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Processo n.º 179/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de despachos proferidos nos presentes autos pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, através de requerimento por ele subscrito.
Por determinação de despacho do Relator proferido em 20 de Abril de 2010 foi notificado para constituir advogado sob pena de ser julgado extinto o recurso.
O Recorrente veio requerer a suspensão da instância de forma a aguardar decisão a proferir em processo em que havia sido suscitada questão idêntica pendente neste Tribunal, o que foi indeferido por despacho do Relator proferido em 18 de Maio de 2010.
O Recorrente veio requerer que se reconhecesse a nulidade da decisão da Ordem dos Advogados de suspensão da sua inscrição, o que foi indeferido por despacho do Relator proferido em 8 de Junho de 2010.
Na mesma data foi proferido despacho pelo Relator julgando extinto o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por falta de constituição de advogado pelo Recorrente no prazo que lhe havia sido fixado.
O Recorrente apresentou reclamação para a conferência deste despacho que foi indeferida pelo Acórdão n.º 367/10, de 6 de Outubro de 2010.
O Recorrente vem agora pedir a reforma desta decisão, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC) com os seguintes argumentos:
“Está tudo explicado - I
Está tudo cientificamente explicado. Sim, cientificamente! Quem o explicou, tintim por tintim, foi ninguém menos que o grão neurocientista luso reborn in USA ao qual se deve (caso ainda não tenham pago) a genial descoberta de que o homem é o único animal que pensa que pensa, o desnacionalizado nosso Doctor António 25FEV’44 Damásio, quando – há cinco sóis, na pág. 38-A da edição n.º.1981 do regimental semanário ‘Expresso’ – trouxe à luz do dia o dito aparente paradoxo revelado pelo psicólogo Ap Dijksterhuis, inter alios, emoldurando a arqui-elucidativa conclusão de que, (re)citando tal e qual, «as decisões tomadas sem uma pré-deliberação consciente revelaram-se de longe mais acertadas»!
Porquê, realmente, o de resto douto Acórdão n.º 367/2010 recém-tirado nestes autos se revelaria, como se revela, de todo desacertado – uma decisão, com todo o respeito da praxe, basto errada –, senão porque (apud Ap) seguidor insonte duma pré-deliberação consciente, uma vontade prévia, férrea, ou pétrea, de lavrar em erro, custe o que custar (para já, custa 20) ao destinatário-!
Está tudo explicado - II
E então isso, a mola real dessa dita consciência, a pré-deliberada vintena (ou quejanda) ajaezada à decisão examinanda, isso então está tudo explicado literariamente há um ror de tempo, vai para setenta anos. E vertido em literatura de excelência, há que dizê-lo já: um conto maronês com o fecundo nome de “Justiça” (que outro poderia ter-!), obra de 1941 daquela figura altaneira das Letras pátrias, o poeta-prosador da musa telúrica, de nome adoptivo Miguel Torga, com – imodéstia à parte – o retoque subtil, numa adaptação magistral, do deveras letrado mui letrado soussigné. Foi o Leonardo de Celeirós, inimigo figadal do Abrunhosa (é claro que não se trata desse, do talvez fotófobo, mais parecendo invisual, Pedro cantor bandemoníaco, mas sim daquele que foi ao Brasil aprender como as bandalheiras se fazem, de bico amarelo!), sim, o velho argentário Leonardo que se ufanava de enrolar qualquer um em meia folha de papel selado é que deu azo (logo quando, pela primeira vez vencido, descortinou que o Abrunhosa, pela mansa, manobrara as coisas de tal maneira, que comprou testemunhas, comprou advogados, comprou juízes, comprou tudo. Mas a sério! Nada de conversa fiada. Todos ali comprometidos e firmes!) a que o Campeã, que tinha sido cosido e mal pago por ele, explicasse ali tudo a preceito, em surdina, antegozando os próximos episódios:
«(…) nisto de tribunais, quem vai à frente é que geme.
Depois, com advogados do Porto e de Lisboa não se
brinca. Comem muito. Não há quem os vede. Aquilo
não é gente de duzentos ou trezentos mil réis. É logo
às boladas de vinte ou trinta contos!»,
judiciosa explanação esta que, evidentemente, está mesmo a pedir o douto aggiornamento, monetário e a bem dizer não só, aqui acima anunciado, reponderando em bom rigor que
«com juízes da primeira liga da Grande Lisboa não se
brinca. Comem muito. Não há quem os vede. Aquilo
não é gente de duzentos ou trezentos euros. É logo às
flautadas de vinte a cinquenta uques!»,
ou seja: estampando, com precisão, a palma de ouros da actualidade na fachada da mansão pretoriana triscaidecagonal.
Está tudo explicado - III
E, por fim, está tudo explicado juridicamente, ou antes: vai já ficar aqui tudo explicado nessa base, por obra e graça do jurista encartado com alvará de postulador inexpugnável que, por mais incrível que pareça, neste cenário há dezassete anos que não faz outra coisa (porém, com explicandos desta guisa, que é que se poderia esperar-). Dando então a palavra ao distinto orador de serviço, para um lacónico discurso directo:
«Acusa o temerário aresto cuja escalpelização inicio agora, com esta vistosa vénia, o apreciável mérito, único, de alguma contenção expositiva em sede dita de “fundamentação” da pré-deliberada decisão que enuncia: diz aquilo que tinha que dizer, que não é nada bom, num arrazoado de seis parcos parágrafos, o que não é mau de todo.
Quanto ao mais, o essencial, reproduz, em grau exacerbado, a atitude farsista do costume: falta, em catadupa, à verdade dos factos documentados nos autos, para desaplicar a eito o direito e a lei magna que os seus subscritores, no acto de posse, juraram honrar e cumprir. Exibe, sim, o acórdão reclamado, desastrosamente, todo este cortejo de infâmias:
- primo: Afirma «revel(ar)-se que o Recorrente tem a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa por deliberação de órgão desta entidade », o que é FALSO! Na verdade, o próprio Relator atesta, no Despacho de 18 de Maio transacto, que procedeu à «consulta do processo n.º 474/09, do Tribunal Central Administrativo Norte, pendente neste Tribunal, em recurso, com o n.º 1040/09», tendo «constat(ado) que nesse processo, tal como neste, apenas se discutiu incidentalmente a necessidade do (sic) Recorrente estar representado por advogado», o que prova incontrovertivelmente que constatou então também – não pode deixar de ter constatado! – que aquele tribunal superior do foro administrativo, (especialmente competente ex ratione materiæ, portanto) decidiu, previamente à admissão do recurso de constitucionalidade referido, que o Recorrente pode legitimamente advogar em causa própria, ou seja, necessariamente: que a minha inscrição na Ordem dos Advogados (pois que o Recorrente sou eu) não se encontra validamente suspensa! Esta factualidade, sim, é o que a consulta daqueloutro processo revela de importante.
- secundo: Afirma a seguir, no mesmo parágrafo, que «não cabe ao Tribunal Constitucional, atentas as suas competências, mesmo que incidentalmente, apreciar a validade dessa deliberação», reinvocando mais adiante «a circunstância deste (sic) Tribunal não ter competência para declarar a nulidade da deliberação da Ordem dos Advogados [de suspender a inscrição do Recorrente, a minha pessoa, como advogado]», tirada em reincidência que consubstancia um flagrante ULTRAJE À LEI! Com efeito, dispõe inequivocamente o artigo 134.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo que a nulidade do acto administrativo «pode ser declarada por qualquer tribunal»: sobre este tribunal constitucional, in concreto, impende exactamente o mesmo poder-dever legal de declaração da nulidade deliberativa observada que o tribunal central administrativo referido, também em via incidental, documentadamente exercitou. O motivo por que o Tribunal Constitucional português – que, por sinal, a si próprio se apresenta, em website oficial na Internet, como «um verdadeiro tribunal» (e não, verbi gratia, como “um tribunal troca-tintas, o TTT”) – se escusa in casu a declarar a nulidade do acto que verificou ex officio ser absolutamente nulo pertence, portanto, ao foro da patologia judiciária.
- tertio: Afirma, em acúmulo, que o tribunal supremo decidente pode apenas, no caso, «constatar se a eficácia da mesma [deliberação administrativa controvertida] foi objecto de alguma decisão judicial com força de caso julgado material», para logo concluir que “não”: «Não se revelando demonstrada a existência duma decisão com essa força, não pode o Tribunal Constitucional deixar de atender à situação do Recorrente constante da informação prestada pela Ordem dos Advogados», argumentário entrosado que, na realidade, consuma mais outra FALSIDADE e novo acto CONTRA A LEI! Efectivamente, aquilo que o Tribunal (!) Constitucional (-) dessarte judicando pretende é nada menos do que conceder plena eficácia jurídica, repristinar, “ressuscitar”, a seu bel-prazer uma deliberação da banda da Ordem dos Advogados que sem embargo reconhece ter sido julgada inválida, decisivamente, por um tribunal administrativo em sede de recurso, a pretexto de que essa decisão judicial não tem força de caso julgado fora do próprio em que foi proferida, como se – um tribunal! – pudesse ignorar que, por força do comando outrossim perfeitamente inequívoco do n.º 1 do artigo do Código do Procedimento Administrativo antecitado, o acto nulo «não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da nulidade»! Na verdade, como é que a mesma deliberação da ordem profissional em causa pode ser ineficaz no âmbito dum processo administrativo e, em simultâneo, ser eficaz nos trâmites dum processo constitucional apenso àquele-!
- bis) Mais, e pior: como pode este supremo Tribunal Constitucional em acção asseverar, no aresto sob justíssima reclamação, que «a eficácia da mesma [deliberação] não foi objecto de alguma decisão judicial com força de caso julgado», depois de o Relator ter confessado (ut retro) que consultou o processo administrativo… do qual constam, em anexo ao requerimento autuado em 1 de Abril de 2009 na 1.ª Instância – referenciados, respectivamente, como Doc. A e Doc. B –, (i) o Acórdão de 24 de Maio de 2001 do Tribunal Central Administrativo (Sul) decretando a suspensão da eficácia da deliberação administrativa controvertida e (ii) a Sentença de 23 de Janeiro de 2002 do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto aclaradora de que, «independentemente de se saber qual é a data dessa mesma deliberação que decidiu suspender a inscrição do requerente, terá que ser facto incontroverso que essa mesma deliberação tem os seus efeitos suspensos por aquele Ac. do TCA»-!- A explicação é muito simples, dolorosíssima mas duma simplicidade inexcedível: pode, porque sente esse areópago que tem «o rei na barriga» – quer dizer: a rês pública no “papo” –, entende que façam os seus titulares o que fizerem neste plano, prevariquem soberanamente quanto quiserem a esta escala, desfrutarão a todo o tempo de completa imunidade, pairarão sempre acima de toda e qualquer reacção punitiva.
- quarto: Condena, a final, a vítima desta enormidade juris(im)prudencial, esta pré-deliberada iniquidade, mecanicamente, em….«custas» (da formatação da peça), fixando a «taxa de “justiça” em 20 unidades de conta», isto é: em 2040 euros, o equivalente a 429,5% do salário mínimo nacional!! Acto miserável que, instintivamente, evoca a célebre passagem da obra-prima de Virgílio em que Eneias confidencia a Dido toda tragédia encerrada na dedução “Crimine ab uno disce omnes”: há, na realidade, intemporalmente, crimes que definem uma nação, e este é sem dúvida um deles! Em boa verdade, quantos e, sobretudo, quais países, na actualidade, existem – urge, com firmeza, inquirir – onde todo um povo absorto, amorfo, deixa medrar no seu seio alquebrado esta forma sofisticada de Estado-“vampiro” em que julgadores falsários tiram indecoroso proveito das tenebrosas falsificações que impunemente oficiam-!... E mais não digo.»,
devolvendo de pronto a palavra ao ilustre manda(taria)nte – a quem, na veste pontual de revisor oficial de contas, cumpre proceder à certificação legal da nota de débito, somando 240 hamurabitinos per capita, endereçada ao Colectivo trino pré-decidente e, cum dolo, totalmente errante –, para as canónicas alegações finais:
Ponderosos termos por que, fazendo no caso, de uma vez por todas, sã e inteira justiça, esse supremo Tribunal Constitucional ad quem, reconhecendo ou a nulidade ipso jure ou, pelo menos, a actual ineficácia da resolução administrativa de suspensão da inscrição do legítimo advogado signatário, reformará completamente – revogará, efectivamente – o Acórdão sob reclamação, com todos os devidos efeitos processuais e legais.”
Fundamentação
Neste último requerimento em que se pede a reforma do Acórdão que indeferiu a reclamação para a conferência da decisão do Relator que julgou extinto o recurso, por falta de constituição de mandatário, o Recorrente limita-se a repetir as razões de discordância que já haviam sido alegadas na reclamação para a conferência e que já foram objecto de apreciação pelo Acórdão cuja reforma se pretende, o que revela que o Recorrente com este incidente pós-decisório pretende tão-só obstar à baixa do processo, justificando-se a utilização da faculdade prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional, e 720.º do Código de Processo Civil (imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, precedida de extracção de traslado, onde será processado o incidente suscitado pelo requerimento apresentado pelo recorrente, embora a tramitação deste último incidente só deva ocorrer depois de pagas as custas contadas da responsabilidade do recorrente).
Assim sendo, o processo deverá prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorrido, sem ficar à espera da decisão do incidente processado no traslado, sob pena de, se assim não se procedesse, se inutilizar a eficácia desse mecanismo de “defesa contra demoras abusivas”.
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Decisão
Pelo exposto determina-se:
a) após extracção de traslado dos presentes autos e contado o processo, se remetam de imediato os autos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguirem os seus termos;
b) só seja dado seguimento no traslado ao referido incidente e de outros requerimentos que o recorrente venha a apresentar, depois de pagas as custas da sua responsabilidade.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.