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Processo n.º 852/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A A., S.A pediu a aclaração do Acórdão n.º 130/2010 que não tomou conhecimento do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, neste processo.
Na sequência desse pedido foi proferido o Acórdão n.º 238/2010 em 16 de Julho de 2010, que indeferiu o pedido de aclaração.
2. A Recorrente apresenta agora um requerimento de arguição de nulidade, nos seguintes termos:
“A) Da nulidade do Acórdão à luz do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do CPC
O ACÓRDÃO DE FLS. ASSENTA NUMA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL. OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO CONTRARIAM-SE A SI MESMOS E CONTRARIAM A DECISÃO PROPRIAMENTE DITA. INQUINANDO A DECISÃO.
O critério normativo arguido de inconstitucional pela recorrente no requerimento de recurso de constitucionalidade é o mesmo que surge ampla e fundadamente enunciado nas alegações de revista apresentadas junto do STJ.
O ponto n° 3 do requerimento de recurso de constitucionalidade apresentado junto do Tribunal Constitucional que explicita os fundamentos da inconstitucionalidade normativa é declacado das alegações e conclusões do recurso de revista de fls.
Nestas circunstâncias não pode o Acórdão considerar o critério normativo ‘perfeitamente identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade’ e deficientemente identificado nas alegações de revista.
Tanto mais que nas alegações de revista a recorrente não se limitou a afirmar que determinado preceito deve ser interpretado de determinado modo e que o entendimento contrário será inconstitucional.
A recorrente nessas alegações referiu que claramente existem duas interpretações possíveis, identificando o que era inconstitucional e o que era constitucional.
Quanto ao que considerava inconstitucional veja-se os dois sentidos de Alta Tensão em termos técnicos e legislativos e, nomeadamente, o seguinte:
Nesse sentido, a interpretação conferida pelo Tribunal ‘a quo’ — puramente ‘mecânica’ — à noção de ‘alta tensão’ consignada no n° 3 do art° 10.º da Lei n° 23/96, viola os mais elementares princípios interpretativos, bem como relevantes princípios constitucionais, entre eles, o da igualdade, o que se invoca, para todos os legais efeitos.
Atentemos discriminadamente:
Refere o Acórdão, e tendo em vista a concretização prática do pressuposto de recorribilidade plasmado no n° 2 do artigo 72° da LTC, que:
‘Não constitui modo adequado de identificação da interpretação normativa que se reputa de inconstitucional afirmar-se que determinado preceito deve ser interpretado de determinado modo e que o entendimento contrário será inconstitucional, pretendendo bastar-se com esta afirmação a satisfação do ónus de suscitação adequada durante o processo da questão da constitucionalidade. O facto de o critério normativo em causa vir perfeitamente identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade evidencia, aliás, a perfeita exequibilidade de tal ónus. Tal não é suficiente, no entanto, para que se possam tomar como preenchidos pressupostos processuais cuja observância se impõe, salvo situações excepcionais e anómalas — que não se verificam nos autos —, em momento anterior à prolacção da decisão final.’ (negrito e sublinhados nossos)
Conclui o Acórdão que o critério normativo arguido de inconstitucional pela recorrente não foi adequadamente identificado nas alegações (e conclusões) de revista apresentadas pela recorrente junto do STJ, pese embora surja ‘perfeitamente identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade’
Ora, no recurso de constitucionalidade interposto junto do STJ, a fls., a recorrente alega que:
[…]
Assim, tudo visto,
O critério normativo que surge ‘perfeitamente identificado no requerimento de recurso de constitucionalidade” é o mesmo que surge ampla e fundadamente enunciado nas alegações (e conclusões) de revista apresentadas junto do STJ.
O ponto n° 3 do requerimento de recurso de constitucionalidade apresentado junto do Tribunal Constitucional, que explicita os fundamentos da inconstitucionalidade normativa — face aos argumentos de ‘índole substancial’ — é, aliás, perfeitamente decalcado das alegações e conclusões do recurso de revista de fls.
Assim,
O critério, dimensão ou interpretação normativa apodada de inconstitucional pela recorrente, e que consta do requerimento de recurso de constitucionalidade e das alegações/conclusões de recurso de revista é o seguinte: argui-se de inconstitucional — por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade — a interpretação, o sentido, a dimensão normativa segundo a qual o n° 3 do artigo 10.º da Lei n° 23/96 assenta num conceito estrito de ‘Alta Tensão’ (que exclui a ‘Média Tensão’), por oposição a um conceito lato (que inclui aquela, bem como a Alta e a Muito Alta Tensão), que resulta da concepção bipolar ‘Alta Tensão’/’Baixa Tensão’.
Desta forma,
O critério normativo enunciado no requerimento de recurso de constitucionalidade de fls., apresentado junto do Tribunal Constitucional, está ‘perfeitamente identificado’.
Sendo o mesmo já anteriormente enunciado nas alegações e conclusões de recurso de revista, de fls.
Face ao exposto, existe contradição entre os fundamentos da decisão e o sentido final da mesma (i.e., o respectivo dispositivo).
Com efeito,
Não pode o Tribunal Constitucional decidir não conhecer do objecto do recurso, por considerar que não foi correctamente identificada a interpretação normativa reputada de inconstitucional em sede de recurso de revista,
Consignando, concomitantemente, que o critério normativo enunciado no requerimento de recurso de constitucionalidade surge ‘perfeitamente identificado’, tendo em vista as exigências do n° 2 do artigo 72° da LTC,
Quando há, objectivamente, uma plena identidade entre ambos.
Com efeito, o ‘critério normativo’ enunciado no requerimento de recurso de constitucionalidade é uma sinopse, sucinta — como legalmente deve ser — de todo o argumentário aduzido ao longo das alegações/conclusões de revista.
Assim, o dispositivo do Acórdão de fls. não é o corolário lógico das suas premissas.
Havendo uma descontinuidade entre os fundamentos e a respectiva decisão.
O Acórdão de fls. diz que uma mesma coisa é e não é.
Decidindo contra aquilo que diz que é.
O que gera a nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668°, n° 1, c), do CPC.
Nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos.
B) Da nulidade do Acórdão à luz do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC
Sem prescindir ou conceder do acima exposto,
Resulta do Acórdão de fls. que os Srs. Juízes Conselheiros levaram em linha de conta, tendo em vista a verificação do preenchimento dos pressupostos de recorribilidade para o Tribunal Constitucional — e, em particular, face ao disposto no n° 2 do artigo 72° da LTC — o que se encontra plasmado nas conclusões 67 a 71 do recurso de revista.
Sucede que, como se constata, a questão da inconstitucionalidade é suscitada e longamente analisada nas conclusões e nas alegações de revista.
Mais concretamente, a págs. 13 e ss., 19 e ss., 22 e ss., 27 e ss. e 35 e ss. das alegações de revista,
Com correspondência — ao menos parcial — nas conclusões 57 a 72 do referido recurso.
Ora, ao considerar apenas as conclusões 67 a 71, desconsiderando tudo quanto é exposto nas alegações que as antecedem (e as demais conclusões), o Tribunal Constitucional não se pronuncia sobre questões fundamentais atinentes à compreensão do objecto dos autos e da apontada inconstitucionalidade, nos termos em que esta foi suscitada junto do STJ, e que delimitam a competência cognitiva e decisória do Tribunal Constitucional.
Sugerindo uma visão ‘truncada’ da questão decidenda, e dos respectivos fundamentos de facto e jurídicos.
Isto quando é sabido não estar o Tribunal Constitucional especificamente vinculado a nenhuma peça ou segmento processual no que tange à apreciação da questão de constitucionalidade (importa apenas que tenha sido suscitada).
Promovendo-se, assim, uma decisão que toma a parte pelo todo, desfasada da realidade dos autos.
O que gera a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668°, n° 1, d), do CPC.
[…]”
Notificada do requerimento, a Recorrida B., não respondeu.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
3. Com a apresentação deste último requerimento, apresentado sob a veste de uma arguição de nulidade, a Recorrente vem esgrimir a mesma fundamentação que havia sido já expendida, sustentando, uma vez mais, o preenchimento dos pressupostos necessários ao conhecimento da questão de constitucionalidade que submeteu nos autos. Esta questão foi já devidamente apreciada e decidida e a manifesta falta de fundamento do requerido revela que a Recorrente neste segundo incidente pós-decisório pretende tão-só que o Tribunal mantenha a pendência dos presentes autos, invocando, para tanto, uma eventual contradição entre os fundamentos e a decisão, o que preencheria, na sua perspectiva, a nulidade da sentença prevista no artigo 668.º nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Ainda discordando do acórdão, que mais uma vez censura, qualifica-o de “truncado”, por, ainda na sua perspectiva, não se ter pronunciado sobre questões que deveria conhecer, acenando com uma rebuscada omissão de pronúncia…
Ora, não só, não existe qualquer contradição entre a decisão de não conhecimento e a respectiva fundamentação como também não se verifica omissão de pronúncia.
O dissídio, ora colocado, assenta tão-somente no facto de a Recorrente pretender ver reconhecida a equivalência entre o critério “enunciado” nas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça e o que consta do recurso de constitucionalidade.
Do que se trata, consequentemente é de discordância efectiva com a decisão e não de qualquer tipo de contradição entre a fundamentação e o segmento decisório e/a omissão de pronúncia.
III – Decisão
4. Face ao exposto, acordam, em secção em indeferir a arguição.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.