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Processo n.º 453/10
2.ªSecção
Relator: Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A. e B. reclamam para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
A reclamação tem o seguinte teor:
«1. Os reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Relator que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade dos AA. e, em consequência, absolveu o R. Estado da instância, com fundamento em que os particulares não têm interesse legitimo directo na discordância das decisões não punitivas do CSM.
2. O Ex.mo Senhor Conselheiro relator não recebeu: «cabia reclamação para a Conferência de que os reclamantes não lançaram mão».
3. Neste sentido, invocou o art.° 70.°/2/3 da Lei 28/82.
4. Contudo, o n.° 4 do mesmo preceito legal dispõe entender-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.° 2, quando tenha havido renúncia.
5. Foi justamente o que aconteceu: os reclamantes renunciaram tacitamente a apresentar o problema à Conferência, quando interpuseram imediatamente o recurso para o Tribunal Constitucional.
6. É que, a norma do n.° 2, quando se refere às reclamações para a Conferência, equiparadas a recursos ordinários, apenas dizem salvaguardar àqueles que reclamam nessas circunstâncias, depois, ainda o recurso para o Tribunal Constitucional.
7. E segundo este ponto de vista, a recusa tácita é admissível e configura a interposição lícita de um imediato recurso para o Tribunal Constitucional, por economia procedimental legal.
8. Não é obrigatória a solicitação da Conferência, pode, segundo a LTC, ser renunciada.
9. Naturalmente que a renúncia pode ser expressa ou tácita e, neste caso, foi, evidentemente, uma renúncia tácita.
Vossa Excelência, com douto suprimento, determinará que o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto pelos reclamantes, seja recebido. (…)»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. Em acção administrativa especial, pelo Exm.º Senhor Conselheiro Relator no Supremo Tribunal Administrativo, foi, em 6 de Maio de 2010, proferida decisão que, julgando procedente a invocada excepção dilatória de ilegitimidade dos autores, absolveu o réu da instância.
2. Desta decisão interpuseram os autores recurso para o Tribunal Constitucional que não foi admitido porque, cabendo reclamação para a conferência, daquela decisão, dela não cabia recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Efectivamente, nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, da decisão do Senhor Conselheiro Relator podia reclamar-se para a conferência.
4. Nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, um dos requisitos de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, consiste em a decisão já não admitir recurso ordinário, sendo equiparados a tais recursos, as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (n.º 3, ao artigo 70.º.)
5. Portanto, parece-nos evidente que não estando esgotados os recursos ordinários que cabiam da decisão, falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso.
6. Os reclamantes vêm dizer na reclamação que “renunciaram tacitamente a apresentar o problema à Conferência”, devendo aplicar-se o n.º 4, do artigo 70.º da LTC.
7. Mas não têm razão, como seguidamente tentaremos demonstrar.
8. O prazo para reclamarem para a conferência era de dez dias, seja aplicando o artigo 153.º do CPC (ex vi artigo 1.º do CPTA), seja aplicando o artigo 29.º, n.º 1, do CPTA.
9. Assim, tendo em atenção a data em que os recorrentes foram notificados da decisão e a data em que interpuseram recurso para este Tribunal Constitucional (14 de Maio de 2010), facilmente se constata que decorria ainda o prazo de reclamação para a conferência quando aquele recurso foi interposto.
10. Ora, não tendo os recorrentes renunciado, expressamente, à reclamação, parece-nos evidente que, nas circunstâncias referidas, nunca poderá entender-se que houve renúncia tácita.
11. Diferente podia ser a situação se os recorrentes tivessem deixado decorrer o prazo de reclamação e só após o seu terminus tivesse recorrido para este Tribunal.
12. Aí sim, poderia, eventualmente, aplicar-se o disposto no n.º 4, do artigo 70.º da LTC.
13. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Ocorrida mudança de relator, por o primitivo relator ter cessado funções neste Tribunal Constitucional, cumpre decidir.
3. Pelas razões já avançadas pelo Ministério Público, a presente reclamação é de indeferir.
Os reclamantes pretendem interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão do Relator no Supremo Tribunal Administrativo que, em acção administrativa especial, julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade dos autores e, em consequência, absolveu o Réu Estado da instância.
Por despacho do Relator nesse Supremo Tribunal, o recurso não foi admitido, invocando-se que, desse despacho, cabia reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que dele não cabia recurso para o Tribunal Constitucional, por força do disposto no artigo 70.º, n.º 2 e 3, da LTC (cfr. fls. 158 dos autos).
Na presente reclamação, os reclamantes vêm contrapor que «renunciaram tacitamente a apresentar o problema à Conferência», tendo optado por interpor imediatamente o recurso para o Tribunal Constitucional.
Sem razão, porém.
A admissibilidade do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende do prévio esgotamento dos meios ordinários de recurso, incluindo nestes as reclamações (artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC). A razão de ser desta norma é a de evitar intervenções desnecessárias do Tribunal Constitucional, procurando que este só seja chamado a pronunciar-se sobre decisões que constituem a “última palavra” dentro da respectiva ordem jurídica
Consideram-se esgotados os recursos ordinários «quanto tenha havido renúncia, haja decorrido o prazo para a respectiva interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual» (n.º 4 do citado artigo 70.º).
No caso dos autos não se verifica qualquer destas situações, uma vez que, sendo indiscutível que do despacho em causa cabia reclamação para a Conferência, os reclamantes a ela não renunciaram expressamente e antes vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional quando ainda decorria o referido prazo de reclamação (cfr. fls. 145 e 148 dos autos).
Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, «a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não é um facto concludente inequívoco da vontade de não interposição de recurso ordinário (incluindo-se aqui as reclamações para o presidente do tribunal ou para a conferência)» (Acórdão n.º 153/2008). E como se referiu no Acórdão n.º 18/2004: «A renúncia tácita ao recurso é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (artigo 681.º, n.º 3, do CPC)». Ou seja, não pode a parte antecipar a interposição do recurso de constitucionalidade sem expressamente renunciar ao recurso (no caso, reclamação) ordinário (para mais desenvolvimentos v. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 123).
4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.