectivo para todos os processos em que existam arguidos presos.
Ao não fazer qualquer distinção entre as duas situações, a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida viola os princípios referentes à defesa dos valores constitucionalmente relevantes, tais como a celeridade e eficiência da justiça criminal e da liberdade.
Entende o recorrente que a limitação do prazo para a interposição de recurso em processo sumário se traduz em uma diminuição das garantias de defesa que lhe assistem, com manifesta violação do artigo 32.º da Constituição, uma vez que dispõe de menos tempo para preparar a sua defesa comparativamente àquele de que dispõem arguidos em outros processos, os quais vêem o prazo para a interposição de recurso suspender-se durante as férias judiciais.
Tal limitação do prazo viola, além do mais, o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e o princípio da proporcionalidade, com expressão no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
Da alegada violação das garantias de defesa do arguido em processo penal
4. A questão de constitucionalidade é a de saber se é conforme à Constituição que o prazo, de 20 dias, para a interposição de recurso de decisão penal condenatória em processo sumário, sem que haja arguido preso, se não suspenda durante as férias judiciais.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, é assegurado ao arguido todas as garantias de defesa em processo penal, incluindo o direito ao recurso.
O exercício do direito ao recurso por parte do arguido há-de ser efectivo, o que significa que o legislador não poderá fixar prazo que, na prática, inviabilize ou dificulte de modo desrazoável o exercício desse direito.
Estando-lhe vedada a limitação absoluta ou excessiva do exercício do direito ao recurso, o legislador goza de ampla liberdade de conformação em matéria de estabelecimento do prazo, sendo-lhe permitido, para o efeito, proceder a uma ponderação de factores tais como a natureza do processo em que é proferida a decisão, o tipo de recurso e o fim a que se destina.
Na interpretação da decisão recorrida, está-se, in casu, perante um prazo de 20 dias para interpor um recurso de uma decisão proferida em processo sumário, circunscrito à apreciação de questões de direito.
A circunstância de a decisão de que se recorre ser proferida no âmbito da forma sumária de processo é, desde logo, relevante.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 381.º do CPP, são julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena cujo limite máximo não seja superior a cinco anos.
Tal significa que nos situamos na área da pequena criminalidade e em que a prova, dada a verificação de situação de flagrante delito, se reveste, em princípio, de uma maior simplicidade.
O fundamento para o estabelecimento de um prazo para a interposição do recurso de decisão penal condenatória – que é de 20 dias – sem que o mesmo se suspenda durante as férias judiciais parece estar na necessidade de uma reacção célere e atempada dos tribunais no julgamento desses casos.
Com efeito, é geralmente reconhecida a importância extrema do factor tempo na reparação das ofensas cometidas no âmbito da pequena criminalidade, pois que uma grande distanciação temporal entre o momento da prática do facto e o do julgamento comporta graves inconvenientes, não só para os ofendidos como para os próprios agentes e para a colectividade em geral, diluindo, quando não anulando, os efeitos da prevenção geral e especial, comuns a toda e qualquer infracção criminal.
Seguro é que tal prazo não limita em absoluto nem torna excessivamente oneroso em termos de, na prática, o inviabilizar, o exercício do direito ao recurso por parte do arguido.
A isso acresce que a não suspensão desse prazo durante as férias judiciais é motivada por razões atendíveis, designadamente exigências de celeridade no âmbito de crimes de pequena criminalidade.
Tanto basta para que a opção legislativa em apreço não mereça, à luz das garantias de defesa do arguido em processo penal, previstas no n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental, designadamente do seu direito ao recurso, censura constitucional.
5. Entende o recorrente que assim não é, introduzindo um argumento adicional que consiste em afirmar que, mesmo no âmbito de um processo sumário, a partir do momento em que fica acautelada a prova e a pessoa é posta em liberdade, o processo deixa de ter carácter urgente à semelhança de qualquer processo-crime com arguidos presos e posteriormente tratado dentro da tramitação normal em consequência de inexistência de presos.
Dito de outro modo, o recorrente põe em causa a necessidade de o processo continuar a ter carácter urgente – o que tem como consequência o curso do prazo para a interposição do recurso em férias judiciais – mesmo após a condenação do arguido. Ou seja, embora o recorrente admita que seja legítimo o legislador conferir a essa forma de processo carácter urgente até à prolação da decisão em primeira instância, questiona a possibilidade de se prever que o seu carácter urgente se mantenha mesmo após esse momento, uma vez que, em seu entender, tal é completamente desnecessário.
Em termos dogmáticos, o recorrente está a questionar a validade da norma sub judicio à luz do princípio da proporcionalidade, tal como consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, enquanto proibição do excesso.
Não tem razão o recorrente.
É que a “restrição” imposta ao direito ao recurso, a existir, não é desnecessária.
Não o é, porque, sendo o fundamento para que o prazo para a interposição do recurso corra em férias judiciais a necessidade de celeridade processual no âmbito da pequena criminalidade, nada tendo tal questão que ver com a circunstância de o arguido estar ou não em liberdade, não se torna desnecessária a atribuição de carácter urgente ao processo mesmo após a prolação da sentença em primeira instância.
Com efeito, as razões que, da perspectiva do legislador, determinam que ao processo seja atribuído carácter urgente permanecem válidas mesmo após a prolação da decisão condenatória em primeira instância. No âmbito da pequena criminalidade, não é desrazoável o entendimento de que uma grande distanciação temporal entre o momento da prática do facto e o do julgamento comportaria graves inconvenientes, não só para os ofendidos como para os próprios agentes e para a colectividade em geral, diluindo, quando não anulando, os efeitos da prevenção geral e especial, comuns a toda e qualquer infracção criminal.
A circunstância de ter sido já proferida uma decisão em primeira instância em nada releva para efeitos de, a partir desse momento, tornar dispensável a atribuição de carácter urgente ao processo.
Com efeito, o recurso interposto de decisão condenatória em processo sumário, ainda que circunscrito à apreciação de questões de direito, pode levar o tribunal ad quem, apercebendo-se oficiosamente da existência dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, a mandar baixar o processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 426.º do CPP.
Tal significa que não se verifica, desde logo, uma das premissas de que parte o recorrente no seu raciocínio, pois, ao contrário do que afirma, não é verdade que, com a prolação da decisão condenatória em primeira instância, fique, definitivamente, acautelada a prova.
Assim sendo, considerando a natureza da prova relativa a factos praticados por arguido detido em flagrante delito, é atendível a opção legislativa de querer decidir definitivamente quanto ao mérito o mais rapidamente possível, pelo que o interesse público que determina o carácter urgente do processo se mantém mesmo após a prolação da decisão condenatória em primeira instância.
É que, de outra maneira, face a uma maior dilação temporal, podendo ficar comprometida a frescura da prova, comprometido poderia ficar todo o processo.
A isso acresce que, em rigor, o parâmetro invocado apenas se aplica a norma que opere uma verdadeira restrição de direitos, liberdades e garantias.
Ora, uma norma que venha estabelecer um prazo de 20 dias para a interposição de um recurso, embora certamente condicione o exercício do direito ao recurso, não o restringe propriamente.
Assim, a norma constante do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição é insusceptível de ser violada pela norma sub judicio, pela simples razão de que nela se não contém uma restrição de um direito, liberdade ou garantia, sim a regulamentação de um aspecto do exercício do direito de defesa em processo penal.
Da alegada violação do princípio da igualdade
6. Na perspectiva do recorrente, a norma sub judicio violaria ainda o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição.
A violação do princípio da igualdade ocorreria em dois planos.
Num primeiro plano, no entender do recorrente, esse princípio é posto em crise por se não fazer qualquer distinção entre duas situações objectivamente diferentes, consoante existam ou não arguidos presos.
Num segundo plano, segundo o recorrente, é violado o princípio da igualdade, uma vez que, face à norma sub judicio, um arguido condenado em processo sumário dispõe, para efeitos de recurso, de menos tempo para preparar a sua defesa comparativamente àquele de que dispõem arguidos em outros processos, os quais vêem o prazo para a interposição de recurso suspender-se durante as férias judiciais.
Analisar-se-á cada um desses planos em separado.
No que respeita ao primeiro plano, importa precisar que, ao atribuir relevância ao facto de o arguido estar preso, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPP, para, em função disso, prever que a prática de actos processuais relativos a processos em que tal se verifique, incluindo o prazo para a interposição de recurso, se não suspenda durante as férias judiciais, o legislador está justamente a fazer uma distinção entre duas situações que, na sua perspectiva, merecem tratamento diferente.
Tal distinção não existe no âmbito da forma sumária de processo, porque, aí, dado o carácter urgente desses processos, o prazo para a prática de qualquer acto processual (que não apenas daqueles que hajam de ser praticados pelo arguido), se não suspende em qualquer caso.
A necessidade de celeridade processual em termos mais acentuados do que no processo penal comum representa, relativamente ao fundamento relacionado com a liberdade do arguido (que motiva a distinção existente no âmbito do processo penal comum), fundamento autónomo. Tratando-se de um fundamento autónomo, o curso do prazo para a interposição do recurso em férias justifica-se por si mesmo, nada relevando circunstâncias que, estando relacionadas com a liberdade do arguido, apenas mereceriam atendimento caso o factor determinante fosse esse e não outro.
Assim, não tem razão o recorrente, nesta parte.
Importa agora analisar o segundo plano em que, da perspectiva do recorrente, seria violado o princípio da igualdade.
De acordo com o entendimento do recorrente, violaria o princípio da igualdade o facto de um arguido condenado em processo sumário dispor, para efeitos de recurso, de menos tempo para preparar a sua defesa comparativamente àquele de que dispõem arguidos em outros processos, os quais vêem o prazo para a interposição de recurso suspender-se durante as férias judiciais.
Desde logo, o pressuposto de que parte o recorrente é errado, pois, ao contrário do que afirma, não é verdade que arguidos em outros processos – que não o sumário – vejam, em qualquer caso, o prazo para a interposição de recurso suspender-se durante as férias judiciais. Tal não sucede, por exemplo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPP, sempre que se tratar de arguidos presos.
Em todo o caso, não tem razão o recorrente.
É que a justificação para o curso do prazo para a interposição do recurso em férias judiciais – a da necessidade de celeridade processual no âmbito de crimes de pequena criminalidade em termos mais acentuados do que no processo penal comum – consubstancia objectivamente fundamento material bastante para efeitos de uma diferenciação de regimes, não cabendo ao Tribunal substituir-se ao legislador na avaliação da razoabilidade dessa diferenciação sobre ela formulando um juízo positivo, como se estivesse no lugar deste e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (cf. Acórdão da Comissão Constitucional n.º 458, de 25 de Novembro de 1982, in Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983). O controlo do Tribunal é antes de carácter negativo, cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspectiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível. Como foi salientado, entre muitos outros, nos Acórdãos n.ºs 186/90, 187/90 e 188/90 (qualquer deles disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa perspectiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)”.
Como já se assinalou, é geralmente reconhecida a importância extrema do factor tempo na reparação das ofensas cometidas no âmbito da pequena criminalidade, pois que uma grande distanciação temporal entre o momento da prática do facto e o do julgamento comporta graves inconvenientes, não só para os ofendidos como para os próprios agentes e para a colectividade em geral, diluindo, quando não anulando, os efeitos da prevenção geral e especial, comuns a toda e qualquer infracção criminal.
Como também já se disse (v., supra, n. 5), o interesse público que determina o carácter urgente do processo mantém-se mesmo após a prolação da decisão condenatória em primeira instância.
A diferenciação de regimes acima apontada não se baseia, assim, em motivos subjectivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada. Ela não infringe, por isso, o princípio da igualdade, tal como configurado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição.
III – Decisão
7. Nestes termos, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 103.º conjugado com o artigo 411.º, n.º 1 do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo para a interposição de recurso em processo sumário não se suspende em férias judiciais, apesar de não existirem arguidos presos e não julgados logo após o flagrante delito;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.