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Processo n.º 297/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, na parte em que recusou a aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica.
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1.1. A tese, perfilhada per relationem na sentença recorrida, propugna que a norma extraída do art.º 5.º, n.° 5, do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto, cria causas de suspensão da prescrição da obrigação tributária, que são de subsumir no conceito constitucional de “garantias do contribuinte” e, por conseguinte, deviam ter sido reguladas por lei ou decreto-lei autorizado (reserva relativa de lei).
1.2. Uma vez que a matéria foi regulada por decreto-lei, a descoberto de credencial parlamentar, logo, concorreria inconstitucionalidade orgânica.
2.1. Esta tese, porém, não é pacífica na jurisdição tributária.
2.2. Noutro aresto da suprema jurisdição tributária, a tese da inconstitucionalidade orgânica, com boas razões, é refutada (o acórdão n.° 425/08 do STA — Contencioso Tributário — 2.ª secção, de 2 de Abril de 2008).
2.3. Num aresto posterior, em voto de vencido, esta tese é igualmente refutada, e com razões que parecem inteiramente atendíveis (Acórdão n.° 962/09, do STA — Contencioso Tributário — 2.ª secção, de 2 de Dezembro de 2009).
2.4. Ulteriormente, o acórdão n.° 135/2010, tirado no processo n.° 687/09, da 3.ª Secção deste Tribunal Constitucional, também no âmbito do DL n.° 124/9, cit. (o denominado “Plano Mateus”) embora em sede de controvérsia constitucional conexa com a ora em exame (questão do “despacho de exclusão”), aduziu argumentos que são inteiramente procedentes e idóneos a refutar a tese agora em exame (questão da “inconstitucionalidade orgânica”).
3.1. Mesmo concedendo ser a correcta em tese geral, esta doutrina não consagra a melhor interpretação da disposição em apreço, pois assenta na leitura descontextualizada do diploma onde está integrada e não atende ao seu sentido sistemático.
3.2. Para captar o genuíno alcance e sentido desta disposição é imprescindível considerar, m particular, as causas (circunstâncias excepcionais, de incumprimento acumulado de dívidas fiscais e à segurança social), nexos (entre os benefícios concedidos e a suspensão da prescrição) e finalidades (criar um regime excepcional de recuperação da dívida, por via consensual) do diploma.
4.1. O diploma em apreço não elide qualquer direito ou garantia, decorrente do estatuto de “contribuinte” de que o devedor relapso (DL n.° 124/96, cit., art. 1.º, n.° 1) estivesse investido.
4.2. Antes, lhe confere um novo direito (ou faculdade) de requerer uma autorização administrativa, cujo deferimento lhe permitirá obter a redução dos juros de mora vencidos e vincendos e, ainda, pagar a dívida exequenda até ao máximo de 150 prestações mensais iguais — distribuídas, portanto, por mais de 12 anos.
4.3. Aliás, a suspensão do prazo de prescrição, nesta solução, parece inelutável, sobretudo quando se sabe que o prazo máximo de pagamento, em 150 prestações mensais, excedia o prazo de 10 anos estabelecido, então, pela lei para prescrição da obrigação tributária (CPT, art. 34.° e DL n.° 124/96, cit., art. 5.°, n.º 1).
E uma interpretação da lei que validasse tal resultado, bem entendido, não poderia ser a “solução mais acertada” a imputar ao pensamento legislativo (CC, art.º 9.°, n.º 3).
4.4. Acresce, que a apresentação do requerimento tem a virtualidade de sustar, até prolação de decisão, a venda de bens e, em caso de deferimento do requerimento, reunidas certas condições, a suspensão dos processos de execução fiscal em curso “bem como após a instauração de novos processos”.
5.1. A autorização administrativa, que defere a redução dos juros de mora, vencidos e vincendos e o pagamento em prestações é uma “medida excepcional” e decorre de uma “intervenção extraordinária”, exorbitando assim dos quadros típicos da relação jurídica tributária, com o seu cunho unilateral e coactivo.
5.2. De modo que, ao requerer tal autorização, o devedor relapso exerce um novo direito ou faculdade e, ao ver deferida a pretensão, fica investido num direito, com base consensual, extraordinário e assaz favorável, ao pagamento das dívidas fiscais em prestações e com redução de juros de mora, vencidos e vincendos.
6.1. A finalidade da norma expressa pelo art. 5.°, n.° 5, cit., não é, pois, a “garantia dos contribuintes” — que mantêm todos os direitos e garantias que a lei, de modo geral e abstracto, lhes reconhece.
6.2. Antes, tal norma tem uma função acessória, no quadro da economia do regime jurídico em apreço, qual seja a de garantir a boa-fé e seriedade de propósitos do devedor relapso (desincentiva o incumprimento pois, atentos os seus antecedentes de inadimplência, o risco de entrar em falha é agravado) e, sobretudo, o justo equilíbrio dos interesses ajustados (proporcionalidade entre o beneficio do devedor relapso e a garantia da arrecadação do crédito em falha).
7.1. Portanto, a norma em apreço não opera ablação ou ingerência nas “garantias dos contribuintes”, no sentido constitucionalmente adequado da expressão, pelo que não há qualquer exacção arbitrária ou excessiva, não havendo fundamento para protecção do devedor relapso “contra pretensões de cobrança de tributos fora das condições previstas na lei”.
7.2 Assim, nestas circunstâncias excepcionais, a própria teleologia subjacente à norma constante do n.° 5, do art.º 5.°, do DL n.° 124/96, cit., proscreve a respectiva subsunção no conceito de “garantias dos contribuintes” (CRP92, art. 106.°, n.° 2).
8. Em suma, não concorre inconstitucionalidade orgânica, não é caso de usurpação de poderes legislativos do Parlamento, compreendidos no âmbito da respectiva reserva relativa de competência.
Antes, ao emanar tal disposição, o Governo fez uso legítimo da sua competência para emanar decretos-lei em matérias não reservadas à Assembleia da República [CRP92, arts. 106.°, n.° 2, e 201.°, n.° 1, al. a)].
Portanto, deverá, no entender deste Ministério Público, ser emitida pronúncia que julgue não enfermar de inconstitucionalidade orgânica a norma constante do n.° 5, do art. 5.°, do DL n.° 124/96, de 10 de Agosto, e, em conformidade, conceder-se provimento ao recurso, determinando a consequente reformulação da decisão recorrida.»
3. A recorrida apresentou contra-alegações onde conclui o seguinte:
«1 — O presente Recurso cuja interposição se apresenta como obrigatória, tem no caso “subjúdice”, como fundamento, a recusa que se alicerçou na invocada inconstitucionalidade orgânica da referida norma, de aplicação aos autos de Oposição, da norma contida no n.º 5 do artº 5.° do DL n.º 124/1996 de 10/08, comummente conhecida como “Lei Mateus”;
2 — A alegação do recorrente, reconduz-se tão só a tentar demonstrar que o sujeito passivo fiscal (s.p.) na sua opinião logrou até ver reforçada a sua garantia perante o Estado, por via da norma em apreço, o que quanto a nós, não corresponde de todo à verdade...
3 — Pois tal norma não concede qualquer garantia, tão só estabelece um modo de pagamento mais facilitado, ao mesmo tempo que contrai, pela suspensão da prescrição, a garantia que esta representa para o s.p., face à inoperância do Estado, ou ao seu deficiente funcionamento por erros ou por desorganização, na cobrança do que considera serem os seus créditos, no fundamental proteger os cidadãos do “livre arbítrio” do Estado, que aquelas circunstâncias potenciam;
4 — De uma forma perfeitamente infundamentada, o recorrente chega na sua alegação a colocar em causa que a prescrição seja sequer configurável como garantia do contribuinte;
5 — Posição com que não se concorda, pois a prescrição garante ela própria ao contribuinte, tal qual nas relações estabelecidas civilmente no comércio jurídico ao abrigo do Código Civil, que desde determinada data estabelecida no tempo, no caso, o contribuinte, não mais poderá ser alvo de injunções do Estado para pagar o que não se cobrou no tempo devido, ou se o for, poderá defender-se com a prescrição;
6 — Mas porque com a norma em apreço se pretendeu em benefício do Estado, contrair a garantia do contribuinte, enquadrada como sempre esteve, no sistema fiscal como um todo, tal norma devia ter sido aprovada ao abrigo de autorização legislativa, por se tratar de matéria própria da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, quer na formulação actual do art.º103.°, quer da anterior, do art. 106.°, ambos da CRP;
7— Acresce aliás, que a razão de ser, quer da Lei Mateus, quer do DL 248- A/2002 de 10/08 (de que a recorrida deitou mão no caso dos autos), se pretendeu beneficiar acessoriamente, o contribuinte, tinha como objectivo essencial e primeiro, procurar o preenchimento dos interesses do Estado, antecipando a entrada de verbas, que de outro modo se prolongaria na colecta por muito mais tempo...;
8 — Não se pode, é, aceitar, que com o pretexto do benefício — relativo quanto a nós - do contribuinte se permite sequer ponderar simultaneamente diminuir-lhe as garantias, quer se consubstanciem em prescrição, quer noutra natureza, como pretende em última análise, o recorrente;
9 — O Estado desta forma, pelos normativos acima referidos, garantiu-se de duas formas muito evidentes, à conta da contracção da garantia do contribuinte, pois face ao que se deixou já referido, o Estado quis em primeira linha garantir-se a ele próprio, com uma colecta mais rápida e uma suspensão da prescrição:
10 — O recorrente deita ainda mão do Acórdão no 135/2010 deste Douto Tribunal, citando partes do seu teor e colocando-os fora do contexto do fundamento do recurso em que foi proferido pois que é referido como fundamento do mesmo, (...) “Dessa decisão, a reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da interpretação normativa (negrito nosso) adoptada pelo tribunal recorrido, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa fé e da segurança jurídica.”(...);
11 — Trata-se de uma situação de todo não enquadrável no objecto do presente recurso;
12 — O recorrente alega a excepcionalidade da norma em causa, que nas suas palavras, justifica a omissão de autorização legislativa;
13 — Bem pelo contrário, diremos nós, nos regimes excepcionais maior rigor deverá existir na protecção das garantias dos cidadãos, quer em sede fiscal, quer em sede de outra natureza;
14 — Mas o recorrente vem ao encontro, como não podia deixar de ser, da tese da inconstitucionalidade orgânica da norma, quando alega “...Que esta solução era a justa e adequada, é o que podemos, com segurança, concluir da circunstância de, menos de dois anos volvidos, a lei a ter consagrado com foros de generalidade (LGT art.º 49.°, n.°3).”;
15 — Mais…ainda o recorrente, a este propósito, “Aliás, a LGT, foi emanada “No uso da autorização legislativa concedida (...)”
Deve pois, face ao exposto, e porque o recorrente nada alegou sobre o concreto objecto do recurso - inconstitucionalidade orgânica da norma - improceder o mesmo, confirmando-se a Sentença recorrida;
Assim se fazendo Justiça!»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4. A norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, reza assim:
«Artigo 5.º
Diferimento do pagamento dos créditos
1 — (…)
2 —(…):
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…).
3 — (…).
4 — (…).
5 — O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações.»
O presente recurso emerge de oposição à execução fiscal (instaurada contra a aqui recorrida por dívidas à Segurança Social relativas aos anos de 1995 e 1996, no montante global de € 3 822,04). A sentença recorrida julgou a oposição procedente, determinando a extinção da execução por prescrição da dívida exequenda, tendo, para o efeito e além do mais, recusado a aplicação da citada norma do n.º 5 do artigo 5.º, com fundamento em inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
«O n.° 5 do artigo 5.° do Dec.-Lei n.° 124/1996, de 10 de Agosto, criou uma causa de suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento das prestações autorizadas.
Conforme resulta dos factos provados a oponente aderiu ao regime de regularização de dividas previsto no citado Dec.-Lei n.° 124/1996.
Porém, afastamos a aplicação da referida suspensão ao caso em apreço por entendermos que o citado n.° 5 do artigo 5.° do Dec.-Lei n.° 124/1996 é organicamente inconstitucional, por ter sido aprovado pelo Governo sem a necessária autorização legislativa, por se tratar de matéria inserida na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República (artigos 106.°, n.° 2, 168.°, n.° 1, alínea i) e 201.°, n.ºs 1, alínea b) e 3 da Constituição da República Portuguesa; vide neste sentido Ac. do STA de 14/10/2009, processo n.° 0528/09, in http:www.dgsi.pt/).»
A questão objecto do presente recurso foi, entretanto, apreciada em Plenário deste Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 280/2010, de 05.07.2010, no qual se decidiu «não julgar organicamente inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que determina a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações nele previsto.»
Os fundamentos deste aresto são sumariamente os seguintes:
«I - O Decreto-Lei n.º 124/96 pretendeu instituir um conjunto de remédios extraordinários para regularização das dívidas fiscais e à segurança social, resultantes de situações de incumprimento acumuladas. Ao caso em análise interessa o regime prestacional, a que o executado/oponente aderiu e, especialmente, o seu artigo 5.º que, sob a epígrafe 'Diferimento do pagamento dos créditos', determina a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações nele previsto.
II - Entende-se que o n.º 2 do artigo 103.º da CRP, introduzindo um princípio de legalidade fiscal, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspecto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes.
III - Nada permite concluir, porém, que a norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, aqui em análise, tenha vindo a restringir ou condicionar o regime que se encontra estabelecido, em geral, nessa matéria, e possa assim ter posto em causa a função garantística da reserva de lei fiscal. O regime de prescrição das dívidas tributárias, antes consagrado no artigo 34.º do Código de Processo Tributário, encontra-se actualmente regulado, em termos gerais, nos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária, incluindo no que se refere às causas interruptivas e suspensivas do respectivo prazo, e manteve plenamente a sua vigência, não obstante a publicação do Decreto-Lei n.º 124/96.
IV - Este diploma, por seu lado, teve em vista permitir a regularização de dívidas de natureza fiscal e à segurança social cujo prazo de cobrança voluntária tenha já terminado, através de medidas excepcionais de diferimento do pagamento em prestações mensais, até ao máximo de 150, implicando, como necessária decorrência, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações e a suspensão dos processos de execução fiscal em curso ou daqueles que entretanto tenham sido instaurados contra os contribuintes devedores. Estamos, por conseguinte, perante um regime específico de regularização de dívidas, instituído também no interesse do próprio contribuinte, que, por essa via, beneficia da possibilidade de pagamento faseado das dívidas e de redução dos juros que fossem devidos pela cobrança coerciva. Acresce que a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações, como determina o citado artigo 5.º, n.º 5, desse diploma é um pressuposto necessário do próprio regime legal assim instituído.
V - O prazo de prescrição dos impostos periódicos foi fixado pelo artigo 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária em oito anos a contar do termo do ano em que ocorreu o facto tributário (o artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT) fixava em 10 anos o respectivo prazo prescricional, com idêntico termo inicial), e o diferimento do pagamento das dívidas fiscais, por efeito da adesão ao regime definido no Decreto-Lei n.º 124/96, pode atingir 150 prestações mensais, que corresponde a uma dilação temporal de doze anos e meio. Assim sendo, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações é uma condição de exequibilidade do próprio regime legal, pois que, de outro modo, a adesão dos contribuintes devedores ao plano faseado de pagamento implicaria inevitavelmente a própria extinção da dívida remanescente, caso se mantivesse em curso o prazo prescricional.
VI - Em todo este condicionalismo, qualquer contribuinte que tenha aderido ao regime de regularização de dívidas fiscais através do pagamento em 150 prestações mensais, não poderia invocar qualquer expectativa legítima relativamente à possibilidade de o prazo prescricional continuar a decorrer enquanto se mantivesse em vigor o procedimento especial de pagamento em prestações. Se a função garantística da reserva de lei fiscal visa assegurar a previsibilidade dos elementos essenciais do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de confiança do contribuinte, torna-se claro que nenhum motivo existia para uma intervenção parlamentar, no caso vertente, quando o que estava em causa era apenas a definição de uma solução jurídica que era exigida pela lógica do sistema e que se encontrava justificada à luz dos princípios gerais em matéria tributária.
VII - De facto, a regularização de dívidas fiscais que o Decreto-Lei n.º 124/96 pretendeu regulamentar, não se enquadra na reserva de lei fiscal, tal como esta está configurada nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, e constitui antes competência legislativa concorrente do Governo, que lhe era conferida pelo artigo 201.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na redacção então vigente. A suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações, tal como previsto no artigo 5.º, n.º 5, desse diploma, reporta-se a um aspecto lateral desse específico regime legal, que é inerente às soluções normativas nele contidas, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição), nem qualquer alteração que não fosse esperada pelos contribuintes.»
Reitera-se aqui esta jurisprudência fixada, por maioria, no Plenário do Tribunal, à qual aderimos, e que é integralmente aplicável ao caso em apreço.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
Não julgar organicamente inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que determina a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações nele previsto;
Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da sentença recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano (votei a decisão pelas razões constantes da declaração que anexei ao acórdão n.º 280/10) – Rui Manuel Moura Ramos.