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Processo n.º 263/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Após o trânsito em julgado de sentença que, julgando a acção improcedente, absolvera os réus do pedido, veio A., autora dessa acção, interpor recurso de revisão da sentença proferida no âmbito da mesma.
A recorrente fundamentou o recurso na apresentação de um documento que então não possuía e de que não pôde fazer uso, por só mais tarde o ter obtido, e que consiste num abaixo assinado que contém uma declaração assinada no verso por quarenta e quatro pessoas que, sendo conhecedoras da situação em causa, e tendo tomado conhecimento da sentença proferida, manifestaram a sua discordância em relação à mesma, declarando que, ao contrário do decidido, existe há décadas uma servidão de passagem a pé e de carro pelo caminho traçado encostado à casa dos réus, pretendendo por isso que a decisão proferida seja substituída por outra que declare a existência da dita servidão a pé e de carro.
Por despacho proferido em 14 de Julho de 2008 foi o requerimento de interposição do recurso de revisão liminarmente indeferido.
Inconformada, desse despacho interpôs A. recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando, na parte que releva para efeitos do presente recurso de constitucionalidade, que o artigo 771.º do Código de Processo Civil, ao não prever o depoimento testemunhal como fundamento de revisão, é inconstitucional, na medida em que não garante de forma cabal o acesso ao direito e à justiça, assim violando o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição.
Por acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2009, o Tribunal da Relação de Coimbra, negando provimento ao agravo, manteve a decisão recorrida.
Na fundamentação da sua decisão, no que à questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente nas suas alegações de recurso diz respeito, o Tribunal afirmou o seguinte:
1) Questão de saber se o artigo 771º do CPC é inconstitucional.
O recurso de revisão de sentença, regulado nos artigos 771º e seguintes do CPC, é o meio processual destinado a impugnar decisões que já tenham transitado em julgado.
Na verdade, depois de transitadas em julgado, as decisões não poderão ser objecto de recurso ordinário, podendo apenas ser impugnadas em casos excepcionais, taxativamente previstos nas várias alíneas do referido artigo 771º.
Este tipo de recurso extraordinário é, assim, o resultado do compromisso entre, por um lado, o princípio da estabilidade e segurança jurídica exigível depois do trânsito em julgado das decisões e, por outro lado, o princípio da justiça material que acautela os casos em que a sentença esteja incorrecta por ter assentado em vício grave.
Arrolando testemunhas como prova da incorrecção da sentença impugnada, a recorrente invoca a inconstitucionalidade do artigo 771°, por violação do artigo 20º n° 1 da Constituição da República Portuguesa, por não prever a prova testemunhal como fundamento de revisão de sentença.
Estatui o mencionado artigo 20° n° 1: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Esta norma constitucional visa assegurar que ninguém seja privado de aceder aos meios judiciais, nomeadamente por insuficiência económica.
Outra coisa é a definição processual, feita pela lei ordinária, das regras e limites a usar no processo pelas partes.
Assim, por exemplo, estabelece a lei processual, no artigo 789° do CPC, que o limite de testemunhas que a parte pode apresentar no processo sumário é de 10.
O facto de a parte não poder apresentar 11 ou 12 testemunhas constitui uma limitação à sua intervenção no processo, por se entender que é possível produzir prova com apenas 10 testemunhas, sendo esse o equilíbrio encontrado entre o princípio da economia processual e o princípio da verdade material.
Da mesma forma, no recurso extraordinário de revisão de sentença, o equilibro entre os princípios da estabilidade e segurança jurídica e da verdade material ditou a restrição dos fundamentos do recurso previstos no artigo 771° do CPC, pelo que aí apenas estão contemplados os considerados estritamente necessários para a correcção de um vício da sentença já transitada em julgado, mas que não impliquem uma leviana repetição do julgamento.
Nessa medida, não está prevista a prova testemunhal como fundamento do recurso de revisão de sentença.
Mas essa restrição não constitui, obviamente, uma violação do artigo 20° n° 1 da CRP, pois as partes já tiveram a sua oportunidade de produzir prova no processo, servindo apenas o artigo 771º do CPC como instrumento de corrigir erros da sentença já transitada (depois de ter sido dada oportunidade às partes para a impugnarem pelos meios ordinários) e não como mais uma forma de produzir prova que as partes falharam em produzir na altura própria.
Conclui-se, portanto, que não foi violado o artigo 20º n° 1 da CRP e que o artigo 771° do CPC não é inconstitucional.
2. É dessa decisão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Através dele pretende a recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 771.º do Código de Processo Civil, na parte em que este exclui o depoimento testemunhal como fundamento do recurso extraordinário de revisão.
Entende a recorrente que tal norma viola o direito de acesso ao direito e à justiça, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
Notificada para o efeito, a recorrente veio apresentar alegações, tendo concluído do seguinte modo:
A – O artigo 771° do Código de Processo Civil ao não prever, ainda que excepcionalmente, e sob determinado condicionalismo, o depoimento testemunhal como fundamento do recurso de revisão, é inconstitucional, porque viola o Direito Fundamentai de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, n° 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa, e como tal deve ser declarado.
B – A referida norma contida no artigo 20°, visa garantir o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, sendo esta garantida apenas quando é colocado ao alcance do cidadão o meio processual adequado à tutela jurisdicional efectiva do interesse ou do direito em causa. Esta norma não visa apenas garantir o apoio judiciário a quem tem carência de meios económicos. Visa antes disso garantir os instrumentos ou normas processuais com vista a que as situações tenham tutela jurídica efectiva, na prática.
C – Articulando a citada norma do artigo 20°, n° 1, primeira parte, da CRP com o artigo 771º do Código de Processo Penal, e mesmo respeitando o carácter excepcional do recurso de revisão, temos de convir que esta norma não se articula com o artigo 20° da CRP, existindo uma lacuna entre ambas.
D – Sendo certo que a prova testemunhal é um meio de prova que por si só fundamenta decisões judiciais, e fundamentou a decisão do 4° Juízo Cível de Coimbra que se pretende objecto de revisão, é um contra senso que este mesmo tipo de prova não possa servir de fundamento à revisão de sentença, ainda que obedecendo a certos e determinados condicionalismos, e a título excepcional.
E – A prova testemunhal produzida por um “abaixo-assinado” de dezenas de pessoas afigura-se ser um tipo de prova testemunhal que, atento o seu carácter excepcional, deveria constituir fundamento de revisão de sentença, uma vez que a revisão é feita sempre em obediência ao princípio do contraditório, dando a hipótese de a parte lesada com a revisão se defender e oferecer contra-prova.
F – O “Abaixo-assinado” ainda que classificado de prova testemunhal, goza do carácter decisivo no sentido de demonstrar que a causa deveria ter tido solução diferente, a decisão judicial em causa deveria ter sido diferente, em sentido oposto ao que foi.
G – O documento é a corporização de uma declaração feita por uma ou várias pessoas, cuja idoneidade não deve ser considerada superior à de uma declaração verbal.
H – Se no Direito em geral são admitidas todas as provas não proibidas por lei, é uma contradição dentro da mesma Ordem Jurídica, não ter a prova testemunhal como fundamento de recurso de revisão, visto que este existe para garantir a Justiça em detrimento da certeza e da segurança do Direito.
I – O facto de a prova testemunhal não estar prevista no artigo 771° do Código de Processo Civil é um paradoxo dentro da ordem jurídica, uma vez que a prova testemunhal goza da mesmas idoneidade, é uma prova admitida por lei, e um documento escrito mais não é do que a redução a escrito de uma declaração testemunhal.
J – Sendo a ratio do recurso extraordinário de revisão servir o imperativo da justiça, então devem colocar-se ao serviço desse imperativo os instrumentos legais necessários e imprescindíveis à sua prossecução. A prova testemunhal é imprescindível à realização da Justiça.
L – A prova testemunhal, ainda que dependente de certos condicionalismos deve ser incluída no artigo 771° do Código de Processo Civil, à semelhança da prova documental, e eventualmente subordinada às mesmas condições desta, como fundamento do recurso de revisão, não apenas no interesse da recorrente, mas no interesse geral da sociedade, e por uma questão de coerência da própria Ordem Jurídica.
M – O “Abaixo-assinado” traduzindo-se no testemunho conjunto de uma colectividade, ou de grande parte da colectividade, indicia claramente a injustiça da sentença, pelo que deve ser considerado o tipo de prova reconhecida como fundamento do recurso de revisão.
N – O “Abaixo-assinado” goza do carácter de decisivo na formação da convicção do julgador, porque é convincente de que a decisão da causa deverá ter um desfecho diferente daquele que teve, devendo este tipo de prova testemunhal, em especial e em concreto, ser prevista como fundamento legal do recurso de revisão.
O – A norma do artigo 771° do Código de Processo Civil, deveria conter a prova testemunhal como fundamento de recurso de revisão, ainda que condicionada a certos factores, por uma questão de coerência do sistema, e por se revelar indispensável à realização e concretização do Imperativo da Justiça, sendo um meio necessário para que a justiça possa ser concretizada, mesmo nos casos em que vai destruir um caso julgado já formado.
P – Uma vez que a nossa Ordem Jurídica prevê o recurso extraordinário de revisão, e reconhece a Justiça como bem supremo perante o qual se deve curvar a certeza e a segurança então a Lei de Processo Civil deve prever o depoimento testemunhal como fundamento de revisão, no Processo Civil, à semelhança do que acontece no Processo Penal (artigo 449° do Código de Processo Penal), porque ocorre em muitas situações que a prova testemunhal é ao único meio de prova que existe para realizar a Justiça.
Q – Até razões de coerência dentro da Ordem Jurídica Portuguesa impõem que se preveja o depoimento testemunhal como fundamento de recurso extraordinário de revisão em processo civil, uma vez que é fundamento de recurso extraordinário de revisão em processo penal!
Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A questão com a qual o Tribunal Constitucional é confrontado no caso dos autos é a da conformidade com a Constituição da norma contida no artigo 771.º do Código de Processo Civil, na parte em que este, ao enunciar os casos em que é admissível recurso de revisão de decisão transitada em julgado, não prevê o depoimento testemunhal.
Entende a recorrente que tal norma viola o direito de acesso ao direito e à justiça, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
Alega-se fundamentalmente que o nº1 do artigo 20.º da CRP, ao contrário do que vai implicado no acórdão recorrido, se não limita a assegurar o acesso à justiça para quem não detenha meios económicos suficientes; que, sendo muito mais amplo o seu âmbito normativo de protecção – por coincidir com o do princípio da tutela jurisdicional efectiva – nele vai incluído um direito [fundamental] à prova em todas as formas de processo, do qual fará parte, naturalmente, o direito a apresentar depoimentos testemunhais; que, por isso, é inconstitucional o artigo 771.º do Código de Processo Civil, ao ser interpretado no sentido de excluir, sem qualquer excepção, como fundamento de recurso de revisão de decisão transitada em julgado, a existência de depoimentos testemunhais; que tais depoimentos deveriam, pelo menos, ser admitidos a título excepcional, pois que só desse modo se obteria – em recurso de revisão de sentença – o razoável equilíbrio, exigido pela Constituição, entre os valores de certeza e segurança do Direito e o valor da justiça; que, a assim não ser, se sacrifica unilateralmente (como, no entender da recorrente, ocorre no caso concreto) o último valor, com o benefício excessivo dos bens de certeza e de segurança.
4. Deve começar por dizer-se, como aliás o tem sempre sublinhado o Tribunal, que o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, comporta efectivamente o direito à produção de prova.
Simplesmente, tal não significa que decorra da Constituição a necessária admissão de todos os meios de prova permitidos em Direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto de litígio, ou que não sejam permitidas as previsões legislativas que imponham limitações quantitativas à produção dos referidos meios.
A esse respeito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 530/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
Conforme tem sido afirmado em diversas ocasiões pelo Tribunal Constitucional, o direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica «um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» (acórdão n.º 86/1988, reiterado em jurisprudência posterior e, por último, no acórdão n.º 157/2008).
No entanto, como tem sido também sublinhado, o direito à prova não implica a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. Dentro desta linha de entendimento, o Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade no tocante a diversas disposições legais que em relação a certos procedimentos jurisdicionalizados apenas admitem um específico tipo de prova (assim, os acórdãos n.ºs 395/89, 209/95, 452/2003; uma recensão da jurisprudência constitucional, com sucinta referência à argumentação em cada caso aduzida, no já citado acórdão nº 157/2008).
Acresce – como esclarece Teixeira de Sousa – que as próprias normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil estabelecem certas limitações quanto aos meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, e mesmo certas limitações quantitativas na produção de determinados meios de prova, sem que a sua constitucionalidade algo vez tenha sido posta em causa – assim, por exemplo, os artigos 353º e 354º do Código Civil, sobre a eficácia e admissibilidade da declaração confessória, os artigos 393.º e 394.º do mesmo Código sobre a admissibilidade da prova testemunhal, e, bem assim, os artigos 632º e 633º do Código de Processo Civil sobre o limite de número de testemunhas a arrolar pela parte e que podem ser inquiridas por cada facto (As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, 1995, pág. 228).
A questão essencial que se coloca – tal como se expendeu no acórdão nº 646/2006, que também abordou esta temática – é, pois, a de saber se, na emissão de uma norma restritiva do uso dos meios de prova, o legislador respeitou, proporcionada e racionalmente, o direito de acesso à justiça na sua vertente de direito de o interessado produzir a demonstração dos factos que, na sua óptica, suportam o «direito» ou o «interesse» que visa defender pelo recurso aos tribunais. Uma resposta negativa a essa questão apenas pode perspectivar-se, neste contexto, quando se possa concluir que a norma em causa determina, para a generalidade de situações, que o interessado se veja constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.
Tal significa que não está vedado ao legislador ordinário restringir o uso de meios de prova em determinados processos, desde que o faça com observância dos requisitos constitucionais previstos para leis restritivas, tais como a existência de uma justificação material para a restrição, i. é, a necessidade de com ela se salvaguardar outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos, e a relação de proporcionalidade entre a medida legal restritiva e os fins por ela visados.
5. Contudo, deve assinalar-se que a norma sob juízo, ao excluir o depoimento testemunhal como fundamento para admitir recurso de revisão de sentença, se insere antes do mais na modelação legislativa dos pressupostos processuais relativos a este tipo de recurso, o que determina desde logo que se analise a uma diferente luz a intervenção do legislador ordinário na matéria.
Na verdade, e como muito bem se sabe, o recurso extraordinário de revisão de sentença representa uma limitação ao caso julgado. Assim sendo, a avaliação, sob o ponto de vista constitucional, de qualquer conformação legislativa que a esse recurso diga respeito pressupõe, antes do mais, que se averigúe se, e em que medida, encontra guarida na Constituição o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais que sejam insusceptíveis de recurso ordinário.
A questão tem sido abundantemente tratada pela jurisprudência constitucional (quanto a este ponto, e para uma síntese expressiva de todo o lastro jurisprudencial anterior, iniciado ainda pela Comissão Constitucional, veja-se o Acórdão nº 310/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Fundamentalmente, tem dito o tribunal que o princípio da intangibilidade tendencial do caso julgado, se bem que admita, como qualquer outro, limitações ou compressões, detém uma inquestionável tutela constitucional, por razões decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2º da CRP).
Como se recordou no já citado Acórdão nº 310/2005:
“Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos novos processos eles lhe serem negados pela nova sentença.” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra, 1979, p. 306).
Certo é, porém, e como já se disse, que este princípio, como qualquer outro, pode sofrer compressões, desde que constitucionalmente justificadas. Assim, determina o nº 6 do artigo 29.º da CRP que tenham direito à revisão da sentença [nas circunstâncias prescritas por lei] os cidadãos injustamente condenados pela prática de um crime; e dispõe o nº 3 do artigo 282.º que os efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral possam, por decisão do Tribunal, não ressalvar os casos julgados, “quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo mais favorável ao arguido”. Fora destas duas circunstâncias, decorrerá ainda do artigo 20.º da CRP, e do valor de justiça que nele vai inscrito, a necessária existência, nomeadamente em processos cíveis, de um qualquer meio processual de ultrapassagem do caso julgado. Contudo, e como se disse no Acórdão nº 310/2005, descontada a supressão pura e simples da existência desse meio processual, ao legislador ordinário sempre assistirá um apreciável grau de liberdade na conformação concreta dos seus pressupostos.
Ora, um dos modos que pode revestir essa configuração traduz-se precisamente na tipificação das situações em que é legalmente admissível o recurso excepcional de revisão de sentença.
Por através deles se estabelecer um equilíbrio entre valores constitucionais igualmente dignos de tutela, os concretos pressupostos de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revisão só podem ser sindicados pelo Tribunal Constitucional segundo um critério de evidência ou de desrazoabilidade manifesta.
Não se afigura manifestamente desrazoável não se prever o depoimento testemunhal como fundamento de admissão do recurso de revisão de sentença.
III – Decisão
Assim, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 771.º do Código de processo Civil, na parte em que este exclui o depoimento testemunhal como fundamento do recurso extraordinário de revisão;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em vinte e cinco (25) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.