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Processo n.º 455/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e Outros, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«2. Contrariamente ao que afirma no requerimento de interposição do recurso, a recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de constitucionalidade normativa. No recurso que apresentou junto do Tribunal da Relação do Porto, e nas respectivas conclusões, a recorrente limitou-se a imputar a violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, à decisão recorrida em si mesma, acusando-a de não ter respeitado tal princípio em sede de valoração da prova produzida.
Em momento algum a recorrente questionou, perante o tribunal recorrido, a constitucionalidade de um critério normativo do artigo 127.º do Código de Processo Penal (CPP) supostamente adoptado como ratio decidendi do caso concreto.
No próprio requerimento de interposição do presente recurso continua a não saber identificar uma qualquer dimensão normativa, apenas referindo que a “aplicação” do artigo 127.º do CPP viola o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, o que, mais uma vez, equivale a imputar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso.»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo o seguinte:
«I
No ponto 2. da Douta decisão sumária está considerado que a recorrente -
-“em momento algum questionou perante o Tribunal recorrido a constitucionalidade de um critério normativo do artigo 127.° do Código de Processo Penal, supostamente adoptado como ratio decidendi do caso concreto”.
E, com a devida vénia, e salvo o devido respeito, cremos que não foi assim. Pois, no teor dos artigos 114.º, 115.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º e 120.º da Alegação para o Tribunal da Relação do Porto, e, também, das respectivas conclusões FF e GG, que, para facilidade se transcrevem:
114
Nenhuma testemunha tendo visto realmente qualquer efectiva agressão (e não mera probabilidade dela) por força do principio “in dubio pro reo” não deve tal agressão ser considerada provada.
Quanto às declarações da arguida A. o Tribunal não as valorizou justificando assim:
“...Em tudo o restante, as declarações desta arguida não foram atendidas, uma vez que manifestamente contraditórias com toda a restante prova produzida em audiência e que se mostrou credível, nomeadamente as declarações dos assistentes dos vários processos que foram ouvidos, dos ofendidos e das testemunhas, bem como a prova documental”.
O Tribunal recorrido aplicou a norma do artigo 143.° do Código Penal, a nosso ver, sem considerar o que é disposto no seu n.° 3, ou seja, que, tendo-se apurado na matéria de facto a existência de lesões recíprocas ou que o agente exerceu unicamente retorsão sobre o agressor, o Tribunal pode dispensar de pena o arguido.
O Tribunal recorrido, por outro lado, deveria ter aplicado a norma do artigo
13.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa e no sentido de tomar efectivo o princípio da igualdade no caso em que ocorreram depoimentos contraditórios entre si, não valorizando apenas um, e desprezando o outro”.
Está, assim, questionado perante o Tribunal da Relação do Porto, o critério normativo adoptado pela Mm.ª Juiz da 1.ª instância, que consistiu em, sem justificação, para o tratamento desigual, decidiu acreditar nos queixosos e não acreditar na arguida, ora recorrente — este é o critério adoptado, que se questionou perante o Tribunal da Relação e se pretende questionar perante este Venerando Tribunal Constitucional!
Isto é, a aplicação do artigo 127.° do Código de Processo Penal, será inconstitucional se operado com o sentido da valoração desigual das declarações de um sujeito processual em relação a outro, sem qualquer razão que o justifique.
Critério normativo que será discutido perante este Venerando Tribunal, claro está, mais desenvolvidamente, na alegação a apresentar, se tal assim for admitido, como se espera.
II
No ponto 2. da Douta decisão sumária, está considerado ainda:
“No próprio requerimento de interposição do presente recurso continua a não saber identificar uma qualquer dimensão normativa, apenas referindo que a “aplicação” do artigo 127.° do CPP viola o artigo 13.°, n.° 1, da Constituição, o que, mais uma vez, equivale a imputar o vício da inconstitucionalidade à própria decisão recorrida”.
Ora, salvo o devido respeito, o requerimento de interposição do recurso está conforme a exigência (legal) dos artigos 69.°, 70.° n.° 1 al. b) e 72.° n.° 1 al. b), todos da L.T.C.
Pois, em nenhuma dessas disposições legais, está exigido que a recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso, identifique a dimensão normativa a expor em sede de (posterior) alegação.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes:
«1º
Pela Decisão Sumária n.º 335/2010 decidiu-se não conhecer do objecto do recurso porque a recorrente, nem durante o processo suscitara, nem no requerimento de interposição do recurso enunciara qualquer questão de inconstitucionalidade normativa referente ao artigo 127.º do Código Penal, faltando, pois, os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2º
A reclamação agora apresentada e as transcrições aí levadas a cabo, não só não abalam os fundamentos da decisão reclamada, como os reforçam.
3.º
Na verdade, o que a reclamante continua a questionar é a própria decisão, entendendo que a avaliação e ponderação que o tribunal fizera da matéria de facto levava a uma violação do princípio da igualdade
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, uma vez que a recorrente se limitou a invocar a inconstitucionalidade da decisão recorrida em si mesma.
Como já foi salientado pelo Ministério Público na sua resposta, a presente reclamação não só não infirma esta conclusão, como a confirma.
Na verdade, o teor das transcrições constantes da presente reclamação revelam, de forma evidente que, nessas peças processuais, a reclamante apontou o vício de inconstitucionalidade à própria decisão do tribunal (que acusa de ter violado o princípio da igualdade) e não a um critério normativo, por este adoptado, que nunca chegou a enunciar qual seria.
Mais revela a reclamante um total desconhecimento do regime jurídico do recurso de constitucionalidade e dos respectivos pressupostos quando, na parte final da reclamação, afirma que em nenhuma disposição legal (da LTC) se exige que «a recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso, identifique a dimensão normativa a expor em sede de (posterior) alegação».
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.